Justiça do Rio anula a eleição do Vasco e marca nova para dezembro
Decisão liminar saiu na tarde desta sexta-feira via juíza tabelar Gloria Heloiza Lima da Silva, da 29ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Confira a íntegra do despacho
A eleição do Vasco está anulada. Em decisão de tutela em 16 páginas, proferida na tarde desta sexta-feira pela juíza tabelar Gloria Heloiza Lima da Silva, da 28ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro de Janeiro, o pleito realizado entre novembro de 2017 e janeiro deste ano perdeu o valor. Novas datas já foram marcadas pela magistrada - em dezembro deste ano, dia 8 a primeira parte, entre os sócios, em São Januário, e dia 17, entre os conselheiros, na Lagoa. Enquanto isto, de forma interina, segundo a decisão da Justiça, Alexandre Campello segue presidente. Cabe recurso.
De acordo com a decisão, a formação das chapas deverá ser feita nos termos do estatuto do Vasco, procedimentos presididos por Faues Mussa, presidente da Assembleia Geral, sob pena de responsabilidade pessoal. A magistrada também declarou inaptos para votar e serem votados todos os subscritores da Chapa Azul - então liderada por Eurico Miranda -, "destinatária direta das fraudes praticadas, bem assim todos os “associados” envolvidos com as fraudes" apontadas pelo inquérito da Delegacia de Defraudações, finalizado semana passada e juntado na ação.
Foi determinado também pela juíza "a assinatura e rubrica em conjunto do caderno de votação que deverá conter de forma legível, em letra de forma, os nomes dos sócios e números de matrículas, antes de iniciada a Assembleia Geral, do Presidente e do Conselho Deliberativo e dos representantes previamente designados pelas chapas concorrentes que deverão ser formatadas de acordo e no prazo previsto no Estatuto. Os sócios indicados no caderno deverão subscrevê-lo para o recebimento da cédula de votação".
A juíza continuou determinando que "ao final da Assembleia Geral, o Presidente do Conselho Deliberativo e os representantes previamente designados pelas chapas concorrentes subscrevam o caderno de votação, promovendo em conjunto a contagem dos votos que deverão corresponder ao número de assinaturas constantes do mesmo". Como argumentos antes da decisão, a magistrada ressaltou compreender "o delicado momento vivenciado pelos vascaínos, notoriamente e nacionalmente estampado pelos campeonatos em curso e seus resultados (...), além dos impactos sociais, financeiros e políticos desta decisão, com o fito de preservar a estabilidade emocional dos associados, dos atletas, dos torcedores e dos terceiros de boa-fé".
URGENTE! Eleição do Vasco está anulada em pedido de tutela pela juíza tabelar Gloria Heloiza Lima da Silva, da 28a Vara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro #lanceVAS pic.twitter.com/aLSpw4sfx4
— David Nascimento (@daviddcn) 28 de setembro de 2018
A ação foi impetrada por Alan Belaciano, advogado ligado ao grupo "Sempre Vasco", liderado por Julio Brant. No primeiro momento, a decisão seria proferida pelo juiz titular da 28ª Vara, Daniel Vianna Vargas, que declarou impedimento para julgar o caso, encaminhado para o juiz tabelar da vara seguinte. Na última quarta-feira, o Vasco entrou na ação com uma petição rebatendo argumentos e pedindo tempo antes que uma decisão fosse dada, alegando não ter sido citado, fato que indeferido no despacho desta sexta, quando a magistrada afirmou que o clube foi citado "através do próprio sistema informatizado desta Corte de Justiça".
A juíza Gloria Heloiza separou um item na decisão "3.1.2" para falar sobre "claras violações estatutárias" ocorridas na última eleição do Vasco. A magistrada afirmou que o processo eleitoral recente do clube está "maculado por inúmeras fraudes - fatos públicos e notórios, já apreciados e reconhecidos por este Tribunal de Justiça, bem assim por inquérito policial findo". A magistrada citou o artigo 73 do estatuto do clube que diz sobre anulação da eleição, fundamentando a sua decisão - "são anuláveis as eleições procedidas com infração do disposto no artigo 60, devendo o requerimento ser subscrito por 20 sócios votantes pelo menos, com as assinaturas reconhecidas por tabelião e dirigido ao Conselho Nacional de Desportos, devendo os requerentes enviar ao presidente da Assembleia Geral cópia autenticada do recurso".
O artigo seguinte da decisão aprofunda, "3.1.3. A fraude eleitoral". A juíza disse que "a farta prova documental produzida com a petição inicial, corroborada pelas decisões judiciais já preclusas, somadas aos depoimentos prestados em sede policial dos nacionais Vera Lúcia dos Santos, Gloria Regina Ramos Brochado, Severino Nunes da Silva, entre outros diversos, vale dizer, daqueles que voluntária e conscientemente participaram da indevida captação de votos e da utilização de mecanismos nada convencionais, com o propósito deliberado de favorecer determinada chapa (Chapa Azul) e candidato (Eurico Miranda) em detrimento das demais concorrentes do processo eletivo que se impugna, contribuiu decisivamente para a convicção quanto à flagrante violação das normas estatutárias e finalidade social que o demandado se dispõe a cumprir".
A magistrada seguiu dizendo que "dois importantes pressupostos estatutários foram objeto de fraude, visando à obtenção de vantagem indevida no processo eleitoral: (1) o do prazo mínimo de associação e; (2) o estado de regular quitação com as contraprestações pecuniárias associativas". Ela citou a perícia contábil feita no início do ano em determinação da juíza Maria Cecília Pinto Gonçalves, da 52ª Vara Cível do Rio, que anulou a urna 7. A decisão seguiu com a juíza citando os depoimentos de Gloria Regina Ramos Brochado, ex-funcionária do clube, que confessou em sede policial, que foi “associada” ao clube no ano de 2017. No entanto, a data de sua admissão retroagiu ao ano de 2010. Situação idêntica, segundo a decisão, de Severino Nunes da Silva, que reconheceu a participação em fraudes em 2014 e 2017 - "além de ter ganho o seu título (pois nada pagou pelo mesmo) em fevereiro de 2017, afirma que “na nova carteira consta a data de admissão em 20 de abril de 2017", retroação fraudulenta para ajustar-se aos requisitos estatutários do artigo 60", aponta o documento desta sexta.
Seguiu a decisão, afirmando que as fraudes não ocorreram somente na urna 7 - "o vício repugnante que flagelou a eleição foi viralizado atingindo outras urnas, enfraquecendo o sufrágio e todo o processo eleitoral. Certamente que o antídoto para tal veneno não reside na costura de soluções intermediárias e subsidiárias. Isso porque o depósito dos votos dos sócios impontuais ou admitidos em situação de afronta ao estatuto contraria não apenas regras claras e explícitas, senão, também, fere de morte os valores éticos, os costumes e os princípios democráticos nele consignados, maculando a gloriosa história do Gigante da Colina".
A juíza concluiu dizendo que "por tudo o que foi exposto, consideradas as gravíssimas denúncias relatadas na petição inicial, que se encontram devidamente comprovadas na farta documentação que instrui a petição inicial, nas decisões deste Poder Judiciário fluminense que reconheceram e afirmaram a ocorrência de fraudes no processo eleitoral do Vasco, tudo isso corroborado pelas conclusões do IP 911-00295/2017 e nas incontáveis matérias jornalísticas com os próprios envolvidos nessas fraudes, existindo fortes e reais evidências de que as demais urnas que compuseram o processo eleitoral contabilizaram votos viciados de sócios que não poderiam ostentar essa qualidade ou depositar seu sufrágio, quer seja pela impontualidade de pagamentos com suas mensalidades, quer seja, pela ostentação indevida dessa qualidade jurídica, diante da impropriedade material do documento de filiação com a inserção de declarações falsas (como a própria data de admissão), o que por sua vez, foi objeto de perícia conforme Laudo de Informática do ICCE, a anulação das eleições, com todos os transtornos que possa ocasionar, é medida salutar, saneadora e imperativa, nos termos do ECRVG, a fim de restaurar a ordem social e jurídica dos litigantes, servindo de exemplo para toda a sociedade".
O LANCE! procurou Alexandre Campello, Eurico Miranda, Julio Brant e Fernando Horta, líderes dos grupos que lançaram candidaturas à presidência em um dos dois momentos do último pleito, para posicionamento oficial com a decisão, mas não foram encontrados até a publicação desta reportagem. O grupo "Sempre Vasco", do autor da ação na Justiça, ainda não se pronunciou. Faues Mussa, presidente interino da Assembleia Geral, também foi procurado para saber o que fará após a determinação da Justiça de organizar a nova eleição, mas ele também não foi encontrado.