menu hamburguer
imagem topo menu
logo Lance!X
Logo Lance!

Como a La Liga saiu de um ‘projeto destruído’ para potência global do futebol

Em entrevista exclusiva ao Lance!, o Diretor de Negócios e Inovações da La Liga na América Latina detalhou os planos da competição para crescer no mercado internacional

Gavi, do Barcelona, e Vinicius Junior, do Real Madrid, durante a partida de futebol do campeonato espanhol La Liga em 26 de outubro de 2024, no estádio Santiago Bernabéu, em Madri, Espanha | Crédito: Laurent Lairys / Agence Locevaphotos / Alamy Stock Photo
imagem cameraBarcelona e Real Madrid são os protagonistas da La Liga. (Foto: Laurent Lairys / Agence Locevaphotos / Alamy Stock Photo)
8aea3481-4fd8-49c6-acd1-b22af575465e__MG_9987-Copia-2-aspect-ratio-1024-1024
Vinicius Barbosa Harfush
Rio de Janeiro (RJ)
Dia 19/09/2025
07:15

  • Matéria
  • Mais Notícias

Após mais de uma década de domínio de Lionel Messi e Cristiano Ronaldo, o Campeonato Espanhol passou por um processo de transição há alguns anos para se manter como uma liga de alto nível, chamativa e com uma nova era de craques. E por mais que Barcelona e Real Madrid não saiam do topo, a La Liga conseguiu se estabelecer como um produto global e que vai além do protagonismo dos times em campo.

continua após a publicidade

O atual cenário contrasta com o que era visto no início da década de 2010, quando a competição via o número de times com problemas financeiras e as dívidas públicas da liga aumentarem. O "ponto de virada" veio em 2013, ano em que mais de 150 atletas viviam atrasos no pagamento e um débito superior a 650 milhões de euros com a administração pública. Desde então, a postura adotada pela La Liga tomou outro rumo, o que a coloca em um patamar de sucesso no meio do futebol.

Em entrevista exclusiva ao Lance!, o Diretor de Negócios e Inovações da La Liga na América Latina, Marc Tarradas, detalhou como foi o processo de transformação da competição e os pilares de reconstrução adotados. Hoje, o campeonato é o segundo maior do mundo na arrecadação com direitos de transmissão, investimento em premiações e valor de mercado, ficando atrás apenas da Premier League, da Inglaterra.

continua após a publicidade

Para assumir o atual posto, a La Liga se baseou em três principais pilares: centralização e venda dos direitos de transmissão, controle econômico e luta contra a pirataria. Outras ações foram fortalecidas ao longo da última década, como o processo de internacionalização, mas que derivam da estratégia principal de negócios estabelecida pela liga.

Vale ressaltar que o modelo de atuação da La Liga acontece como em vários outros países europeus, onde os clubes se unem para gerenciar uma liga e atuam juntos para estabelecer as regras de tudo que está relacionado à atuação dos times dentro e fora do campo.

continua após a publicidade

Marc Tarradas afirma que a expansão da La Liga se deu de forma gradual e organizada, afim de melhorar cada um dos pilares trabalhados a partir de 2013. Foi mudou o status de "competição destruída" para uma potência global.

- Todos os pilares são importantes, mas cada um teve uma importância mais relevante de acordo com o momento ou a situação da liga. Foram importantes em um momento que a liga era praticamente uma competição destruída, porque os clubes tinham dívidas, não havia competição, não havia um produto de transmissão unificado, porque havia "maracutaias", havia apostas ilegais... - destaca o espanhol.

Marc Tarradas é o Diretor de negócios e inovações da La Liga na América Latina
Marc Tarradas atua como Diretor de Negócios e Inovações da La Liga na América Latina. (Foto: Divulgação)

La Liga sai da Espanha e se torna internacional

Para ultrapassar as fronteiras espanholas e europeias, a La Liga precisou discutir qual seria a forma mais eficaz de negociar a venda dos seus direitos de transmissão, de uma maneira centralizada para que obtivesse controle daquilo que seria transmitido. Marc Tarradas explica que na primeira divisão espanhola foram estabelecidas porcentagens para a distribuição dos valores.

Os times da elite recebem 50% do valor de forma igualitária, independente de qual seja o clube. 25% dessa receita da equipe depende do seu desempenho esportivo, ou seja, a classificação que é alcançada na tabela. Por sim, os outros 25% estão divididos no que é chamado de "impacto social".

Há uma subdivisão que depende da porcentagem de venda de ingressos nos jogos, audiência nas transmissões e iniciativas dos clubes, como o cumprimento de regras do controle econômico - o que conecta com outro pilar importante para o crescimento.

- Essa divisão estabelece regras do jogo claras e estabelece um modelo de competição adaptado para todos os clubes. Primeiro, a repartição dos direitos. Depois, a segunda parte, é como você estrutura com os distintos lotes de venda dos direitos que a liga tem. Ou seja, você não vai vender todas as partidas transmitidas em um mesmo canal e em um mesmo formato. Preciso adaptar a série de partidas que tenho para diferentes formatos. O objetivo foi estruturar seu produto para que possa tirar o maior rendimento possível sobre essa venda. E, além disso, é muito importante assegurar a rentabilidade de seus parceiros - explica o executivo.

Para que os jogos (que eles chamam de produtos) sejam entregues em alta qualidade aos parceiros comerciais, a La Liga investiu em uma série de melhorias e padronizações a serem cumpridas pelos times. Qualidade do gramado, iluminação, experiência do matchday, visual das arquibancadas e até o atendimento à imprensa com as entrevistas pós-jogo. Tudo isso integra o pacote de venda dos direitos de transmissão da La Liga.

Maiores receitas internacionais de direito de transmissão em 2025/26

  1. Premier League - 2,56 bilhões de euros
  2. La Liga - 835 milhões de euros
  3. Serie A - 242 milhões de euros
  4. Bundesliga - 175 milhões de euros
  5. Ligue 1 - 141 milhões de euros

*Fonte: Uefa Financial Landscape

O impacto do "duro" controle econômico de La Liga

O ponto de partida que fez a La Liga instituir o controle econômico era o curto alcance financeiro da maioria dos clubes, o que gerava endividamentos e criava desigualdade entre as equipes, como destaca Tarradas. O executivo da La Liga afirma que era comum times acertarem contratações sem ter dinheiro para pagar e criava um cenário de ampla disparidade econômica e, consequentemente, técnica. Uma pressão que partiu do governo espanhol também acelerou as ações tomadas pela liga a partir de 2013.

A principal ferramenta aplicada pelo controle econômico da La Liga se reflete no fair play financeiro do campeonato. Atualmente, a competição aplica o Limite de Custo de Plantel Esportivo (LCPD), um mecanismo que estabelece um teto de gastos com o setor esportivo a partir de suas receitas. Esse cálculo de quanto cada time pode gastar é feito como medida preventiva, que evita endividamentos das equipes. Ou seja, antes mesmo das contratações acontecerem.

Para a temporada 2025/26, foi apresentado uma nova regra. Os times precisam gastar, no mínimo, 30% de sua receita com seu elenco, o que considera as despesas com salários de atletas e staff técnico, direitos de imagem, premiações esportivas e outras amortizações. Somado à medida, a La Liga estabelece que todo valor economizado na folha salarial da temporada anterior pode ser compensado no ano seguinte. Ou seja, os clubes que economizam na temporada 2024/25 podem usar 50 a 60% desse valor 2025/26 para incrementar seus gastos esportivos.

A regra é vista sob duas perspectivas. A primeira parte de uma dura críticas das torcidas por conta da limitação dos clubes para atuar no mercado de transferências. O Barcelona é um dos times que mais sofrem para inscrever atletas na La Liga por conta dos problemas com o LCPD, o que obrigou o clube a renegociar contratos e liberar ou vender atletas. Marc Tarradas afirma que as regras são constantemente reavaliadas e que vê benefícios na limitação de gastos com contratações.

- Se revisa constantemente e buscamos que os clubes cresçam de uma forma orgânica e de uma forma estruturada. O que nos mostrou isso é que o maior investimento em contratações não assegura um maior sucesso esportivo. Além disso, notamos que nosso modelo de controle econômico-financeiro nos permite, como liga e como país, formar melhor jogadores profissionais. Os clubes da La Liga passam a investir dinheiro em categorias de base, em estádios, em crescer nas redes sociais, em ter uma estrutura profissional muito mais adaptada às novas tendências... E isso é a riqueza do controle econômico - afirma.

Estatisticamente, a La Liga tem ao seu favor argumentos para manter e adaptar o controle econômico. De 2013/14 a 2023/14, a Espanha é o país com mais títulos europeus, com 20 taças. A Premier League aparece em segundo, com nove. A Bundesliga e a Serie A aparecem com três e dois troféus, respectivamente. Além disso, de 2013 a 2021, as dívidas públicas caíram de 650 mi de euros para 23 mi de euros.

Barcelona Campeão La Liga 2024/25
Barcelona foi o campeão da La Liga na temporada 2024/25. (Foto: ReproduçãoX/@FCBarcelona)

Luta contra a pirataria

O terceiro e último grande pilar que fez a La Liga mudar seus rumos ao longo da última década foi a luta contra a pirataria. Marc Tarradas vê esse tema como o principal e de maior engajamento da liga atualmente. Representando os clubes, a entidade passou a atuar de forma ativa em parceria com organizações e autoridades judiciais para combater a disseminação de conteúdos não autorizados na Espanha e no mundo.

Essas ações funcionam como uma base de sustentação para outros pilares funcionem bem. Afinal, sem combate à pirataria, não há como a venda de direitos de transmissão e processo de internacionalização funcionarem corretamente. O executivo afirma que existiram dois ciclos, de 2013 a 2018 e de 2019 a 2024, onde a La Liga deu mais atenção aos outros pilares. Do último para cá, o combate à pirataria ganhou ainda mais destaque.

- Isso não significa que agora nós não trabalhamos o controle econômico ou que não comercializamos os direitos audiovisuais de forma coletiva, e que não queremos seguir crescendo e seguir nos internacionalizando. Queremos sim. Mas agora mesmo nosso foco está mais na pirataria - inicia Tarradas.

O executivo ainda explica que mesmo com a fama mundial de Real Madrid, Barcelona e, correndo por fora, o Atlético de Madrid, a pirataria se estende a outros clubes e é um problema geral para a La Liga. Além disso, cada país tem suas regras de combate à pirataria, o que obriga a liga a atuar de forma específica em cada território.

- No caso da América Latina, que é o caso que mais conheço, temos países que são pioneiros e onde se está fazendo um grande trabalho, como Argentina e Brasil, com modelos distintos. Na Argentina é um modelo judicial, onde através de demandas estamos tentando realizar bloqueios e lutar contra a pirataria. No Brasil é um modelo administrativo, onde Anatel, Ancine, com o apoio da ABTA, realizam bloqueios constantemente para eliminar plataformas piratas - detalha Marc.

A pirataria ainda está associada, por exemplo, ao elenco de cada clube. Tarradas lembra de casos onde o Chile concentrou ações ilegais de transmissão envolvendo times como Sevilla e Real Betis, onde jogavam atletas chilenos, ou Real Sociedad e Mallorca, com jogadores de origem japonesa.

Segundo levantamento da própria competição, as ações de pirataria envolvendo partidas da La Liga geram um prejuízo entre 600 e 700 milhões de euros por temporada aos clubes espanhóis. Uma das operações organizadas foi batizada de "Kratos", que desmobilizou mais de 2.500 canais ilegais para 22 milhões de usuários ao redor do mundo.

  • Matéria
  • Mais Notícias