Da Bósnia para o Guarujá: a incrível história de Ibisevic, que superou a guerra e ‘já ganhou’ a Copa

Marco Antônio (Foto: Eduardo Viana/LANCE!Press)
Marco Antônio (Foto: Eduardo Viana/LANCE!Press)

Escrito por

A seleção da Bósnia enfrenta a Nigéria neste sábado, às 19h, na Arena Pantanal, ciente de que uma derrota significa a eliminação de sua primeira Copa do Mundo. Porém, aconteça o que acontecer, os bósnios estarão na história. O atacante Vedad Ibisevic, então, no topo. Na eternidade.

Ibisevic, 29 anos, joga no Stuttgart, da Alemanha, mas poderia ser mais um entre os cerca de 200 mil mortos na guerra que aterrizou seu país na década de 1990. Vários de seus familiares foram assassinados no conflito étnico com os sérvios. Seu avô teve a cabeça arrancada. Mas o jogador conseguiu fugir para a Suiça, depois Estados Unidos, onde se criou. Sobreviveu. Os 23 bósnios convocados, aliás.

Só que foi pelos pés de “Vedo”, como é chamado pela família, que seus compatriotas tiveram e terão direito a uma dose da alegria que emerge do futebol. Ibisevic foi o autor do gol que colocou a Bósnia na Copa e do primeiro da história do país em Mundiais, marcado na estreia, contra a Argentina, na derrota por 2 a 1, no Maracanã. Incrível.

Mais ainda porque Ibisevic costuma ficar em segundo plano num time em que só se fala de Edin Dzeko, atacante do poderoso Manchester City (ING). Nos treinos da equipe no Guarujá, litoral sul de São Paulo, jornalistas, curiosos, gandulas querem ver e falar com Dzeko. Vedo é reserva, não interessa.

PELOS LADOS DO GUARUJÁ...

O pequeno Marco Antônio, de nove anos, é um dos gandulas. Já ganhou boné de Dzeko, bateu bola com o capitão Spahic. Aponta Ibisevic porque sabe que foi ele a marcar contra a Argentina. Mas, felizmente talvez, desconhece a heroica trajetória do camisa 9 da Bósnia.

Encantado com os atletas profissionais, o menino que sonha em jogar uma Copa é informado pela reportagem de que Ibisevic, o herói, perdeu parentes na guerra.

– Não sabia – diz, espantado.

Marco Antônio bate bola com a Bósnia (Crédito: Eduardo Viana)

Em seguida, encanta-se quando toma conhecimento de que Ibisevic já tinha marcado o gol da classificação; que fugiu da Bósnia quando tinha oito anos; que teve de se esconder em um buraco para não ser morto pelo conflito que ele não entendia. E Marcos não entende.

Mas não importa. Ibisevic já está na história das Copas. Nem tanto pelo que ainda pode fazer, mas pelo que já fez. A guerra é passado.

- Um país  pequeno que sobreviveu a muitas coisas ruins merece essa pequena vitória - declarou o atacante, após marcar o primeiro gol de seu país em Copas.

'MODELO', FÃ DE SEU PAÍS E EMBAIXADOR CONTRA O ÁLCOOL

O terror por que passou na infância em sua terra natal não foi capaz de apagar o carinho que Ibisevic tem pelo seu país. Isso é constatado em uma rápida visita ao site oficial do jogador. No endereço www.ibisevic.com, Vedo publica notícias, fotos e registros sobre sua vida e carreira. Muitas das imagens foram capturadas em Sarajevo, capital da Bósnia, onde o atacante aparece jogando bola em meio à paisagem ainda judiada pela guerra.

Ibisevic joga bola sobre os destroços na Bósnia (Crédito: divulgação)

Em outra parte da página é possível colher informações sobre o projeto do qual o camisa 9 é embaixador na Alemanha, com outros jogadores da Bundesliga, a liga local. Ibisevic faz parte do projeto "Stay gold - don't drink too much", algo como "fique bem, não beba muito", campanha contra o uso excessivo do álcool.

No texto publicado em seu site, o jogador conta um pouco de seu sonho em se tornar um profissional e como isso só foi possível pela dedicação e hábitos saudáveis, contrário aos efeitos do alcoolismo. Uma bonita mensagem, além do espírito esportivo.

BATE-BOLA COM MARCO ANTÔNIO, DE NOVE ANOS

Marco Antônio exibe a camisa autograda pelos bósnios, no estádio onde a seleção treina no Guarujá (Crédito: Eduardo Viana)

Como tem sido essa experiência com os bósnios?
Muito boa. Eles são muito legais, educados com a gente. É muito bom poder conviver um pouco com eles.

Como foi escolhido para ser gandula?
Vim aqui no primeiro dia com o meu pai e a prefeitura me escolheu. Dei sorte.

Você joga bola?
Jogo em uma escolinha do Boca Juniors aqui no Guarujá.

Em qual posição?
Sou lateral-direito. Como o Daniel Alves.

Qual seu sonho?
Disputar uma Copa do Mundo e enfrentar a seleção da Bósnia.

Por que a Bósnia?
Porque eles são legais e queria revê-los.

Como será quando eles se forem?
Será muito triste. Já estou acostumado.

Você sabia que a maioria deles perdeu parentes na guerra?
Não, não sabia. Foi mesmo?

Sim. O que sabe da Bósnia?
Sei que a capital é Sarajevo. Pesquisei na internet. A moeda é o marco conversível, algo assim. (Marco Convertível).

Sua cidade é perigosa?
Não. É tranquilo.

Nunca teve nenhum problema?
Não.

Vai torcer para quem na Copa?
Brasil, né? E depois a Bósnia.

ONDE FOI A GUERRA E A SITUAÇÃO DO GUARUJÁ

A GUERRA
A Bósnia e Herzegovina, cuja capital é Sarajevo, era um dos países da ex-república da Iugoslávia. A guerra foi de 1992 a 1995. Quase dois milhões de pessoas se refugiaram em outros países. Os motivos são complexos e envolvem razões étnicas, políticas, religiosas e sociais.

Ibisevic nasceu na cidade de Vlasenica, cerca de 90 quilômetros da capital. Refugiou-se na Suíça e depois, nos Estados Unidos.

GUARUJÁ

Município localizado no litoral sul de São Paulo, com cerca de 300 mil habitantes, de acordo com o último Censo. A cidade registrou o maior índice de roubos do estado no ano passado, com taxa de 1.342 por 100 mil pessoas. A violência no local é tema de recorrentes questionamentos às autoridades.

Com a passagem da Bósnia pela cidade, a segurança foi reforçada e o policiamento tanto na região das praias quanto no centro aumentou, de acordo com moradores.

News do Lance!

Receba boletins diários no seu e-mail para ficar por dentro do que rola no mundo dos esportes e no seu time do coração!

backgroundNewsletter