Gavião Kyikatejê e a missão do primeiro time profissional de origem indígena do Brasil

Gaivão fez jogo duro com o Paysandu na Curuzu (Foto: Marcelo Seabra/O Liberal)
Gaivão fez jogo duro com o Paysandu na Curuzu (Foto: Marcelo Seabra/O Liberal)

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Gavião Kyikatejê Futebol Clube, de Bom Jesus do Tocantins, 480 Km de Belém, capital do Pará. Você já ouviu o nome desse time? Não? Pois saiba que ele fez história no último domingo: estreou na elite do futebol paraense. O resultado – derrota de 2 a 1 para o tradicional Paysandu, em Belém – ficou em segundo plano. O Gavião chama a atenção por ser o primeiro clube profissional de origem indígena do Brasil.

Essa história só foi possível pela persistência de Zeca Gavião, cacique da aldeia Kyikatejê, cujo nome significa, na língua Timbira Oriental, da família Jê, "povo do rio acima". O time, antes conhecido como Castanheira EC, deixou o amadorismo em 2009, adotou o nome atual e Zeca, fundador do Kyikatejê, foi o primeiro técnico. Hoje é o presidente. Em 2013, o Gavião foi vice da Segundona e vice da Divisão de Acesso de 2014 (NR: primeira fase do Paraense e que classificou os dois primeiros à elite).

No domingo, antes de a bola rolar contra o Papão, os índios da tribo fizeram cerimônia com danças e cantaram o Hino Nacional na língua Jê. Em campo, o destaque foi o atacante Paulo Aritana Sempre, o Aru, de 27 anos, um dos três índios do elenco. Aru teve de tirar o cocar que usou ao entrar em campo. Mas atuou com o corpo pintado e foi o responsável pelo gol do Gavião.

O Paysandu só marcou o gol da vitória, através de Zé Antônio, aos 45 do segundo tempo. No fim, o Gavião foi aplaudido por cerca de 100 torcedores, muitos deles pintados, que retornaram felizes para casa, junto com o elenco. De ônibus, a viagem duram longas oito horas até Bom Jesus do Tocantins, que faz parte da Região Metropolitana de Marabá.

– Foi histórico. Mostramos um pouco da nossa cultura através do futebol. Nossa população sofre. Queremos, com o futebol, uma interação com o Brasil – disse o cacique Zeca Gavião, em ao LANCE!Net.

Essa é a missão do Gavião Kyikatejê, que volta a entrar em campo pelo Paraense nesta quarta-feira, quando receberá o São Francisco, no Zinho de Oliveira, em Marabá, a partir das 20h30 (horário local). E o futebol é o canal condutor para o sonho dessa tribo que tem um time com uma missão que vai além do futebol: mostrar um "outro lado" dos índios.

BATE-BOLA
Cacique Zeca Gavião
Presidente do Gavião Kyikatejê

Como você teve a ideia de profissionalizar o então Castanheira EC e concretizar o nascimento do Gavião Kyikatejê?
O time contava com índios de diversas tribos e disputava campeonatos amadores. Vi que muitos tinham potencial e arrisquei criar um time profissional. Todos teriam uma chance de jogar assim.

O que explica o fato de o Gavião, que possui 26 jogadores, não ser mais 100% formado por índios?
No começo focamos mais nos índios, mas não conseguíamos chegar na elite. Batemos na trave algumas vezes. Decidi trazer alguns reforços, que são os brancos, e trabalhar a base. Espero que muitos índios voltem ao time em breve.

Os deslocamentos prometem ser uma dificuldade a mais, certo?
Seria bom ter o apoio de uma empresa grande para fazer o trajeto Marabá-Belém de avião. Foram oito horas de ônibus depois do jogo com o Paysandu. Faz parte.

Satisfeito com o resultado desse projeto até o momento?
Estamos chamando a atenção de todos. O esporte é importante. Queremos mostrar a nossa cultura. Não queremos esconder nada.

O HISTÓRICO DO GAVIÃO KYIKATEJÊ FUTEBOL CLUBE

Era Castanheira
Em 1981 foi fundado o Castanheira Esporte Clube, que disputou competições da Liga Amadora de Marabá.

2007
Os Kyikatejê-gavião compraram o Castanheira e passaram a jogar Liga de Marabá. Apenas índios defendiam o time, que foi campeão do torneio em 2008.

2009
Se profissionalizou e mudou o nome para Gavião Kyikatejê Futebol Clube. Passou a contar com não-indígenas na equipe. O treinador Zeca Gavião se tornou o primeiro índio a dirigir um time profissional no Brasil. Mais tarde ele viria a ser o presidente.

2013
Após anos na Segundona, terminou a competição como vice-campeão. Adquiriu o direito de jogar a Divisão de Acesso. Saiu-se bem (garantiu o segundo lugar superando o Águia de Marabá, por exemplo, e ganhou uma vaga na elite do Campeonato Paraense.

COM A PALAVRA
Antonio Carlos Nunes
Presidente da Federação Paraense de Futebol, ao LANCE!Net.

O Cacique quis saber se gostei dos rituais

Eles se tornaram a atração do campeonato! O Gavião Kyikatejê trouxe os rituais indígenas até nós. Isto também chamou a atenção de toda a imprensa. Tinha até um canal de Paris filmando o jogo. A maneira com a qual recebemos os índios fez com que eles vissem que não temos preconceito. Em retribuição, o Cacique Zeca me ligou para saber se eu tinha gostado dos rituais deles.

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