Coluna do Bichara: ‘Distraidamente, habemus o campeão’

Luiz Gustavo Bichara analise o bicampeonato do holandês Max Verstappen e o GP do Japão da Fórmula 1

Max Verstappen
Holandês levanta o troféu da vitória em Suzuka, no GP do Japão (TOSHIFUMI KITAMURA / AFP)

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Paulo Leminski escreveu “distraídos, venceremos”. Foi o que aconteceu esse fim de semana no Japão. Após uma corrida xoxa e curta, Max Verstapen, distraidamente, foi avisado que era bicampeão mundial.

Suzuka é um dos templos sagrados da F1, imortalizado por seu desafiador traçado que lembra um “oito”, sendo a única pista onde os carros correm em dois sentidos: horário e anti-horário. A lendária curva 130R (que tem esse nome justamente por causa de seu ângulo) é tida como uma das mais desafiadoras do campeonato (páreo apenas para a Eau Rouge em Spa e a Parabólica de Monza).

A pista também se notabilizou por ter sido palco de 11 decisões de títulos, incluindo os três de Ayrton Senna e os episódios dramáticos de 89/90. Em 89, Alain Prost tirou descaradamente o brasileiro da pista para ficar com o título. No ano seguinte, Senna foi à forra e jogou o francês deliberadamente para a brita, de maneira tão corajosa quanto violenta, cena que hoje causaria arrepio aos lacradores e defensores da F1 Nutella.

A F1 chegou à casa da Honda em meio a muito barulho fora da pista, por força de uma suposta violação, por parte da Red Bull, do teto orçamentário. O cost cap é uma regra vigente desde 2020, que limita os orçamentos em US$ 145 milhões com o objetivo de reduzir a discrepância entre a capacidade de investimentos dos grandes times e das equipes menores, tudo em prol da maior competitividade. A RBR teria alegadamente infringido esse limite, expondo-se a punições severas. O time austríaco alegou que apenas interpretou melhor o regulamento (malandro quando vê que vai cair, já deita).

Curiosamente, Toto Wolf, Mathia Binotto e Zack Brown não estavam no Japão (coisa que a transmissão televisiva não percebeu). O boato é que eles estavam tratando do tema e pressionando a FIA. A F1 está parecendo o Brasil: tem um teto orçamentário, mas pelo visto cheio de goteiras.

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Ainda fora da pista, há novidades no mercado de pilotos: Pierre Gasly confirmado na Alpine, e em seu lugar, na Alpha Tauri, foi anunciado Nick De Vries. Restam ainda vagas na Williams e Haas. Para a primeira é possível que vá Logan Sargeant, estrela da F2, enquanto a vaga da segunda deve ficar com um piloto já experiente. De toda forma, ano que vem teremos sangue novo no grid, e os cansados Sebastian Vettel e Daniel Ricciardo indo morar no retiro dos artistas.

Num final de semana de muita chuva nos treinos livres, sábado a pista secou para a classificação, que transcorreu sem surpresas, com nova pole do incumbente Max Verstappen, seguido muito de perto (0,01 segundo, ou seja, nada...) por Charles Leclerc, Carlos Sainz e Sergio Perez. Ressalte-se que Verstappen fez uma manobra muito perigosa e quase colidiu com Lando Norris. Mereceu uma punição que não veio. Os comissários passaram pano, mas foi feio.

E esse 0,01 segundo fez diferença. No domingo, sob chuva intensa, a largada foi adiada. Quando ela aconteceu, Leclerc até ensaiou ir para cima, mas Verstappen acabou prevalecendo. Na sequência da primeira volta, Carlos Sainz rodou sozinho e bateu (acertando uma placa de propaganda da Rolex que veio parar no bico do carro de Gasly), Vettel também bateu, Alex Albon parou seu carro no meio da pista, enfim, uma balburdia enorme que logo disparou o safety car, bandeira vermelha e a interrupção da corrida.

No meio dessa confusão, Gasly cruzou com um caminhão e uma grua na pista. Uma coisa perigosíssima, sobretudo em função da baixa visibilidade, e que evoca a triste memória do acidente fatal sofrido por Julles Bianchi nessa mesma pista de Suzuka, em 2014, colidindo com um trator. Uma enorme irresponsabilidade da organização da prova.

A corrida ficou interrompida por mais de duas horas. A conclusão é que hoje em dia não se corre mais sob chuva. A explicação reside no atual projeto dos carros que, com a volta do efeito solo, aquaplanam demais. Então as corridas sob chuva, que eram tão comuns nas últimas décadas, agora não existem mais. Isso é muito desagradável e vai em desdouro do espetáculo. Mario Izola, o engenheiro chefe da Pirelli, fornecedora única de pneus para a F1, desabafou numa entrevista, dizendo que os pneus full wet não são sequer testados pelas equipes, ou seja, parece haver realmente um triste consenso em se evitar correr na chuva.

Quando faltava pouco mais de 30 min para o fim da prova, outra chatice: os GP’s de F1 hoje são limitados a três horas, isso com os carros correndo ou não - ela foi reiniciada, aproveitando um alívio da chuva. Mas com a má drenagem de Suzuka, a pista seguiu ensopada, e tivemos uma “corrida” modorrenta, com pouquíssima ação.

Verstappen rapidamente abriu grande vantagem sobre Leclerc, que por sua vez era seguido de perto por Perez. Nas voltas finais, o mexicano intensificou o combate e acabou entrando na cabeça de Leclerc, que errou a última chicane, passando reto e pegando um atalho. Mas se atalho fosse bom não existia caminho. Finda a prova, recebeu uma penalidade de cinco segundos.

Esteban Ocon segurou a pressão de Lewis Hamilton durante toda a prova, chegando em 4º, seguido de perto pelo inglês. Vettel também fez uma boa corrida, chegando em 6º.

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Não há dúvida que Verstappen mereceu o título. Esse ano ele sobrou. Praticamente não errou, mostrando um nível técnico impecável. Tudo indica que estamos diante de uma nova fase de domínio de um piloto. Mas deixemos esse assunto para depois, pois esse ano ainda temos quatro corridas e uma disputa viva pelo vice-campeonato. Apenas um ponto separa Perez de Leclerc (embora esse conviva com um inventário de insucessos este ano que equivale a uma versão desportiva de João e o Pé de Feijão).

Mas o curioso mesmo foi a entrevista pré-pódio. Naquele momento chegou a notícia da punição de Leclerc. Até aí, quase todo mundo achava que seria o caso de pontuação mitigada (parcial) por força das regras existentes na F1 para o caso de corridas suspensas. Faltou checar o manual. A FIA interpretou que a corrida não havia sido suspensa, mas apenas interrompida e encerrada pelo critério de tempo. Com isso a pontuação foi cheia, e Verstappen sagrou-se campeão. A cena foi inusitada: nem o holandês havia entendido que era campeão, muito menos a transmissão televisiva. Bem diferente da eletrizante decisão do campeonato mundial do ano passado, na última volta do último GP. Ao menos, coube aqui o verso do Leminski.


PS. Nesta segunda saiu a decisão da FIA sobre a questão do teto orçamentário, confirmando que Red Bull e Aston Martin o violaram – em menos de 5%. Curiosamente a FIA ainda não divulgou as penalidades aplicáveis. Um caso raro de condenação sem informações sobre a pena.

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