Entrevista da semana: ‘Quero ser o embaixador do futebol americano’, diz Cairo Santos


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Há um ano, Cairo Santos tinha apenas uma certeza: sua carreira no futebol americano universitário tinha acabado. O futuro ainda não estava garantido, mas o diploma do curso de administração de empresas pela Universidade de Tulane, em Nova Orleans, abriria um campo de trabalho. Só que Cairo nem precisou entrar em um escritório. Hoje, ele tem outro “título”: o de primeiro brasileiro a jogar na NFL. E com sucesso. Tudo isso na equipe do Kansas City Chiefs, time que lutou para chegar aos playoffs até a última rodada da temporada deste ano.


Cairo comemora o field goal da vitória contra o San Diego Chargers (Foto: AFP)

Cairo tem contrato com o Chiefs para chutar a bola oval por mais dois anos. No começo, a ideia era jogar futebol (o “soccer”) nos Estados Unidos. Mas as coisas mudaram rapidamente e, logo depois, o atleta foi para o futebol americano. Conseguiu a bolsa de estudos e brilhou no campeonato universitário, sendo escolhido o melhor kicker do ano, em 2012. Além dos objetivos “normais” de uma carreira, quer mais. Quer ser a cara de um esporte cada vez mais popular no Brasil.

– Quero muito ser o embaixador do esporte aqui e poder influenciar ainda mais nesse crescimento. Espero que a gente possa fazer algumas coisas – afirmou Cairo, que passa parte das férias no Brasil.

Confira abaixo a entrevista exclusiva de Cairo Santos, o primeiro brasileiro na NFL, ao LANCE!Net:

LANCE!Net: Você esperava todo esse sucesso em sua primeira temporada?
Cairo Santos: Não, sempre tive meus objetivos individuais. Queria uma temporada boa em percentual, fazer chutes longos... Fiquei feliz que pude fazer isso, mas tem muito chão ainda para melhorar. Eu não fiquei totalmente satisfeito, mas fico feliz e orgulhoso por já ter quebrado alguns recordes e ajudado a ganhar jogos com o time.

L!: Você foi contestado em um momento, temeu perder a vaga?
C.S.: É a natureza da NFL. Se você errar alguns chutes, os times começam a procurar outros jogadores que possam vir a tomar sua vaga. Sabia que isso poderia acontecer se continuasse errando. Mas fiquei bem tranquilo. Contra o Miami (Dolphins) e o (New England) Patriots comecei a chutar melhor e fiquei. Agradeci essa oportunidade de seguir no time.

L!: Como é chegar em um time, novato, e brigar pela posição?
C.S.: Eles analisam muito suas atitudes. Nos treinos você está bem sozinho, fica lá no canto, chutando... Eles te avaliam por isso, quantas bolas você chuta por dia. No jogo eles prestam muita atenção, perguntam o que estou achando do vento... Tem muitos testes psicológicos que fazem, uma avaliação muito intensa. Eles querem um kicker de confiança, que não vá tremer.

L!: Como foi para você marcar seu primeiro field goal da vitória?
C.S.: Acontece tão rápido... Naquele jogo (contra o San Diego Chargers), o kicker deles empatou o jogo, e a gente tinha poucos segundos para chutar e virar o jogo. Lembro que estava aquecendo do lado, chamei nosso holder, e fizemos uma oração para pedir calma naquela hora. Foi um momento de muita calma. Quando repasso isso na cabeça, o coração até acelera um pouco. Passei um susto no começo, com o vento, mas a bola foi onde eu queria. Deu certo e foi só alegria!

L!: Você tem um tem um bom relacionamento com os kickers?
C.S.: Sempre têm alguns mais marrentos que os outros. Mas nós temos uma fraternidade bem legal. A gente fica andando junto, testando a grama, o vento, conversa... Enfim, tem uma certa rotina antes do jogo. É bem legal conhecer o adversário. Os kickers são diferentes, não chuto contra eles, chuto para ajudar meu time. Torço para os outros kickers chutarem bem, até para que eu aprenda um pouco. Temos 32 kickers na NFL, então eles são bons. Gosto de assistir e aprender.

L!: Você se encontrou com o Stephen Gostkowski e isso te fez conhecer o Tom Brady. Como foi isso?
C.S.: A gente estava conversando antes do jogo, eu e o Gostkowski, e o Tom Brady saiu do vestiário para fazer o aquecimento dele e parou para falar algo para o Gostkowski. Ele estava usando um chapéu com um gorrinho em cima, e depois que eu percebi: “Cara, é o Tom Brady!”. A gente bateu um papo bem rápido, foi bem legal. Lembro que estava meio sorrindo... Ele deve ter me achado meio esquisito, mas foi legal (risos).

L!: E quem é seu ídolo como kicker?
C.S.: Hoje em dia eu gosto muito do Justin Tucker, do Baltimore Ravens. Faz chutes de alta pressão, em finais de jogo, playoffs, já ganhou o Super Bowl... Ano que vem jogaremos contra ele e vai ser bacana.

L!: O assédio mudou? Você já é reconhecido em Kansas? O pessoal para pra falar com você?
C.S.: Raramente. Só se eu falar meu nome ou estiver usando alguma coisa do time. Eu uso capacete praticamente o ano inteiro. Pelo meu rosto e até o tamanho, eles não identificam que eu sou um jogador de futebol americano. Mas gosto de passar despercebido.

L!: Tem ideia do significado que você tem para o Brasil, na NFL?
C.S.: Não muito. Só sei que tem uma galera que torce por mim, acompanha o futebol americano, muitos assistem porque tem um brasileiro... Isso me traz muita alegria. Não tenho noção, mas me traz alegria só de pensar!

L!: A NFL falou com você sobre algum programa para difundir o esporte no Brasil?
C.S.: Ainda não. Mas eu quero muito ser o embaixador dos esportes aqui e poder influenciar ainda mais nesse crescimento. Espero que no futuro a gente possa fazer algo.

L!: Que tipo de coisas você pensa?
C.S.: Eu e meus empresários estávamos com um plano de trazer um kicking camp para o Brasil, procurar alguns kickers que gostariam de vir para o Brasil ensinar as pessoas a chutar. Quem sabe isso possa evoluir, para um camp maior. Nosso time, o Chiefs, tem muitos jogadores que querem vir para o Brasil, acompanhar o crescimento do esporte aqui. Estamos com alguns planos, espero que possa dar certo.

L!: Você espera que sua presença aumente os brasileiros na NFL?
C.S.: Espero sim. Quero compartilhar minha história. Acho que, com muita dedicação, você pode chegar. Praticar esportes nos Estados Unidos, mesmo que não chegue no profissional, deixa as portas abertas. Indo lá e ganhando uma bolsa para estudar em uma faculdade, tem um valor muito alto. Fiz uma ótima faculdade e tive minha educação inteira paga pelo futebol americano. Esse diploma que ganhei, por causa do futebol, vou carregar para o resto da vida. Não é só o profissionalismo, mas a educação que o esporte pode gerar nos EUA. O sonho é possível, mas é preciso de muita dedicação e aproveitar as oportunidades que a vida dá.

L!: No que você se formou lá? Qual a diferença de chutar uma bola de “normal” e uma oval?
C.S.: Me formei em administração de empresas. Acho que a diferença é que no futebol americano é mais um ritmo. Sua perna parece um pêndulo. Você tem que seguir sua perna para o alto. Acho mais técnico, não é somente chutar a bola mais forte, é mais precisão, pegar na bola certinho, para ela ter a rotação certa. É mais técnico.

L!: Sua família se preocupou quando você começou a jogar?
C.S.: Minha mãe achava perigoso (risos). Meu pai me soltava mais, mas minha mãe achava que eu era um lineman, que empurrava os caras, apanhava. E eu explicava que não, tinha a posição de kicker, que era só entrar em campo e chutar a bola. Aí ela deixou eu praticar. Quando ela viu que não tem muito perigo, ela ficou mais tranquila.

L!: Nesse ano você teve até que parar uma jogada. Como foi?
C.S.: Foi um carrinho né (risos)? Foi meio que um lance de Felipe Melo da vida. O Percy Harvin, do (New York) Jets, passou por todo mundo. Ficamos só eu e ele, ele cortou para um lado, e o único jeito de alcançar ele foi com um carrinho. Mas pelo menos ele parou. Ele tropeçou e a gente conseguiu salvar o touchdown. Mas foi uma falta, não pode dar carrinho. Foi mais pelo instinto brasileiro de parar a jogada. Esqueci que não pode usar o pé (risos).

L!: Depois dessa você merecia ir para o (game) Fifa? Será que não era melhor jogar soccer?
C.S.: (risos) Saiu barato né, não recebi cartão vermelho! Mas foi bem um lance de Fifa mesmo. Acho que tenho que parar de jogar Fifa e jogar Madden (jogo de NFL no videogame).

L!: Como o Kansas está reagindo com essa exposição no Brasil?
C.S.: Eles até comentaram comigo depois do carrinho, dizendo: “poxa, acho que o povo do Brasil vai gostar desse lance”. Eles gostam que eu trago uma cultura diferente para o time, é legal a reação deles com isso.

L!: Você viveu um drama, perdendo seu pai e incentivador. Como lida com isso, agora na NFL?
Era o nosso sonho. Fico muito feliz de poder realizar isso. Mas ele não está aqui comigo, me vendo jogar, coisa que sempre sonhávamos. Essa é a parte triste. Mas me dedico muito para continuar fazendo o que ele sempre me apoiou. Quando voltei para o Brasil, na minha última temporada na faculdade, para o velório dele, eu não quis ficar. Quis voltar para jogar no sábado seguinte. Eu sabia que era isso que ele queria. Queria que eu continuasse jogando. E eu quero continuar realizando nosso sonho.

L!: Você ganhou prêmios na Universidade. Dá pra projetar o mesmo sucesso?
C.S.: Sempre quero chegar ao nível mais alto e o mais longe possível. Não dá para parar de sonhar em chegar ao topo. Quero chegar ao Pro Bowl, ganhar um Super Bowl...

L!: O que você espera para 2015?
C.S.: A gente chegou muito perto nesse ano, com certeza temos potencial para chegar no Super Bowl. Espero que o ano seja bom, vamos trazer reforços para ajudar o time.

L!: Mande um recado para o pessoal que quer jogar futebol americano no Brasil. Esses brasileiros têm chance na NFL?
C.S.: Acho que o mais importante é terminar a faculdade. Ninguém nunca vai tirar seu diploma. Você vai poder usá-lo para tudo na vida. O mais importante é usar o futebol americano para conseguir essa educação. Isso é muito possível. É um bom investimento. Investir no futebol americano, tornar-se kicker, e conseguir uma boa educação. Temos ligas nos Estados Unidos, no Canadá, de Arena, tem várias oportunidades. Espero que algum dia possa ajudar. Mostrar que é possível, praticar esse esporte que vai abrir muitas portas.

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