O berço da rainha Marta, a melhor jogadora do mundo

Falcão e Ganso (Foto: Divulgação)
Falcão e Ganso (Foto: Divulgação)

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Foto: Mauro Graeff Júnior

Foi no leito de um rio seco, no interior de Alagoas, que o talento da melhor jogadora do mundo começou a ser lapidado. Em Dois Riachos, cidadezinha de dez mil habitantes no Sertão nordestino, Marta nasceu, passou fome, aprendeu a driblar sob uma ponte, enfrentou preconceito para jogar futebol e fez os primeiros fãs antes de ser internacionalmente conhecida.

O orgulho pela jogadora, contratação sonhada pelo Flamengo, está em letras garrafais na chegada ao município castigado pela estiagem. “Bem-vindo a Dois Riachos, terra da jogadora Marta” é a mensagem no pórtico de entrada. Fotos da atleta com o troféu de melhor do mundo emolduram o monumento feito pela prefeitura. A atacante dá nome também a um ginásio erguido pelo governador a pedido dela. Mas Marta é mais do que a principal estrela local. É o símbolo de que é possível brilhar num lugar onde nem as plantas sobrevivem.

– Já vi a Marta aqui na cidade. Quando vejo ela na televisão, nem acredito que saiu daqui da pobreza do Sertão – diz o estudante Jasiel dos Santos Feitosa, de 13 anos.

FOTOS: conheça a cidade onde Marta nasceu e cresceu

O garoto joga bola no mesmo local no qual a atacante debutou para o futebol, um areal no curso do rio que fica com água somente em dois meses de chuva. No resto do ano ele seca e vira um campinho.

– Ela (Marta) faltava às aulas duas ou três vezes por semana e ia jogar debaixo da ponte – lembra dona Tereza, mãe da jogadora.

Marta, hoje com 24 anos, deixou Alagoas aos 14, quando foi para o Rio jogar pelo Vasco e em seguida brilhar até conquistar cinco vezes o título de melhor do mundo. Mas a cidade natal ela não esquece. Lá moram mãe, irmãos, primos, sobrinhos, antigos e novos amigos dela. Marta vai para a cidade natal nas férias e  folgas prolongadas, organizando churrasco e rodas de samba com os mais chegados. Graças à jogadora, o município deixou de ser mais um lugarejo pobre no Sertão brasileiro. Transformou-se em Dois Riachos, a terra da Marta.

Cidade no sertão está a 240 quilômetros de Maceió

Fundada em 1960, a cidade está localizada no Sertão nordestino, a 240 quilômetros de Maceió, a capital de Alagoas. Tem uma população de 10.879 habitantes, de acordo com o IBGE.  O município é pobre, vive da pequena agricultura, do comércio local e de recursos de programas sociais, como o Bolsa-Família. Quando o LANCE! esteve na cidade, no último dia 2, havia três grandes eventos que mobilizaram a maioria dos moradores: uma procissão, um leilão de cabras na praça central e um velório.


Foto: Mauro Graeff Júnior

Chegaram a pensar que jogadora era um menino

Marta se destacava tanto entre os garotos de Dois Riachos que chegaram a levantar suspeitas sobre a sexualidade dela. O caso mais grave aconteceu na cidade vizinha, Jacaré dos Homens, também no Sertão de Alagoas, quando ela tinha 12 anos. Incomodado com o talento incomum da adolescente, o técnico de um time rival queria tirar a roupa dela para ver se não era menino.

– Foi uma confusão. Precisei engrossar com os caras para não fazerem aquele absurdo – recorda José Júlio de Freitas, de 68 anos, o Tota.

Técnico há 27 anos, Tota foi o primeiro a acreditar no talento da menina franzina que chegara aos dez anos para treinar futsal na escola São Sebastião. Como não havia futebol feminino, ela jogava entre os garotos. No primeiro torneio, virou chacota antes de iniciar a partida, mas foi só dar dribles desconcertantes e marcar gols para calar a boca dos adversários.

– Depois de a verem jogando, queriam impedir a inscrição dela nos torneios – disse o técnico.

Marta jogou entre os meninos até os 14 anos, quando foi para o Rio. Enfrentou preconceito inclusive entre familiares. Os dois irmãos mais velhos dela no começo eram contra a paixão dela pelo futebol.

– No início era muito estranho ver a Marta jogando entre os meninos. Ela era melhor entre todos. Na hora da escolha dos times, os moleques queriam sempre jogar ao lado dela – conta Reginaldo Ferreira da Silva, de 32 anos, um dos primos que presenciaram os primeiros passos da jogadora sob a ponte. 

Vaquinha na cidade para pagar passagem

Marta nasceu em uma família pobre de Dois Riachos. O pai deixou a família quando ela tinha um ano. Quem sustentava a casa e os quatro filhos era dona Tereza, que trabalhava na limpeza da prefeitura com renda de meio salário mínimo mensal (hoje cerca de R$ 250). Não foram poucas as vezes em que faltou comida.

– Era uma pobreza terrível – lembra Tereza, aposentada há três anos.

Quando Marta foi morar no Rio de Janeiro, para jogar pelo Vasco, a família não tinha nem dinheiro para a passagem. O valor ninguém lembra, mas foi feita uma vaquinha entre amigos e familiares para levantar a quantia.

Marta, hoje com ganhos de R$ 150 mil mensais, recebeu seu primeiro salário ao ser convocada para a Seleção sub-15. Era uma ajuda de custo de R$ 200. Mesmo assim, mandava R$ 60 para a mãe. Quando começou a ganhar mais, fez uma casa para a família e depois construiu outra de dois andares, na qual hoje mora dona Tereza.

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