Fla 30 anos do Mundial: do início à Libertadores

Roberto Assaf (Foto: Arquivo L!)
Roberto Assaf (Foto: Arquivo L!)

Escrito por

Uma geração de ouro que encantou o mundo. Assim podemos traduzir o time do Flamengo, campeão de todos os títulos possíveis desde o fim da década de 70 até meados dos anos 80. Mas para chegar até à conquista do Mundial Interclubes de 1981 a trajetória não foi tão fácil assim. A conquista da Copa Libertadores foi sofrida e, antes disso, a base do grupo vencedor esteve ameaçada.

Como tudo começou

Em 1978, o Flamengo foi para a decisão do Campeonato Carioca, diante do Vasco, com total responsabilidade do triunfo. Pesavam os últimos insucessos do clube na competição, quando não passou de mero coadjuvante em 75 e 76. Além disso, no ano anterior, em 1977, perdera o título para o Cruz-maltino, nos pênaltis.

O gol de Rondinelli, aos 41 minutos do segundo tempo na decisão de 1978 não só garantiu o título do segundo turno e do Carioca de forma antecipada, sem necessidade de final, como manteve na Gávea uma geração que poderia ter se perdido não fosse aquela cabeçada fulminante.


.

Na temporada seguinte, duas competições foram realizadas pela federação de futebol do Rio de Janeiro. Em ambas, o Rubro-Negro sobrou e levou a melhor, conseguindo a façanha de ser tricampeão carioca em dois anos. Com a Cidade Maravilhosa pintada de vermelho e preto, Zico e companhia continuaram sua saga e conquistaram o Brasil, em 1980, pela primeira vez na História.

- Depois daquilo, sabíamos que tínhamos condições de títulos ainda maiores. Fomos em busca disso - disse Zico ao LANCENET!.

Foi o ponto inicial para a brilhante saga rubro-negra rumo a América do Sul.

A caminhada pela Libertadores

A estreia na Copa Libertadores de 1981 foi em julho. Na fase de grupos, o Fla teve que enfrentar mais uma vez pelo Atlético-MG, com quem já havia decidido o Brasileiro, no ano anterior. Além do Galo, dois rivais paraguaios, o Cerro Porteño e o Olímpia. As duas equipes brasileiras terminaram com oito pontos, mas somente uma poderia obter a classificação. Em jogo desempate polêmico em Goiânia, o Atlético-MG teve cinco jogadores expulsos, e o Rubro-Negro foi declarado vencedor por 1 a 0.

E MAIS:
> Baixe o wallpaper com o pôster do time de 81 em charge de Mário Alberto

A segunda fase da competição reuniu os primeiros lugares dos cinco grupos, além do Nacional (URU), campeão da edição anterior. A chave do Flamengo tinha o Deportivo Cali, da Colômbia (que havia eliminado os argentinos River Plate e Rosario Central) e o Jorge Wilstermann, da Bolívia. Em quatro jogos, quatro vitórias tranquilas, e o direito de jogar a final em sua primeira Libertadores.

Decisão inesquecível

O adversário da grande decisão foi o Cobreloa, do Chile. Os dois times possuíam as melhores campanhas da competição e estavam invictos. Os chilenos haviam eliminado os gigantes uruguaios Nacional e Peñarol. A primeira partida das finais aconteceu em um Maracanã lotado. Zico marcou dois gols para o Fla na primeira etapa e Merello diminui no segundo tempo.

Batalha no Chile

Em Santiago, no estádio Nacional, foi disputada a segunda partida da final. Ao Fla, um simples empate bastava para o título. Oito anos antes, o local do jogo serviu de campo de concentração no golpe de Estado no Chile. E podemos dizer que o que aconteceu naquele dia de novembro de 1981 foi uma verdadeira guerra, sobretudo por conta da equipe rival.

O zagueiro Mário Soto foi o protagonista da violência desvairada realizada pelos jogadores chilenos, ao distribuir pontapés e cotoveladas durante toda a jornada. Adílio e Lico foram os que mais sofreram com a covardia adversária. O ponta-esquerda teve o supercílio aberto, que lhe deixaria fora do terceiro e último duelo, já que Marellos marcaria a seis minutos do fim para o Cobreloa, impedindo o título rubro-negro, pelo menos naquele dia.

- A derrota foi até boa. Se tivéssemos sido campeões iria acontecer uma tragédia. Fomos intimidados do início ao fim em Santiago. Não iriam deixar a gente sair vivo dali. Ficamos preocupados. Eles batiam muito - revelou o ex-lateral-direito rubro-negro Leandro, em entrevista ao LNET!.

Vitória na bola

Com uma vitória para cada lado, Flamengo e Cobreloa disputaram no dia 23 de novembro a terceira partida decisão. Sem Lico, Carpegiani ousou taticamente: optou pelo lateral-direito Nei Dias, deslocando Leandro para o meio de campo e Adílio para a ponta-esquerda. Em campo neutro, no Estádio Centenário, no Uruguai, sem a forte pressão de sua torcida, a equipe chilena sucumbiu ao talento dos brasileiros. Com o craque Zico inspirado, o Rubro-Negro saiu na frente logo no início do jogo.

Sem abrir mão de sua virilidade, o Cobreloa esboçou uma reação na segunda etapa, mas sem êxito. Seu estilo violento irritava a comissão técnica do Fla. Na reta final do duelo, em cobrança de falta perfeita, o Galinho enterrou qualquer chance do rival, e mostrou que futebol se joga com a bola, e não desferindo pontapés.


Vitória na briga

Com o resultado na mão, Paulo César Carpegiani tomou uma decisão polêmica no banco. Após assistir os chilenos agindo covardemente ao bater em seus jogadores, ele colocou o reserva Anselmo com a missão de revidar o mais violento deles, o zagueiro Mário Soto.

- Ele bateu muito em todos os jogos das finais. Tirou o Lico do terceiro confronto. Soto usava uma pedra na mão para agredir meus jogadores. No finzinho, faltavam cinco minutos e ele pegou o Tita. Chamei o Anselmo e disse para arrepiar o Soto. O problema é que ele não disfarçou e esperou o melhor momento. Pelo contrário, o Anselmo foi lá e deu um soco no meio da cara - contou Carpegiani ao LNET!.

Na bola e no braço, Flamengo campeão da América.

A campanha na Libertadores

* O Atlético teve cinco jogadores expulsos, e o Flamengo foi declarado vencedor por 1 a 0.

Ficha técnica da decisão
Flamengo 2x0 Cobreloa

Local: Estádio Centenário (Montevidéu)
Data: 23 de novembro de 1981 (segunda-feira).
Árbitro: Roque Cerullo (Uruguai).
Público: 30.200 pagantes.
Gols: Zico 18' 1º/T (1-0), 39' 2º/T (2-0)

Flamengo: Raul; Nei Dias, Marinho, Mozer e Júnior; Leandro, Andrade e Zico, Tita, Nunes (Anselmo) e Adílio. Técnico: Paulo César Carpegiani.
Cobreloa: Wirth; Tabilo, Páez (Múñoz), Soto e Escobar; Jiménez, Merello e Alarcón; Puebla, Siviero, W. Olivera. Técnico: Vicente Cantatore.


Com a palavra, Roberto Assaf (Colunista do LANCE!)

O caminho até Tóquio foi árduo para o Flamengo. Para chegar ao Japão o time viu-se obrigado a travar autêntica batalha com o Cobreloa. Fundado em 1977 por mineiros de Chuquicamata, região no extremo norte do Chile, próxima ao deserto de Calama, o clube de uniforme laranja habilitou-se a disputar a Taça Libertadores de 1981 ao conquistar o campeonato de seu país no ano anterior.

Na noite de sexta-feira, 13 de novembro, o Flamengo venceu o adversário por 2 a 1, com público de 93.985 torcedores no Maracanã, dando o primeiro passo para levantar o título. Dada a diferença de qualidade entre os dois times, logo fez-se a previsão de que não seria absurdo obter um empate em Santiago, resultado que daria o título ao rubro-negro. Mas o Flamengo ainda teria que superar terrível provação.

Graças ao apoio sensato da Confederação Sul-Americana (CSF), os dirigentes rubro-negros conseguiram tirar o segundo jogo do Estádio Municipal de Calama, localizado a 2.800 metros de altitude, em plena Cordilheira dos Andes, e levá-lo para Santiago. O Chile vivia sob a austera ditadura do general Augusto Pinochet, que abraçou a causa, tornando a conquista do título questão de orgulho para a pátria. Na noite de sexta-feira, 20 de novembro, um público de mais de 60 mil pessoas superlotou o Estádio Nacional da capital. A truculência da polícia e a violência dos próprios jogadores do Cobreloa transformaram dependências e gramado num circo de horrores.

Na prática, já se sabia do, digamos, estilo desse time, pois o árbitro uruguaio Roque Cerullo, em conversa com Zico no intervalo do jogo contra o Cerro Porteño, no Maracanã, disse que apitara em Calama, e que ficara vivamente impressionado com a pancadaria dos chilenos. O Flamengo suportou o 0 a 0 até os 35 minutos do segundo tempo, quando Leandro marcou contra, ao desviar um escanteio batido por Merello. O zagueiro Mario Soto, com uma pedra na mão, distribuiu bordoadas à vontade, e rojões foram lançados desde a arquibancada, contra os torcedores e os craques rubro-negros. Com uma vitória para cada lado, houve a necessidade de uma partida extra, marcada pela CSF para a noite de segunda-feira, 23 de novembro, para o campo neutro do Estádio Centenário, em Montevidéu.

Livre das boçalidades, e disposto a dar uma resposta aos chilenos, o Flamengo foi logo impondo o seu toque de bola. Abriu o placar quando Zico aproveitou uma sobra de bola na área, e ampliou cobrando falta que deixou o goleiro Wirth estático. Com tal vantagem, o Rubro-Negro pôs o Cobreloa na roda, aguardando o apito final. Mas o fato é que restava o troco derradeiro. Logo, Carpeggiani fez o atacante Anselmo entrar em campo para 'surpreender' o truculento Mario Soto. Num momento de distração do zagueiro, Anselmo desferiu-lhe tremendo murro no rosto, completando a vingança, lavando a alma rubro-negra.

Vale aqui esclarecer: ao contrário do que se diz, os clubes argentinos e uruguaios, tradicionais papões da Libertadores, disputaram, é evidente, a edição de 1981: o River Plate e o Rosario Central no Grupo 1 e o Peñarol e o Bella Vista no 5, além do Nacional, então atual campeão, que entrou nas semifinais. É bom lembrar também que com o resultado de 2 a 0 o Flamengo tornou-se o terceiro clube brasileiro a conquistar a taça: antes, só o Santos, em 1962 e 1963, e o Cruzeiro, em 1976.

News do Lance!

Receba boletins diários no seu e-mail para ficar por dentro do que rola no mundo dos esportes e no seu time do coração!

backgroundNewsletter