Artigo: o direito à disponibilidade do uso da imagem de atletas

A imagem é elemento fundamental, com potencial enorme de valorização, podendo valer até mais do que o próprio trabalho exercido via contratação celetista

ARTE - Dinheiro e Futebol
Clube e patrocinadores esperam que todo o elenco possa ter a imagem explorada (Imagem: Gabriel Pereira/LANCE!)

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Os contratos de uso de imagem são uma prática muito difundida entre os clubes de futebol e seus jogadores, e emissoras de TV e seus artistas e apresentadores. Trata-se de um direito personalíssimo, que se torna mais valioso à medida que a pessoa vai ganhando fama, a ponto de passar a gerar renda por meio de contratos de exploração de imagem.

Os valores levantados, em certos casos, atraem a atenção da mídia, público, e autoridades tributárias. Esse legítimo interesse de fiscalizar, porém, deve respeitar os limites da lei e até do bom senso.

A Receita Federal tem demonstrado que suspeita que acordos entre jogadores e agremiações são formas de burlar o Fisco, já que pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) paga-se mais imposto do que no caso do contrato de imagem entre clubes e jogadores, que se trata de uma celebração entre empresas (pessoas jurídicas). Por essa linha de raciocínio, esse tipo de acordo representaria uma extensão dos salários dos atletas, feito para driblar a carga tributária dos acordos fixados na carteira de trabalho.

Dentro desse cenário, há pouco mais de 10 anos era criada a Delegacia Especial de Maiores Contribuinte, vinculada à Secretaria da Receita Federal do Brasil, cujo escritório em Belo Horizonte fiscaliza artistas e desportistas.

A abordagem aponta a ilicitude de ceder um direito personalíssimo para exploração a uma segunda pessoa jurídica licenciada e pela suposta falta da exploração, na prática, da imagem por parte de quem paga para explorar a imagem. Porém é importante ressaltar que o pagamento da remuneração sempre se refere à disponibilidade, não ao seu uso.

No meio artístico, a chamada “geladeira” [quando o ator não é escalado para atuar em nenhum programa da emissora] também é remunerada, mesmo que o artista em questão esteja disponível ao invés de propriamente “escalado”. No elenco de um clube de futebol, há atletas que estão em melhor fase, e há os que são momentaneamente mais midiáticos e/ou naturalmente mais carismáticos.

A exigência da tal “exploração efetiva” mencionada acima é, aliás, absurda. Afinal, quais são os critérios para se concluir que há “uso efetivo” da imagem? Seriam necessárias “Y” aparições em programas de TV, mais “Y x 3” vídeos no canal oficial da agremiação, mais “Y x 4” entrevistas coletivas em frente aos logotipos dos patrocinadores, com “Y” variando em função de fatores como “carisma pessoal”, “títulos nos últimos cinco anos” e “gols marcados na temporada”?

Afinal, qual o algoritmo sugerido pela Receita Federal? Existe um? Além disso, é sem dúvida necessário contratar antecipadamente a disponibilidade do direito de imagem, como investimento e precaução, para evitar sua exploração por terceiros.

No futebol, clube e patrocinadores esperam que todo o elenco possa ter a imagem explorada, e não alguns indivíduos isoladamente, até mesmo pensando na “foto do título”. Isso não retira a necessidade de contratação individualizada e prévia da disponibilidade do direito.

No meio esportivo, a imagem é elemento fundamental, com potencial enorme de valorização, podendo valer até mais do que o próprio trabalho exercido via contratação celetista.

Um exemplo?

Imagine que determinado (a) futebolista que retorna da Europa, extremamente reconhecido (a), mas com problemas físicos gerados por várias contusões acumuladas ao longo de uma carreira vitoriosa.

A condição física é discutida com o clube brasileiro, que por sua vez entende ser válida a contratação pelo que este ídolo tem a oferecer extracampo, gerando venda de vários produtos, aumento de bilheteria e de torcida, enfim, trazendo retorno também aos patrocinadores e diretamente ao clube cessionário. Soa familiar? Sim, já aconteceu, e não apenas uma vez. No valor global a ser pago como salário e imagem, qual dos dois prepondera em tal situação?

Temos que ressaltar também que, no caso do futebol, existe a Lei Pelé, que criou o teto de 40% para o valor do direito de imagem no valor global de um contrato de trabalho paralelamente firmado, imaginando-se que com esta mudança legal, ocorrida em 2015, seria alcançada segurança jurídica em torno do assunto. Não é o que temos visto.

Em nossa opinião, a fiscalização está equivocada no enfoque de exigir prova de “exploração efetiva” deste valioso direito, que é remunerado enquanto tal – um direito de exploração – e pior, não raro insistindo contra a acordada licitude da exploração do direito de imagem por meio da pessoa jurídica licenciada.

*Flávio Sanches

Responsável pela área de Direito tributário do CSMV Advogados, com ênfase em consultoria de indiretos e contencioso administrativo e judicial. Atua também em questões aduaneiras e previdenciárias. É advogado formado pelo Mackenzie, é Especialista em Direito Tributário pelo IBET, e possui especialização em Imposto de Renda das Empresas pela APET. Membro da turma de 2011 do “Introduction to the American and International Law” ministrado pelo “The Center for American and International Law (CAILAW) – Dallas / Texas”. Foi Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas da Secretaria dos Negócios da Fazenda do Estado de São Paulo – TIT/SP em 2012/2013 (representante dos contribuintes).

*Matheus Curioni

É bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo. É advogado associado de CSMV Advogados, atuante em Direito Tributário nas áreas de consultoria e contencioso.

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