As mil e uma histórias de Zé Love nas Arábias: censura no Whatsapp, paternidade, China e torcida por Pato

Atacante do Al-Shaab, agora também é pai de Zé Eduardo Jr, de três meses, e curte sossego nos Emirados Árabes. Ao L!, conta 'causos' fora do país e torce por atacante do Chelsea

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Ao lado da esposa Luciana, Zé Love tem se encantado com cultura árabe: 'Surpreso' (Foto: Reprodução/Instagram)

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Sharjah. Desde 1971, parte dos Emirados Árabes Unidos, localizada a 28 km da capital Dubai. Cidade de cultura muçulmana, com costumes rígidos e hábitos peculiares. Nela, a 12.250 km de distância da cidade de Santos, o católico fervoroso José Eduardo Bischofe de Almeida garante ter encontrado a mesma felicidade dos tempos de Vila Belmiro. Agora, porém, aproveita a vida de uma maneira diferente: ao lado da esposa, Zé Love, hoje atleta do Al-Shaab cuida do pequeno José Eduardo Júnior, de apenas três meses, e curte a paz "tão difícil" na carreira de um jogador de futebol, em um país onde nem sequer ligações pelo aplicativo Whatsapp são permitidas.

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Zé Love e Pato se encontram em Dubai (Foto: Reprodução)

Ao LANCE!, o 'caipira' natural de Promissão, interior de São Paulo, fala sobre a vida nos Emirados Árabes, critica com propriedade a situação atual da política brasileira, lembra com carinho dos tempos de Santos e Coritiba, lamenta o que considera falta de respeito das torcidas organizadas ao invadirem os centros de treinamentos de seus clubes e ainda encontra espaço para mandar força ao amigo Alexandre Pato, com quem se encontrou recentemente em Dubai e por quem torce por uma chance na Inglaterra - a estreia do brasileiro ex-Corinthians com a camisa do Chelsea pode acontecer neste sábado, às 8h45, contra o Aston Villa.

- Encontrei o Pato num dia de folga meu, fui passear e conhecer um pouco Dubai, acabei que encontrei ele e a Fiorella Mattheis (namorada de Pato). Ele é um cara que conheço desde a Itália, me encontrava com eles em Milão, eu era muito próximo do Robinho, então jantares, aniversários, a gente acabava estando juntos. É um grande jogador, todo mundo passa por momento difícil. Mas acho que no caso dele ele está apenas esperando oportunidade, né? Ele não teve chance de mostrar lá, aliás, acho que não precisa mostrar, tudo mundo conhece a qualidade, sabem o grande jogador que ele é. Creio que está esperando o momento certo, tem tudo para dar certo - torce Zé Love, mesmo que de longe.

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O pequeno Jr é o único filho de Zé Love e tem três meses apenas

Devoto fervoroso de Nossa Senhora Aparecida, Zé aprendeu a respeitar e admirar o horário do Salá muçulmano (cinco orações públicas diárias) durante os treinos do Al-Shaab e mantém a 'resenha' em alta no clube na companhia dos brasileiros Maikon Leite, ex-Palmeiras, e Marcão, ex-Atlético-PR. Com contrato curto, apenas até junho, garante já ter sido procurado para renovar o vínculo e diz se imaginar nas Arábias por, no mínimo, mais dois anos. Afinal, enfim, aos 28 anos parece ter encontrado sossego para tentar retomar o bom futebol da época em que atuava com Neymar, hoje no Barcelona, PH Ganso, meia do São Paulo, e cia no Santos, como faz questão de lembrar.

"Pato merece chance no Chelsea e não precisa mais mostrar nada, todo mundo sabe da qualidade dele em campo"

- A melhor fase da minha carreira foi no Santos, muitos títulos, a (Copa) Libertadores de 2011... Um time que marcou a história do clube, Neymar, Ganso, eu era um coadjuvante né? Mas acabei me destacando com isso. O time inteiro do Santos foi vendido para Europa, Ásia, algum lugar assim, sou muito feliz até hoje por isso. Sou conhecido graças ao Santos. Deu muito certo - lembra, nostálgico, o jogador que já passou por Palmeiras, Sport, Grêmio, Coritiba e Goiás, seu último clube. Na Itália, ficou três anos no Genoa e foi emprestado ao Siena durante o período. 

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Cultura árabe ainda é novidade para a família (Foto: Reprodução)

Zé ficou pouco tempo na China também, em 2015, antes de chegar em Goiânia. Era jogador do Shanghai Shenxin e não esconde que não gostou do país para onde tantos brasileiros foram recentemente atraídos, como Renato Augusto e Gil, ambos da Seleção Brasileira. 

- Para quem morou na China acho que nada mais é difícil, muito pelo contrário. Aqui é bem mais fácil do que na China, lá tivemos alguns problemas de dia a dia, era complicado, por conta de alimentação, idioma, essas coisas. Aqui é de boa, tem supermercado como no Brasil, tranquilo. Me surpreendi bastante com Dubai, Sharjah, tem vários jogadores brasileiros aqui por perto. Graças a Deus as coisas estão dando certo.

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Zé está satisfeito com momento dentro de campo (Foto: Reprodução)

Em Sharjah, o agora pai Zé Eduardo não usa mais o Love na camisa 20 e tem aprendido a conviver com algumas proibições. Os Iphones comprados por lá não tem nem sequer a opção de FaceTime, recurso usado para se comunicar através da câmera de vídeo com outro Iphone. No Whatsapp, não há a possibilidade de ligação. São sete horas à frente do horário brasileiro. Mesmo assim, o jogador garante ainda não ter vivenciado nada parecido com o que Fellype Gabriel, meio-campo do Palmeiras, contou à imprensa quando chegou ao Verdão.

- Eu fiquei sabendo dessa história de ter tratado uma lesão com um pedaço de bife, porque quem está no clube que era o dele (Sharjah FC) é o Maurício Ramos e o Maicosuel, a gente se vê sempre aqui. É um pouco estranho, mas comigo nunca aconteceu nada de inusitado, não. Me surpreendi positivamente com a cidade. Os próprios Iphones vem sem FaceTime, aqui é proibido. Chamada de áudio de Whatsapp também é proibido. Eu nunca consegui fazer, acho que é uma das proibições deles aqui, é normal, faz parte. 

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Na nova camisa, o antigo Zé Love agora carrega J. Eduardo apenas 

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Como está sua adaptação no clube?
Graças a Deus estou aqui há três meses, foi uma adaptação muito rápida, em termos de vida, de futebol, de jogar. Estou fazendo um grande campeonato aqui, são oito jogos e cinco gols. Dois pela Liga, dois pela Copa e um por um amistoso oficial que fizemos semana passada. As coisas estão acontecendo da melhor maneira possível. Moro na grande Dubai, como se fosse São Paulo Osasco, São Bernardo. A vida é assim, como treina todos os dias às 17h30, 18h, fica meio difícil sair, querendo ou não, é um horário complicado, ou sai de manhã ou sai só depois do treino, mas graças a Deus está tudo dando certo por aqui. Eu tenho contrato de seis meses, fiz um contrato curto, o clube já mostrou intenção de renovar comigo, mais dois clubes da Série A já me procuraram. Sinal de que o trabalho está sendo bem feito por aqui. 

E consegue se comunicar? Qual idioma fala mais?
Aqui não pode falar, não falo inglês fluente, mas como cheguei aqui há três meses estou me virando, sabe? Vou falando um pouquinho, o básico dos básicos. Só falo português e italiano por ter ficado três anos na Itália, mas vou me virando. A vida é totalmente diferente, cultura diferente. Quando eu cheguei aqui eu não sabia, mas tem horário da reza, aquele que estiver jogando ou treinando, para para ter o momento da reza deles. O treinador antigo era um italiano, ele que me trouxe para cá, mas ele saiu e ficou um outro italiano, que era um auxiliar dele.

"Estou fazendo um grande campeonato aqui, são oito jogos e cinco gols. Dois pela Liga, dois pela Copa e um por um amistoso oficial"

Os brasileiros que estão aí te ajudam?
Para mim é um pouco mais fácil falar o idioma. Está o Maikon (Leite) aqui, Marcão, ajuda bastante, a gente fica conversando no treino, se divertindo bastante. É legal, sabe? Um país diferente, uma outra cultura e esperava um pouco mais difícil minha adaptação, chegar sem conhecer as coisas, não fala o idioma, eu não sabia como era o comportamento dos árabes com os estrangeiros, me surpreendi bastante porque me tratam super bem, são receptivos, acabei tendo um relacionamento muito bom com eles.

Consegue se comunicar com seus companheiros de clube?

A gente não fala o idioma, mas consegue estar brincando, brincadeira é sempre a mesma no futebol. Acaba sendo fácil. De resto, tudo bem. Com família e filho, as coisas ficam mais fáceis. Eu esperava que ia ser bem mais difícil até pela cultura, graças a Deus está sendo incrível para mim. Estou gostando muito daqui e espero ficar aqui muitos anos ainda.


Você é católico praticante. Como se acostumar no país?
Questão de religião para mim é de boa, eu respeito muito a religião dos outros, evangélico, muçulmano, cristão... Acho que todo mundo tem a sua fé, eu tenho minha fé em Deus, Nossa Senhora Aparecida, eles tem o Deus, Deus é só um, mas eles têm a fé deles, respeito bastante, acho até bonita a forma como agradecem a Deus, sempre, de tarde, de manhã, isso é bonito. Para mim foi super de boa. Cada um tem a sua fé, isso não atrapalhou, não. São pessoas apegadas a Deus, agradecem, rezam.

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Zé Love sente saudades do calor torcida brasileira (Foto: Reprodução)

Seu filho nasceu no Brasil? Como estão as coisas?
Nasceu no Brasil, sim, e depois veio para cá. Alegria imensa, gosto muito de ficar brincando com ele. Dá uma paz a mais, né? Algo que falta na vida do jogador de futebol. A gente sabe que precisa estar bem para trabalhar, estar com a cabeça boa. Perto dele, esqueço os problemas.   

Tem algo que sinta saudades aqui do Brasil?
Saudades dos meus amigos, família. Sai de casa com 12 anos, acaba acostumando com essa vida, mas saudade de pai e mãe sempre tem, futebol é o calor do povo brasileiro é diferente de todos. A energia de um estádio no Campeonato Brasileiro é diferente de qualquer lugar, né? Sinto um pouco de falta, aqui os jogos são com pouco público. É difícil ter jogo cheio.


Era fã de uma dupla sertaneja...
Eu falo com eles todos os dias quase. Eles me mandam vídeo todos os dias. Giovanni Reis e Fabrício. Eu sou caipira, do interior de São Paulo. Eu ajudo eles, já vão fazer cinco anos que eu ajudo eles. Todo lugar que eu estou, vou, divulgo eles, eu costumo dizer que poucas duplas sertanejas atualmente tem o talento e o dom que eles tem. Infelizmente as coisas não são como a gente quer, temos que trabalhar para aparecer o momento certo, momento de Deus.

E tem acompanhado os desdobramentos políticos brasileiros?
Quem não está acompanhando essa bagunça política no Brasil? Eu que já morei três anos na Itália, na China um ano, agora em Dubai, não tem como não dizer que o Brasil é uma vergonha. Os impostos, corrupção, e se você for ver o imposto que o brasileiro paga é mais caro, do carro, de tudo, não tem educação, não tem saúde, não tem nada direito. Se você for comparar com os outros países de primeiro mundo, onde educação é boa, hospitais fantásticos.

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Casal tem curtido as novidades de Dubai (Foto: Reprodução)

No Goiás você viveu um pouco isso. Como enxerga a relação das organizadas com os clube? Recentemente, CT's foram invadidos...
Sobre os torcedores é complicado, sabe? Torcedor que invade um centro de treinamento é a mesma coisa que ele estivesse trabalhando e a gente fosse lá e invadisse o local de trabalho deles, né? A gente sabe que ele compra ingresso, que o time é a paixão dele, mas acho que não tem nada a ver o futebol com violência, ninguém entra no campo para perder um jogo. Envolve seu nome, o nome da sua família, o clube, é o clube que coloca comida na sua mesa. Então é uma questão de respeito. O Brasil sempre foi assim, né? Então dificilmente vai mudar, eu vivi isso no Goiás, acabei passando uma situação chata, esses torcedores que fazem essa vandalismo não são fãs do clube, são bandidos, alguém que quer aparecer. O verdadeiro torcedor aparece no momento difícil, que te apoia, te incentiva. No momento bom é fácil torcer. Eu não conheço jogador que entra no campo para perder. Quem está de sacanagem não joga, inventa lesão, a paixão do jogador é estar no campo, fazer o que mais gosta. Eu quando entro, mesmo que joga mal, está numa fase meio ruim, entro para vencer, ganhar. Infelizmente não é de hoje que o Brasil está assim.


Quem é sua inspiração no futebol?
Olha, no meio do futebol minha maior inspiração sempre foi o Ronaldo, fez eu me apaixonar pelo futebol, tive as maiores emoções com ele, nos deu a Copa do Mundo, ficou marcado na minha infância, na minha trajetória.

E fora do esporte?

Na vida real, me espelho no meu pai, batalhou bastante para me dar dignidade, caráter, respeito, como eu disse antes. Não sei como são os outros, mas para mim é como se fosse um herói. Minha família sempre me deu suporte, sempre acreditaram em mim, me transformaram num homem capaz de correr atrás dos meus sonhos.

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No Santos, Zé viveu seu melhor momento (Foto: Divulgação/Santos FC)

O que ainda espera do futebol?
O que eu espero do futebol... Sou um cara grato a Deus por aquilo que eu tenho já, que eu conquistei. Eu não imaginava chegar onde cheguei, não pensava no começo. Sou muito feliz, agradeço a Deus. Todo jogador sonha em chegar na Seleção Brasileira, né? Mas acho que para mim isso já é muito distante, até pelo fato de estar num futebol diferente, não é Europa. Estou satisfeito com o que o futebol me deu, a minha família também. Espero que eu possa jogar muitos anos ai, com saúde, força física e mental, e ser feliz né. Com a família e dentro de campo, é um reflexo. Quando as coisas estão dando certo, está ótimo.

Pensa em retornar ao Brasil? Qual clube tem prioridade?
De momento não penso em voltar, mas a gente sempre pensa em jogar no Brasil, né? Estar perto da família, do calor da torcida brasileira. É único isso. Mas estou num momento família, mais de boa, pretendo ficar aqui mais uns dois ou três anos, estou fazendo de tudo para que isso aconteça. O dia de amanhã ninguém sabe, se chegar de acontecer de voltar ao Brasil, vou feliz, porque eu amo mesmo é jogar futebol.O Coritiba e o Santos são os dois clubes onde mais me identifiquei, com a torcida. Tive muitas conquistas no Santos, mas o Coxa também houve identificação. Ficou uma marca, isso ai. Espero que um dia eu volte a jogar no Brasil e que esses dois sejam o caminho para meu retorno.


*As Mil e uma Noites é um copilado de contos populares das Arábias e considerado uma das maiores obras da literatura árabe. As histórias foram escritas entre os séculos XIII e XVI.

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