‘Eles podem bater nosso recorde, mas espancaríamos eles’, diz lenda do Bulls sobre o Warriors, ao L!

Ron Harper, dono de cinco títulos da NBA com o Chicago Bulls e o Los Angeles Lakers, acredita que o Golden State perderia de sua equipe, apesar de crer no recorde

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Ron Harper conquistou cinco títulos da NBA: três com o Bulls e dois com o Lakers (Foto: Sam Mirchovich/AFP)

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Não são muitos os j ogadores que possuem os números que Ron Harper teve na NBA: 17 anos de carreira, cinco títulos, quatro times e a chance de jogar com dois dos maiores atletas da história: Michael Jordan, no Chicago Bulls, e Kobe Bryant, no Los Angeles Lakers.

Há cerca de duas semanas, o ex-armador esteve em Mogi das Cruzes (SP) no fim de semana das estrelas do NBB. Apesar de aposentado há 15 anos, participou do Jogo das Estrelas, mostrando uma mão calibrada ao adicionar nove pontos no placar.

Entre um evento e outro, a reportagem do LANCE! teve a chance de participar de uma conversa com um dos maiores vencedores do basquete americano e, entre os diversos assuntos, o principal foi a chance que o Golden State Warriors tem de quebrar o histórico recorde de vitórias do Bulls de Harper. Confira:

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Harper (número 9) fez parte do esquadrão do Bulls, com Dennis Rodman (91), Scottie Pippen (33) e Michael Jordan (23) (Divulgação)

LANCE! - O que você acha do Brasil e do basquete brasileiro?
Ron Harper -
Amo o Brasil. É um lugar lindo e muito divertido. No basquete, vocês estão crescendo muito. Tem nove caras na NBA, dois deles com anéis de campeão, muitos deles já foram aos playoffs... É uma grande experiência. Para qualquer criança, ter a chance de ver os seus compatriotas jogando lá fora por seu país é empolgante e faz com que o jovem pense: “Esse pode ser eu um dia, eles são daqui”.

L! - Você atuou com o Kobe Bryant no começo da carreira dele. O que pensa dele como jogador?
RH -
Quando você se aposenta, significa que perdeu a luta contra o tempo. Ninguém consegue jogar em alto nível por 25 anos. É duro. O Kobe viveu o jogo desde o primeiro momento em que foi à quadra. A resposta que você tem saindo da cama toda a manhã é um teste duro, saber que você tem de jogar 82 jogos, tomando pancadas, voando para todo o lado. Ele jogou muito. Não acho que é triste que ele vá se aposentar, eu acho ótimo que ele teve uma grande carreira.

L! - Para você foi difícil parar?
RH - Nem um pouco. Você só pode fazer as coisas por um certo tempo. Eu joguei 17 anos, tive uma grande corrida. Meus últimos sete anos foram em times ótimos. Eu sabia que não conseguia ir mais alto. As crianças começaram a chegar mais fortes, eu estava mais velho, mais lento, não dava mais para correr atrás. Não dava fisicamente. Eu podia jogar, mas não mais naquele nível. Tudo chega ao seu fim.

L! - Como foi trabalhar com o Kobe nos primeiros anos dele na NBA?
RH - Os dois primeiros anos do Kobe foram difíceis pela transição dele. Ele era um cara muito orgulhoso, com um talento inacreditável e que poderia colocar toda a NBA a seus pés. Eu não tentei mudá-lo, só tentei fazer com que ele fizesse parte de um fluxo do time. Você tem de confiar nos seus companheiros. Se o Shaquille O'Neal e ele tivessem jogado juntos por 20 anos, teriam ganho dez campeonatos. Tinham tudo lá. Mas eram dois caras jovens se chocando. Não sabiam coexistir. Isso foi muito triste de ver. Mas o Kobe era jovem e tenho certeza que ele é o primeiro a dizer que cometeu erros, assim como o Shaq.
Nota da redação: Kobe Bryant saiu direto do colégio para a NBA e, em seus primeiros anos, brigou com a estrela do Lakers: Shaquille O’Neal.

'Se o Shaquille O'Neal e Kobe tivessem jogado juntos por 20 anos, teriam ganho dez campeonatos. Tinham tudo lá. Mas eram dois jovens se chocando. Não sabiam coexistir. Isso foi muito triste de ver' - Ron Harper

L! - Quem foi o melhor jogador com quem você jogou na NBA?
RH -
Eu. Não fico no banco de trás para ninguém. Mas o Michael Jordan é, de longe, o melhor que já joguei junto. O homem mais motivado pelo esporte. Ele tinha vontade de ser o melhor da história. Joguei com o Scottie Pippen também, e digo que ele não deve ficar no banco de trás a ninguém, nem o Jordan. Ele conseguia segurar sua barra na quadra. O Jordan é mais talentoso e motivado, mas o Kobe estava tentando ser o próximo Michael. Mas é como dizem: há apenas um desses caras.

L! - O que pensa do Stephen Curry?
RH -
No nosso tempo marcávamos de forma mais dura, era um combate corpo a corpo. Hoje, é mais livre. Você tem espaço para arremessos. Os times não são fortes na marcação. Gosto de estudar o que um time faz. Se eu for marcar o Curry, eu vou forçar a mão ruim dele, vou forçar ele para correr para o lado da minha ajuda de marcação, como fazíamos no Bulls, quando tínhamos eu, Pippen, Jordan e Rodman para marcar. Hoje tudo é muito aberto.

L! - O Brasil tem chances de vencer a Olimpíada do Rio de Janeiro?
RH -
Vencer? Vencer? (Risos). Os brasileiros estão bem mais velhos agora. Então, a chance não é muito boa. Mas espero que o Brasil chegue até a disputa do ouro, seria uma boa história. Se o país ficasse com a prata, já seria ótimo. Mas tudo pode acontecer. Eles precisam ir até lá e jogar demais. Eles estão em casa, há muita empolgação, com os fãs loucos, o país louco, será muita coisa para eles absorverem.

L! - Seu primeiro time na NBA foi o Cleveland Cavaliers, que era talentoso, mas nunca foi campeão. O que faltou?
RH -
Deveríamos ter vencido a conferência na temporada 1988/89. Perdemos para o Chicago Bulls de forma muito apertada. Mas isso faz parte. Tínhamos um time muito jovem: Brad Daugherty, Mark Price, Dell Curry, Johhny Newman, Hot Rod Williams. Enfim, seis caras que ainda não haviam jogado basquete na NBA. Mas nossa equipe crescia mais a cada ano.

NR: Harper foi draftado pelo Cavs em 1986 e jogou quatro temporadas com o time, indo aos playoffs duas vezes, com duas quedas na primeira rodada.

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Harper ainda jogou com Kobe Bryant no Lakers (Foto: Divulgação)

L! - Você ficou frustrado quando o Cavaliers te trocou para o Los Angeles Clippers?
RH -
O que você está falando? Ainda estou p... Você nunca supera isso. Eu nasci e fui criado em Ohio, sempre sonhei em jogar em casa e levar um campeonato para o estado natal. Foi triste ver que terminou assim. Mas acho que levei a melhor, tive cinco títulos. Então não posso ficar tão bravo assim, não é? (risos).

L! - Acha que alguém tem condições de vencer a seleção americana?
RH -
Claro. Se você arremessar bem, tem chances. Você tem de jogar com uma defesa sólida, arremessar bem, aproveitar os rebotes. Todos sabem que os Estados Unidos não têm um time exímio em arremessos. Claro, o Stephen Curry chuta bem, mas o LeBron James não, o Carmelo Anthony não... Uma coisa para se preocupar é o rápido jogo de transição.

L! - E nos playoffs, quem pode vencer o Golden State Warriors?
RH -
Oklahoma City Thunder tem uma chance de lutar, San Antonio Spurs tem uma chance de 50% e o Los Angeles Clippers, acho que tem uma chance de 25%. Será duro bater o Golden State, eles não vão deitar para você, você tem de superá-los. Na Conferência Leste, o Cleveland Cavaliers pode ter uma mínima chance. Se a franquia conseguir se manter saudável, tem alguma chance, porque o Stephen Curry teria de marcar o Kyrie Irving, e isso forçaria ele a jogar mais defensivamente. Oklahoma, San Antonio e Los Angeles têm esses tipos de armadores que forçariam esse jogo do Curry. Ele não vai poder entrar em quadra e sair arremessando a bola. No último ano, eles não jogaram contra esses times nos playoffs. Mas não dá para desconsiderar a força do Golden State.

L! - Algum dia você pensou que poderia perder em sua época no Chicago Bulls?
RH -
Contra o Indiana Pacers, na final de Conferência de 1998, nós estávamos 17 pontos atrás no fim do terceiro quarto. Foi a única vez que chegamos a sete jogos. Parecia que íamos perder, e em casa ainda. Mas quando sua torcida começa a vibrar e você tem um time que você sabe que tem uma grande defesa, sentimos que era hora de fazer uma jogada por vez, apertar a defesa, entregar a bola ao Michael Jordan e sair da frente dele (risos)! Era deixar para matar ou morrer.

Ron Harper foi a estrela em quadra no sábado (Foto: Divulgação/LNB)
Harper foi a estrela no Jogo das Estrelas do NBB (Foto: Divulgação)

'O Michael Jordan é, de longe, o melhor que já joguei junto. O homem mais motivado pelo esporte. Tinha vontade de ser o melhor da história' - Ron Harper

L! - Como era fazer parte desse time?
RH -
Sabíamos que éramos o melhor time, que éramos superiores, apesar de não sermos arrogantes. Todos os dias, quando chegávamos aos treinos, tínhamos 1h30 de trabalho duro. O Michael Jordan era extremamente competitivo, assim como o Scottie Pippen, eu, o Toni Kukoc... Tínhamos caras que gostavam de competir. O treino era uma competição. Nos xingávamos. Era uma coisa competitiva que nunca queríamos perder. Quando entrávamos em uma quadra para jogar e víamos o outro time nos encarando, sabíamos que teríamos uma vitória por dez pontos ali. Eles pensavam no que nós iríamos fazer. Nós não nos importávamos, porque sabíamos que eles não podiam nos parar, mas nós sim. É assim que o nosso time entrava em quadra em todos os jogos.

L! - Vê o mesmo com o Golden State?
RH - Sim. O Golden State faz o outro time se preocupar tanto com o que eles vão fazer que se esquecem de pensar no que eles próprios podem fazer. Você não vai arremessar melhor que eles. Todos tentam jogar igual, mas esse não é o estilo.

L! - Os armadores da década de 1990 são muito diferentes de hoje, porque atualmente os atletas são muito mais fortes...
RH -
(Interrompe) Tome cuidado. Na minha época você tinha bons nomes. Eu aceito o Isiah Thomas (ex-Detroit Pistons) no seu pior dia do que qualquer armador que exista hoje. O Curry não o marcaria. Hoje os times não jogam de forma agressiva. Só pensam em correr para cima e para baixo.

L! - Quando você foi para o Bulls, tinha uma média de 20 pontos por jogo no Clippers. Como foi perder esse papel em Chicago?
RH -
Engula seu orgulho, cara. Todos temos nosso orgulho, ego e amigos em casa perguntando: “Por que você não está marcando mais tantos pontos?”. Mas eu não precisava, o time já contava com quem sabia fazer isso melhor do qualquer outro no basquete. Eu tinha o melhor do mundo de um lado e o segundo melhor, Pippen, do outro, por que eu tinha de fazer mais pontos que eles? Eu poderia, mas não precisava, pois eu sabia que venceria. Na NBA há oito, nove anos, eu não havia passado da primeira rodada dos playoffs, então eu queria competir em alto nível. Mas existiam caras que se importavam mais com quantos pontos faziam e o quanto de dinheiro tinham. Já eu me preocupava mais em quantos anéis de campeão eu teria. Eu queria vencer, só isso importava.

'Eles podem até bater o nosso recorde, mas destruiríamos eles. Se pegar o elenco do Chicago e do Golden State, pode ter certeza que muita gente escolheria o nosso time' - Ron Harper

L! - Em qual time que você jogou você sente um carinho maior?
RH -
Amo Ohio. Nasci e fui criado lá. Ainda sou um fã do Cavaliers. Mas sou um torcedor para a vida toda de Cleveland e do Bulls.

L! - Jogadores antigos falam mal do basquete atual. Por que?
RH -
Não há nada ruim para dizer. O jogo mudou. Hoje os caras têm a quadra livre. O jogo é mais jovem, é uma fase diferente. Todo o ano isso vai mudar, até que eles encontrem um estilo que não possa ser quebrado. Hoje, é o Golden State, chutando as bolas de três. Então, tiro meu chapéu.

L! - Quem venceria: o Chicago Bulls da sua época, ou o Golden State de hoje?
RH - 
Eles podem até bater o nosso recorde, mas destruiríamos eles. Se pegar o elenco do Chicago Bulls e do Golden State Warriors, pode ter certeza que muita gente escolheria o nosso time. Sim ou não? Me diga o que acha! (risos).

QUEM É ELE
NOME
Ronald Harper
IDADE
Harper tem 52 anos e nasceu em 20/1/1964, em Dayton, Ohio (EUA).
CARREIRA
Ron atuou por quatro times. Em 1986, foi draftado na oitava posição geral pelo Cleveland Cavaliers, time no qual ficou por quatro temporadas. De 1989 a 1994 atuou pelo Los Angeles Clippers. Em 1995, se transferiu para o Chicago Bulls, onde foi tricampeão da NBA. Ainda jogou de 1999 até o fim de sua carreira, em 2001, pelo Los Angeles Lakers, sendo bicampeão. Se aposentou com 13,8 pontos de média por jogo e 3,9 assistências.

CAMPANHAS HISTÓRICAS
Chicago Bulls
Na temporada 1995/1996, o Chicago Bulls de Phil Jackson bateu o recorde de vitórias na temporada regular, com 72 triunfos em 82 jogos. O time de Ron Harper, Michael Jordan, Scottie Pippen, Dennis Rodman e Luc Longley foi campeão pela quarta vez, ao bater o Seattle Supersonics na decisão (4 a 2).

Golden State Warriors

Atual campeão da NBA, o Warriors está a três vitórias de empatar o recorde, com cinco jogos para o fim da temporada (três em casa). O time é formado por Stephen Curry, Klay Thompson, Harrison Barnes, Draymond Green e Andrew Bogut.

Harper
Harper se aposentou em 2001, com o L.A. Lakers (Foto: MIKE BLAKE)

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