Olhos da Copa: árbitro da final, Arnaldo Cezar Coelho vê erro em ‘estratégia’ da Seleção de 82

Ex-comentarista da Globo foi o primeiro juiz não-europeu a comandar uma decisão


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Primeiro árbitro sul-americano a apitar uma final de Copa do Mundo, Arnaldo Cézar Coelho foi o segundo entrevistado da série especial 'Olhos da Copa', do LANCE!. O ex-comentarista da Globo relembrou os trabalhos em mundiais e criticou a maneira de jogar da Seleção Brasileira em 1982, que foi eliminada pela Itália na segunda fase. 

Assista a entrevista em vídeo no link acima!

- O melhor jogador em 1982 foi Paolo Rossi, acabou com a Copa e fez gol em tudo que é jogo. Mas o time brasileiro era fora de série. Júnior, Zico, Sócrates, Cerezo, Luisinho, Leandro... Aquela Seleção perdeu porque jogava pelo empate, não sabia competir. O time que joga pelo empate em uma Copa do Mundo, segura o jogo, amarra. Aí acabou tomando um gol no finalzinho (contra a Itália). Foi uma lástima a derrota do Brasil, mas uma sorte pra mim que pude apitar a final - relembrou Arnaldo.

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Arnaldo Cézar Coelho apitou a primeira Copa do Mundo em 1978, com um jogo, e quatro anos depois comandou a decisão entre Itália e Alemanha, além de outra partida na fase de grupos. Após se aposentar como árbitro, o carioca se tornou comentarista da TV Globo, a partir do Mundial de 1990. Há quatro anos, na Copa da Rússia, Arnaldo deixou a emissora após a decisão entre Croácia e França.

Arnaldo também revelou ter recebido propostas para cobrir a Copa do Qatar, mas recusou o convite.

- Recebi convite para ser uma espécie de assessor da TV Al Jazeera, do Qatar. Eles vieram para o Brasil me entrevistar, mas eu não estava afim. Eu saí porque eu quero viver um pouco, desfrutar. Eu já tenho 79 anos, comecei a apitar futebol de praia com 16. São mais de 50 anos sem curtir final de semana, aniversário de mulher, de filho, avó, avô, pai, mãe. Sempre pendurado em avião. Toda semana eu viajava duas, três vezes. Aí decidi parar e meu filho falou: 'demorou' - explicou.

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Na última quarta-feira, foi ao ar o primeiro episódio da série 'Olhos da Copa', com o jornalista Tino Marcos, que cobriu oito mundiais. Até sábado, o LANCE! também irá divulgar materiais especiais com o ex-zagueiro e campeão da Copa do Mundo de 1994 Ricardo Rocha, e o ex-repórter da Globo, Márcio Canuto.

Arnaldo Cezar Coelho
Arnaldo Cezar Coelho apitou a final da Copa de 1982 (Bruno Vaz/LANCE!)

Veja outros trechos da entrevista com Arnaldo Cezar Coelho:

Sensação de saber que iria apitar uma Copa do Mundo
Eu já tinha ido a Copa do Mundo de 1974, na Alemanha, como auxiliar de cinegrafista do canal 100. Em 1976, na Olimpíada de Montreal, a comissão de arbitragem da Fifa me conheceu e dois anos depois fui credenciado para a Copa, na Argentina. Eu cheguei lá ainda meio bobo. No primeiro dia, fomos convocados para um almoço e levei minha primeira bronca, porque não estava com o agasalho da Fifa. Ali eu aprendi que Copa do Mundo era coisa séria, é o ponto máximo da carreira. Eram 45 árbitros e eu apitei apenas um jogo. E eu fui o árbitro reserva da final daquela Copa. Foi uma grande escola aquele Mundial

Sensação de saber que iria apitar a final em 1982
Em 1981, apitei a final do Mundial Sub-20, entre Alemanha e Qatar, e alguns membros da Fifa estavam assistindo o jogo. Aí eu fui o brasileiro escolhido para a Copa de 82. O Brasil foi eliminado pela Itália e pediram para eu ficar porque poderia ter que apitar mais um jogo, mas não imaginava que seria a final. Passou tudo pela minha cabeça. Eu sonhava em apitar no Maracanã, cheguei no Maracanã; sonhei em apitar Libertadores, apitei; Olimpíada, Fifa, Copa do Mundo... tudo estava acontecendo. Estava vivendo um sonho, foi muito emocionante

Ficou nervoso para apitar a decisão em 1982?
Bateu ansiedade, eu sou um cara muito ansioso. E às vezes isso prejudica. Mas eu me preparei nos três dias antes da final pra controlar essa ansiedade. A gente foi em um carrão para a final e paramos fora do estádio. Atendi a imprensa e depois fui examinar um gramado, onde recebi uma carta emocionante de todos os jornalistas brasileiros me elogiando e pedindo para que eu fizesse uma boa partida. Tenho essa carta até hoje, assim como a bola do jogo. Foi o ponto máximo da minha carreira

'Treta' com Abraham Klein, bandeirinha da final
Abraham é um árbitro israelense que é meu amigo até hoje. Ele apitou a eliminação do Brasil para a Itália e estava cotado para comandar a decisão. No final, ele ficou como meu bandeirinha. Se a partida terminasse empatada, poderia ter um novo jogo, na terça-feira, aí ele virou pra mim e falou: 'Se tiver outro jogo, eu vou apitar. Você vai virar o bandeirinha'. O jogo já estava 3 a 1, e toda bola que saia pela lateral ele ia correndo pra pegar pra reposição. Tem até um vídeo que ele chuta para o goleiro alemão para agilizar a reposição. Ele queria é que o jogo acabasse empatado

Algum jogador que deu trabalho na final da Copa de 1982?
Era um jogador do Real Madrid, Stielike, zagueiro espanhol. Por falar espanhol, ele achava que entendia o que ele falava. E eu realmente entendia, só fingia que não entendia. Depois que eu dei o pênalti para a Itália, no início do jogo, ele passou a falar no meu ouvido o jogo todo. Aí quando ele viu que o jogo estava perdido, ele provocou mais, ficava forçando cartão, expulsão, pra sair como vítima. Ganhar uma Copa é difícil, saber perder é mais difícil ainda. Como castigo, deixei ele até o final no jogo. Depois do apito final ele ficou fazendo careta pra mim, mas eu ignorei ele. Em 2007, fui apitar um jogo comemorativo na Alemanha e ele estava lá e veio me cumprimentar educadamente. Apitar Copa do Mundo não é difícil, difícil é apitar Campeonato Brasileiro, jogo de Série B, onde há impunidade, não tem respeito. Copa todos respeitam tudo

Estruturas das Copa do Mundo e arbitragem em Mundiais
A estrutura para os árbitros era dentro da realidade daquela época. Tínhamos hotéis separados, treinos separados. Ficávamos nas sedes, como na Argentina em 78, que a sede era em Buenos Aires. A gente ia para as cidades dos jogos, apitava e voltava para a sede. Em 82, em Madri, a mesma coisa. Mas é bem diferente de hoje em dia. Antes a gente chegava cinco dias antes de começar a Copa, fazíamos avaliação física, treinávamos demais e alguns árbitros passavam mal, tinham distensão. E hoje não, o árbitro da Copa já foi várias vezes ao Qatar, fez treinamentos. Em 1978 eu não ganhei nada, e em 82 ganhei mil dólares de patrocínio de uma marca de camisa. O árbitro não era um profissional. Hoje um árbitro ganha de 180 a 200 mil dólares para apitar na Copa do Mundo. E se apitar a final, ganha muito mais. Hoje está mais fácil para apitar. Antes, eu marcava um pênalti, era pênalti. Hoje o árbitro marca, e não sabe se o VAR vai corrigir ou confirmar. Ele tem um secretário que fica na televisão vendo o jogo. O árbitro de hoje não tem tanta personalidade como o árbitro de antigamente, não exercem autoridade. Não exerce essa autoridade porque tem um cara acima dele, que não deveria estar acima dele. Na Copa, o VAR vai atrapalhar se resolver interpretar lance dentro da grande área, como ocorreu na Copa da Rússia. Em 2018, teve um lance em que um jogador da Costa Rica empurrou o Neymar, e o juiz deu pênalti, porque foi, claro. O VAR achou que o Neymar caiu de forma exagerada e o árbitro foi e anulou o pênalti. Se não corrigirem, o VAR vai ser um grande personagem dessa Copa do Qatar

Comentarista de Copas do Mundo pela Globo
Eu recebi convite da Globo para dar uma espécie de assessoria de arbitragem aos telespectadores, explicar a regra. Porque todo mundo gosta de futebol, mas ninguém sabe a regra. Eu comecei a apitar futebol de praia, em Copacabana, e nunca soube que tinha um livro de guerra. Eu apitava por ver ver o pessoal apitar (...) Quando eu comecei na Globo, eu procurei ser o mais didático possível, como professor de educação física que sou. E assim foi em 1990, 1994... E foi tão legal essa experiência, que as outras emissoras contrataram novos comentaristas, e hoje é uma profissão

Momento mais marcante da carreira
Como comentarista, vivi dois títulos. Em 2002 eu tive uma participação, porque um dia antes de começar a Copa, o Felipão me chamou para dar uma palestra aos jogadores. Foi muito emocionante ver aquele time ser campeão e saber que eu ajudei. Em 94 foi muito emocionante por toda a tensão dos pênaltis, o clima. Mas a Copa que marcou a minha vida foi a de 1982, em Madri. Era o fechamento de uma carreira e de um sonho. (...) Ali era a coroação de uma carreira com muito sofrimento, muita luta. Foi um marco, e quando eu voltei para o Brasil, a responsabilidade aumentou, porque eu era um juiz de final da Copa do Mundo. Me orgulha muito ser o primeiro árbitro sul-americano a apitar uma final de Copa do Mundo

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