O centenário de João Saldanha: sem ele, é o Brasil que tem medo

Treinador do Botafogo e da Seleção Brasileira, João sem medo foi um dos maiores também como jornalista e comentarista esportivo, pelas polêmicas e pela clareza da personalidade

João Saldanha (Foto: Divulgação)
João Saldanha teve apenas dois trabalhos como técnico, mas deixa saudade até os dias de hoje (Foto: Divulgação)

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Um treinador histórico, um jornalista lendário, um comentarista inesquecível. Este 3 de julho marca o centenário de João Saldanha, personagem ímpar na cultura brasileira. De Alegrete (RS) para sempre, "João Sem Medo" morreu em 12 de julho de 1990 e deixou saudade das polêmicas, causos eternos e um país mais pobre de sua verdade, tão cristalina e, por vezes, controversa.

Saldanha conheceu o futebol de areia, chegou a jogar no Botafogo, mas foi como treinador que tirou o clube de uma fila de nove anos, em 1957, após bancar a contratação de Didi, o Mister Futebol, então no rival Fluminense, derrotado na final daquele Carioca. Guiou outros como Nilton Santos, Zagallo, Quarentinha e Garrincha.

Em 1959, iniciou o caminho que trilhou até se tornar, pela franqueza, um dos cronistas mais amados do rádio e da televisão. Dez anos depois, coube a ele ignorar a doce alcunha de Canarinho e bradar que seu time seria de "feras". Técnico da Seleção Brasileira, montou o time que seria tricampeão mundial, já sem ele.

Foi o governo militar quem havia lhe contratado: para calar os críticos, um crítico jornalista. Mas as divergências do assumido e ativo comunista João Saldanha com o governo do general Emílio Garrastazu Médici lhe tiraram do cargo às vésperas da Copa. Já pensou, em plena ditadura, uma mentalidade política de esquerda guiando o Brasil à felicidade que tivemos?

João foi mais. Então comentarista, em 1967 desconfiou - e disse ao vivo na TV - que o goleiro Manga, do Botafogo, estava "vendido" na final do Carioca contra o Bangu. Apesar do título do Glorioso, fez o camisa 1 pular um muro de quase três metros durante comemoração na sede Mourisco. Eram tiros que o João, sem medo, disparara. Lenda, mas verdade.

Saldanha conheceu o jornalismo nos anos 1940. Após a Segunda Guerra, estudante de história na França, tornou-se correspondente de uma agência de notícias. Na Europa Oriental, escreveu sobre campos de extermínio nazistas.

Parecia sem medo até da morte. Deixou a vida aos 73 anos, quando, mesmo com a saúde debilitada por conta do tabagismo, estava na Itália, em plena atividade pela TV Manchete, durante a Copa-90.

Comentou também para a TV Globo, para a TV Rio, escreveu para os jornais Última Hora, O Globo, Jornal do Brasil e para a revista Placar. Foi ouvido nas rádios Guanabara, Nacional, Tupi e Globo. Ainda era formado em direito. Foi candidato a vice-prefeito do Rio (1985). Líder do Partido Comunista Brasileiro (PCB), foi perseguido político em diversas fases da vida.

Contador de histórias - nem todas verídicas - de primeira, João já virou livros, filme, e foi tudo que quis. Num tempo em que muitos só ouvem o que querem e que as políticas públicas nos fazem temer tanta coisa, Saldanha, o sem medo, faz falta.

Com medo ficamos nós.

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