Espaço Aberto: ‘Lesões no futebol feminino: Muito além do gênero’

Médico da Seleção Brasileira de futebol feminino explica ao LANCE! razões para o problema<br>

Bárbara - Brasil Feminino
Aspectos extra-campo influenciam diretamente na incidência de lesões, segundo médico (Foto: LOIC VENANCE / AFP)

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O rompimento do Ligamento Cruzado Anterior é um dos maiores temores de jogadores de futebol. A preocupação é ainda maior entre mulheres, já que diversos estudos demonstram risco de 2 a 8 vezes maior de lesão do que entre os homens, considerando-se a mesma exposição ao esporte e o mesmo nível técnico. Efeitos do ciclo menstrual, da força muscular, de aspectos neurofisiológicos ou anatômicos tem, aparentemente, sua contribuição. Mas o que discutirei aqui são os aspectos extra-campo que certamente influenciam diretamente na incidência de lesões e que raramente são colocados em análise.

A lesão do Ligamento Cruzado Anterior, juntamente com as lesões musculares e os entorses do tornozelo, são as principais preocupações de departamentos médicos no futebol. Ainda que possam ocorrer em qualquer jogador, acontecem de forma muito mais clara na presença de desequilíbrios e fraquezas musculares, fadiga e outras situações que fazem com que a musculatura não responda adequadamente aos comandos. Não é por acaso que a maior parte deste tipo de problema acontece no final do primeiro ou do segundo tempo de jogos.

Diversos programas de prevenção focados na melhora do controle e da força muscular, como o FIFA 11+, já se mostraram eficazes na prevenção de lesões.
Frente ao trabalho que venho realizando como médico da Seleção Brasileira de Futebol Feminino, tendo a ver esta grande incidência de lesões entre as mulheres muito mais como consequência de fatores extra-campos do que de fatores intrínsecos do corpo feminino. Ao menos no futebol profissional, onde a maior parte dos estudos são realizados.

Podemos citar alguns destes fatores:

- As atletas mulheres têm contratos de trabalho muito mais precários do que os homens. Muitas vezes as ligas têm atividades apenas em parte do ano e as atletas são dispensadas ao final da competição, retornando apenas na temporada seguinte. A pré-temporada fica bastante prejudicada, e muitas vezes ao invés de usarem este tempo para se recuperarem fisicamente, acabam por assinar contrato em outras ligas ou clubes. Em alguns casos, simplesmente se afastam temporariamente de qualquer treino regular, prejudicando seu condicionamento físico. O trabalho não tem, portanto, uma continuidade.

- Os clubes têm elencos muito mais limitados, com poucas peças de substituição. Isso faz com que, uma vez lesionadas, as atletas voltem a atuar antes de terem uma recuperação completa.

- Os departamentos médicos dos clubes são mais limitados, tanto em relação a recursos humanos como em relação a recursos materiais. As condições para realizar um trabalho preventivo com médico, fisioterapeuta, preparador físico, nutricionista e outros profissionais são mais restritas.

- No caso de atletas que atuam no exterior, a situação pode ser ainda pior, já que além das limitações dos clubes propriamente ditas as atletas ainda precisam enfrentar barreiras culturais e linguísticas. No futebol masculino, os jogadores tendem a levar outros profissionais para lhe darem suporte, incluindo empresário, preparador físico, fisioterapeuta, cozinheiro; as atletas femininas como regra geral vão sozinhas.

- As condições de campo são muito piores: gramados duros e esburacados fazem parte da rotina mesmo nos grandes clubes femininos.

Todos os fatores listados acima estão diretamente relacionados à maior incidência de lesões no futebol feminino. Justificar as lesões com base apenas nas diferenças próprias do corpo feminino é ignorar aquilo que, de fato, pode ser modificado, que são as condições de treino e jogo.

Dr. João Hollanda é médico ortopedista especialista em cirurgia do joelho e traumatologia esportiva. Trabalha atualmente como médico da seleção Brasileira de Futebol Feminino. Maiores informações em www.ortopedistadojoelho.com.br

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