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Luca Kumahara é o primeiro atleta trans do tênis de mesa mundial: ‘É a continuidade de uma história’

Luca Kumahara recebe apoio de fãs, atletas e familiares e falou ao LANCE! sobre o seu futuro no esporte com foco nos Jogos Olímpicos de Paris

Luka Kumahara é um dos principais atletas do Brasil no tênis de mesa (Foto: ITTF)
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Luca Kumahara, um dos principais destaques da história do tênis de mesa do Brasil, assumiu ser trans. Atleta com currículo olímpico e com medalhas em competições importantes, como o bronze no Pan-americano de 2015 na categoria individual, Luca tornou pública a sua transição e quer seguir a carreira com a maior tranquilidade possível.

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Na última terça-feira, o atleta tornou a transição pública. Depois do anúncio, Luca falou, em entrevista exclusiva ao LANCE!, sobre os diferentes temas que envolvem as questões de gênero dentro e fora do esporte e o planejamento de sua carreira.

Apoio de amigos, familiares e companheiros de profissão

Luca Kumahara se mostrou muito grato a todos que fazem parte do seu dia a dia e destacou que a realidade de muitas pessoas trans é diferente da sua.  

- Infelizmente, a realidade do nosso país e do mundo em geral não é uma realidade muito favorável às pessoas trans. Muitas vezes, não é muito bem aceito. Tenho um privilégio muito grande, a grande maioria das pessoas nunca tinham tido contato com uma pessoa trans no convívio e, mesmo assim, estiveram abertos para ouvir a minha história, me abraçar - comentou.

Dentro desse tema, ele ainda ressaltou que contou primeiro para os seus amigos e familiares mais próximos. Posteriormente, pela necessidade de falar e pela vontade de fazer as pessoas saberem antes da transição se tornar pública, Luca contou a mais conhecidos.  Muitas pessoas já percebiam, pela convivência diária, que ele se sentia um menino.

- Nas últimas semanas, eu decidi que ia tornar isso público e corri para contar para as pessoas que são importante para mim. Antes que saísse uma matéria, queria que eles soubessem por mim. 

- Comecei a contar em 2020. Em 2021, contei para mais pessoas e nos últimos dias corri para contar para quase todas as pessoas - ressaltou Luca, que agradeceu ao fato de ter muitos amigos.

Sobre o esporte ser um ambiente binário e cis-heteronormativo

Em entrevista ao Grupo Globo, Luca disse que, se tivesse mais acesso à informações sobre as questões de gênero, poderia ter realizado a transição mais cedo. Ao LANCE!, o mesatenista sintetizou que, como o esporte é um meio binário, isto é, organizado apenas nas categorias masculino e feminino, a transição pode ter demorado mais por ele estar inserido no mundo esportivo.

- Difícil saber como seria a minha história se eu não tivesse no esporte. Mas tenho quase certeza, por sempre ter tido a certeza de que eu era um menino que, se eu não fizesse parte do meio esportivo, eu teria tirado isso de mim a mais tempo. Talvez quando criança, ou adolescente. Também, considerando o cenário real, não se falava muito sobre isso na época que eu era criança e adolescente - avalia.

Expectativas para o seguimento da carreira

Com o anúncio oficial da transição, existia uma dúvida sobre o prosseguimento da carreira de Luca. Grande mesatenista da modalidade feminina, ele afirmou que continuará se preparando para as Olimpíadas de 2024, que ocorrem em Paris.

- Ainda tenho objetivos a cumprir com a seleção feminina, tenho uma história que eu quero dar continuidade e terminar da forma como eu gostaria. Não sei quando ainda, mas tenho planos e objetivos a cumprir com as meninas. É a continuidade de uma história.

Sem planejamento prévio para uma possível hormonização, Luca comentou que a transição não interfere na disputa dentro da modalidade na qual se consolidou como um dos maiores da história do país.  

- Não fiz e não vou fazer nenhum procedimento ainda que vá interferir nisso. Ainda estarei nos níveis fisiológicos permitidos. Por enquanto, esse é meu plano - finaliza.

Geraldo Campestrini, mestre e doutor em Gestão do Esporte e Diretor da Confederação Brasileira de Tênis de Mesa, falou ao LANCE! sobre o papel da instituição no momento da vida e da carreira de Luca.

De acordo com o diretor, a notícia foi comunicada por Luca em julho e a recepção entre atletas e comissão técnica foi a melhor possível. Além disso, Campestrini também salientou o papel da confederação.

- Nosso papel é o de acolher e orientar. Acolhemos no sentido de oferecer uma rede de apoio para que o atleta siga mantendo sua atividade profissional no tênis de mesa, independentemente de escolhas personalíssimas. E orientamos, para que tudo seja feito dentro das regras esportivas - comentou.

Com relação às questões jurídicas que implicam nas transições para outra modalidade e com a mudança de nomenclatura, o diretor afirmou:

- A CBTM fez consulta à Federação Internacional de Tênis de Mesa, que informou que está estruturando uma comissão específica para debate e possível regulamentação de situações análogas à transição de gênero. A CBTM espera participar destas discussões, incluindo a experiência e desafios enfrentados no caso do Luca Kumahara.

- De todo o modo, mediante a solicitação do atleta à CBTM, deveremos requerer o mesmo nível de tratamento em termos de nomenclatura e tratamento social ao atleta, sem prejuízo a quaisquer situações que envolvam os aspectos esportivos deste. O COI já informou que as regulamentações de transição de gênero devem ser propostas e homologadas pelas respectivas Federações Internacionais de cada modalidade - analisou.

Luca faz primeiro post no Instagram após tornar pública a transição

Em suas redes sociais, o mesatenista colocou sua primeira foto após divulgada a transição e a mudança de nome. A publicação atraiu diversos fãs e amigos, que enviaram mensagens de apoio ao atleta.

- Vejo você no espelho desde sempre, mas agora é hora de você se libertar. Bem-vindo ao mundo, Luca! - comentou.

O reconhecimento social de um atleta transcende o esporte, é uma questão importantíssima que mexe com diversas pessoas. Nos últimos meses, notou-se o crescimento de revelações públicas de atletas relacionadas às questões de gênero e, também, de orientação sexual.

Por muitos anos, esse tipo de debate, sobretudo com relação à receptividade das pessoas e dos próprios veículos de informação para com as pessoas não cis-heteronormativas, se mostrou negligente no esporte e na sociedade. Em um meio tão masculinizado como o esporte, o combate explícito ao preconceito de gênero é mais do que fundamental.

Agora, caminhamos para a mudança. Ainda falta muito, mas cada passo é importante. Cada pequeno passo. E essa recepção a Luca, tanto de atletas, comissão e confederação, quanto dos fãs, amigos e familiares, mostra que vamos chegar lá.

- Ainda é muito pouco, mas estamos dando pequenos passos, evoluindo - finaliza o atleta.

*Estagiário, sob supervisão de Ricardo Guimarães.