Artigo: ‘A filha do vento’

'Adria nos mostrou, além das competições, o que significava, para uma atleta, as competições do para desporto e como superar limites'

Ádria Rocha dos Santos
A velocista brasileira Adria Santos (Foto: LOUISA GOULIAMAKI)

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"Os Jogos Paralímpicos – Tóquio 2020 começam agora! O Brasil é uma das principais forças, graças a um trabalho iniciado há algum tempo, pelo meu amigo Andrew Parsons, e que culminou no Parapan-Toronto 2015. Ficamos com a primeira colocação no ranking de medalhas, batendo o nosso recorde, com uma atuação fantástica de nossos atletas.

E foi em Toronto que conheci Adria Santos, a atleta brasileira que mais havia ganhado medalhas em Paralimpíadas.

A princípio, fiquei meio desconfortável, pois ela foi apresentada como a hostess do grupo. Como isso ia funcionar; termos uma pessoa, a nos guiar, cega? Pois bem. O que eu não vi foi a dimensão do que ela podia ensinar. Adria nos mostrou, além das competições, o que significava, para uma atleta, as competições do para desporto e como superar limites.

Adria Rocha Santos nasceu em Nanuque, Minas Gerais, no dia 11 de agosto.
É uma atleta velocista, especializada nas corridas de 100, 200 e 400 metros rasos. De acordo com o CPB – Comitê Paralímpico Brasileiro, a maior medalhista do Brasil.

Ela perdeu totalmente a visão devido à retinose pigmentar, e do astigmatismo congênito, em 1994. Começou sua carreira em 1987, com 13 anos, numa escola para deficientes visuais, em Belo Horizonte.

O tempo ia passando e Adria conquistando o pódio. Foram 13 medalhas em Paralimpíadas, 4 de ouro, 8 de prata e uma de bronze. São cerca de 73 medalhas em provas internacionais e 542 em provas nacionais, na sua classe T11 (cegueira total).

A Filha do Vento. Seus melhores tempos: nos 100 metros, 12:34; nos 200, 24:99; e nos 400, 57:46.

Voltando a Toronto e à visão de nossa hostess. Ah! Sim, não se preocupem de falar que ela é cega ou que o outro não tem uma perna: os atletas paralímpicos lidam com isso, e muito bem. O problema está em nós, que não gostamos nem de ouvir falar em patrocinar pessoas com deficiência.

Adria me fez ver que superar questões físicas é muito simples. Basta acreditar que é possível. Fomos ver o futebol de sete, uma modalidade onde os atletas têm deficiências variadas, mas não são cegos.

Nós nos sentamos, e ela me fez uma única pergunta: de que lado o Brasil faz gol?” A partir daí ela conseguia torcer e vibrar, como qualquer um. Ela via o jogo através dos seus outros sentidos.

Em uma outra oportunidade a encontrei no saguão do hotel. Toda feliz. Serelepe, como sempre. Quando me percebeu, me disse: “Fui ao aquário de Toronto. Achei tudo muito lindo. Uma maravilha. Você deveria ir.” E eu fiquei imaginando como uma pessoa privada de sua visão poderia fazer uma afirmação daquelas.

Mas a cena que mais me chamou a atenção foi quando fomos ver as provas de atletismo. Era a primeira vez que Adria entrava numa instalação paralímpica do atletismo. Durou muito pouco a sua estada lá. Ela começou a passar mal. Muito agitada. Visivelmente emocionada. Começaram dores de cabeça.

Conseguimos um médico para vê-la. Mas não deu tempo: ela saiu do recinto rapidamente. Voltou para o hotel. Depois me confidenciou que não passou bem por causa da comida. Bobagem. Ela sentiu uma saudade enorme de estar na pista.

Passaram três ou quatro meses, estou eu, sentado no Aeroporto Santos Dumont, e vejo Adria e sua filha Bárbara, se aproximarem. Fiz um sinal à Bárbara para que ela não me denunciasse. Me coloquei no caminho que Adria estava percorrendo. Pois, ao estar a um palmo de mim, Adria parou bruscamente. Exatamente à minha frente. Colocou a mão no meu rosto e disse: Oi Luiz. Você por aqui?

Impressionante. Convivi com esta mulher durante cinco ou seis dias, assistindo aos jogos, e ela colocando sua mão em minha face, consegue ver quem está à sua frente! Impressionante.

Voltando às Paralimpíadas. Falei com ela há poucos dias e perguntei: e aí Adria? Deu muita palestra para os atletas que estão indo para Tóquio? Passou sua experiência para os mais jovens? Passou, um dia, nos treinos do atletismo? Afinal, a experiência de uma atleta como você ajudaria muito a quem vai para uma paralimpíada pela primeira ou segunda vez. Resposta de Adria: “não”. Pura e seca.

Eu fico imaginando como nós realmente pensamos pequeno. Um exemplo de vida e luta como este, guardado em casa. Sem dividir sua experiência. Que fantástica experiência não estamos compartilhando.

Mas é o tal pensamento mesquinho; o tal complexo de vira-lata; a tal da história de que o que eu faço é melhor do que o que foi feito, sempre.

Mas um fato importante aconteceu. Ela foi convidada para comentar a abertura dos jogos que será transmitida pela televisão.

“Estou muito feliz com essa oportunidade e mais ainda pela representatividade que ela significa no mundo das pessoas com deficiência. A ocupação de espaços por pessoas cegas ou com outro tipo de deficiência não é só sinônimo de inclusão, mas de quebra de paradigmas, inovação, diversidade e igualdade. Fico feliz de fazer parte dessa experiência e de ter o reconhecimento da emissora”.

Adria representou o Brasil por 27 anos. Hoje, mora em Joinville, Santa Catarina. Parabéns, Adria Santos, a Filha do Vento, por tudo o que você nos faz enxergar representando nosso país.

Que venham as Paralimpíadas Tóquio 2020. 

*Luiz Fernando Coelho é Jornalista. Tem MBA em Marketing pela PUC-RJ. Atuou em grandes empresas na área de marketing. Sua última participação corporativa foi no Bradesco, tendo atuação importante no marketing do esporte (Projeto BCN/FINASA OSASCO, OLÍMPIADAS RIO 2016). Nos Jogos do Rio, criou a CASA DO VOLEI, para a Federação Internacional de Volei.
É voluntário da SOU DO ESPORTE na área de planejamento de marketing.

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