A entrevista exclusiva de Eurico Miranda ao L! nunca antes publicada

No final de 2013, o recém-falecido ex-presidente do Vasco conversou com o veículo que tantas vezes rejeitou. Abaixo, o conteúdo daquele bate-papo e o porquê de somente agora

Eurico
Eurico fumou o inseparável charuto por duas horas, dentro de seu escritório (Marcelo Cortes/ Agência Lancepress!)

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Seis de dezembro do 2013. A última sexta-feira do Vasco na primeira divisão nacional, naquele ano. Eurico Miranda aceita conceder entrevista exclusiva ao LANCE!, algo durante muito tempo impensável por conta das divergências do dirigente, que não era o presidente do clube à época, com o veículo. O imponente personagem se atrasou em duas horas, falou e fumou charuto durante outras duas horas e a intenção era publicar aquela conversa na semana seguinte. No domingo, derrota por 5 a 1 para o Athletico-PR e a Barbárie de Joinville consumiu o noticiário nas semanas seguintes. Assim aquela entrevista nunca foi publicada. Até agora. Veja abaixo o nosso bate-papo com o polêmico cartola, que morreu aos 74 anos de câncer, na terça-feira.

Como o senhor vê a contratação de diretores profissionais para os clubes, que vem ocorrendo no Vasco atual?
Profissionalização é muito bonito você falar: "O Brasil está atrasado porque não profissionaliza". Conversa mole. Quer ver: como chega uma instituição a ser centenária como a nossa e como outras tocadas por amadores, mas amadores competentes? Amador que tem empresa, escritório. Também contrata profissionais. Mas ele quem a dirige. Mas você transferir a direção para o profissional... o sistema está todo invertido. Eu sou mandatário de x pessoas, mas transfiro meu mandato para um profissional que eu chamo de alienígena, que não conhece nada daquilo? Que é isso. Posso contratar o profissional, mas ele tem que saber que tem que falar com dirigente acima dele, que é o dirigente amador. E a última palavra nunca é do profissional. O que ele pode fazer é não concordar com a decisão do dirigente amador. Tem o direito de não executar e vamos embora. Simples, não pode é botar um profissional que não tem mandato, que não foi eleito para estar lá e ter ele que resolver os problemas.

Como avalia a gestão do futebol do clube?
Nota da Redação: Havia Rodrigo Caetano na direção e Ricardo Gomes (em recuperação após acidente vascular cerebral) num cargo abaixo, além da vice-presidência de futebol.

Quem é o profissional do futebol? O Ricardo Gomes pode até ter capacidade mental, mas não tem capacidade física. A quem ele se reporta? Tem que ter o vice de futebol, e que o Ricardo converse com ele. As decisões importantes não podem ser do executivo. Eu vou contratar um jogador, temos orçamento de tanto, não posso exceder, não posso contratar diante dessa situação. Agora, isso dá liberdade a ele de procurar. Ele não é responsável por aquilo. O profissional, hoje ele está aqui, amanhã está em outro lugar. Coisa do profissional, pode ser contratado por outro, nem digo de ser mercenário. Profissional é profissional. Quero que me diga como contrata um jogador como Montoya, que não joga e ganha R$ 200 mil por mês. Um Nei, que tem lesão e ganha R$ 170 mil por mês, por três anos. Responsabilidade do profissional? Não, eu que assinei... Está tudo errado. Geral. Quero que me explique. Não entro na qualidade do jogador, entro no mérito da forma como a coisa é feita. O Guiñazú foi contratado, entra e se machuca com 20 minutos. Isso acontece e, ou tem problema no departamento médico, fisioterapia, ou tem precipitação para a escalação. Ou não se verificou o tempo que estava sem jogar, se teve preparação adequada. Gastou-se e ele ficou sem jogar. Passou a ser importante, mas ficou um tempo sem jogar. Não sei se foi forçado, mas foi escalado de forma leviana. Pelos profissionais do departamento médico, do departamento médico. Que isso? Houve acompanhamento no treinamento? Foi o profissional. Acontece? acontece, mas vem me explicar. O profissional tem que responder. Vai ele dizer que o departamento médico liberou, o físico também. Vamos chamar então. Vamos ver quem é o responsável.

Mas entende ser importante a figura do CEO do clube?
NR: Cristiano Koehler ficou no comando prático do clube durante a temporada 2013.
Você traz um profissional a quem você dá o nome de CEO, o senhor Cristiano Koehler. Pergunto eu: quem é o CEO do LANCE!? Eu duvido que ele coloque lá um CEO que vai ter um poder que ele (Cristiano Koehler) tem. Sou contra mesmo você trazer, do Sul, um profissional que... primeiro ele tem que chegar de táxi. Está arriscado ao motorista de táxi não deixar ele na porta principal. Ele vai para o Vasco e ele pode ser a melhor coisa do mundo, mas não conhece nada do Vasco. Pode ter PHD em administração, mas você tem que fazer um estágio naquilo que você vai administrar.

Então discorda do modelo totalmente?
Eu entendo essa administração no clube sem independência. Mas sem independência não quer dizer com ingerência. O cara tem que prestar conta. Não tem autonomia para fazer. No final, quem responde... se o Vasco cai para a segunda divisão, quem é o responsável? O dirigente. Falei 15 rodadas atrás: tem que tirar Dorival. Eu tinha a informação de que havia problema de relacionamento dele com jogadores. Não conseguia dar segurança ao elenco. Não posso admitir de jogar contra a Ponte Preta com menos um homem e perder. Eu disse: O Vasco precisa de um choque.

O senhor, então, pretende mesmo voltar a presidir o clube?
Eu vou fazer 70 anos, estou na fase final da vida, queria desfrutar dos meus netos, que me questionam por que o Vasco não ganha, por que gozam o Vasco nessa situação. Esse é o primeiro motivo. O segundo é o clamor das ruas. Não posso andar na rua que acham que eu sou Messias. "Não deixa cair, pelo amor de Deus", e "volta" e "volta" e "volta". Se eu analisar, com certeza vou voltar. O Vasco precisa ser resgatado.

'Não posso andar na rua que acham que eu sou Messias'

Acredita ter ódio de algumas pessoas?
Que ódio? O ódio que se tem é, a rigor, que construí uma imagem por certas coisas que fiz e fui obrigado a fazer, e tem caras que têm ódio do Vasco. Um vascaíno autêntico não pode ter ódio de mim. Tenho absoluta consciência dos serviços que prestei ao Vasco. Sempre fiz as coisas dirigidas. Nunca procurei construir imagem nenhuma. Só dou um exemplo: deixei o Vasco em sétimo lugar no Brasileiro. Eu me habituei, no futebol, a me passar de Deus a demônio. Torcedor tem disso. Uma hora Eurico é nosso rei, outra é veado, demônio. Mas duvido que o torcedor não reconheça os trabalhos que eu fiz.

Mas o senhor acha que dá para reerguer o Vasco estruturalmente?
Vou comparar o Vasco ao "Exterminador do futuro", que você atirava no cara, ele se reduzia e voltava. O Vasco tem capacidade de regeneração. Uma força tão grande que só o Vasco é capaz.

O senhor foi deputado federal, bastante criticado na época...
Era deputado do Vasco, quem me elegeu sabia que eu ia representar o Vasco. Presidi a Comissão do Esporte. O esporte passava obrigatoriamente por mim. Lógico, o Vasco está no poder. Os meus eleitores, na sua maioria, eram Vasco, mas isso não quer dizer que eu não ia participar de outras coisas. Veio uma campanha violentíssima, CPI na Câmara sobre a qual eu não tinha nada a ver, mas tive que assumir pelo Vasco, para não passar um trator no clube. Uma CPI, que era do Futebol, virou CPI do Vasco. Tive que enfrentar. Deitaram. Quem tinha influência tentou me caçar. Toda a mídia colocando que se construiu um monte de coisa. Anos depois, inquérito policial, sacudiram minha vida, da minha família. Terminou com a conclusão de que não tinha nada contra mim, no MP da mesma maneira e, por sentença, foi mandado arquivar. Porque nada foi encontrado contra mim.
NR: O relatório final da CPI do Futebol concluiu que houve desvio de verba do Vasco a um então funcionário e, de forma indireta, a Eurico.

'Eu me habituei, no futebol, a me passar de Deus a demônio. Torcedor tem disso'

O senhor repete que, se estivesse no clube, o Vasco não cairia em 2008?
Tire a interpretação: se eu estivesse no Vasco, o Vasco não caía. Ponto. Não caía antes e não caía depois. Quando foi na última, faltava seis rodadas e eu disse: se eu assumir o futebol, com plenos poderes, o Vasco não cai. Ofereci ajuda indireta e direta. Aí cada um começa a tirar suas interpretações. "Ah, Eurico vai mexer com arbitragem". Não vou mexer com nada de arbitragem, mas você toma medidas para impedir que isso aconteça. Só isso. Virada de mesa, que você quer falar, eu ajudei muitos outros clubes. Eu entendo que clubes dessa grandeza não deviam cair. Agora, você acha que tem que cair porque, eventualmente, houve uma má gestão, quem está sendo punido é o futebol.
NR: foi na segunda administração de Eurico que o Vasco foi rebaixado em 2015. Na ocasião, ele disse que a responsabilidade era dele, mas a culpa do antecessor Roberto Dinamite.

Concorda com a realização da Copa do Mundo no Brasil?
Eu me manifestei muito antes. O problema não é uma Copa do Mundo no Brasil, ou Olimpíada no Brasil. O problema é o legado. Vou dizer uma coisa simples, elementar. Não discuto o absurdo que foi feito de gastar R$ 1,2 bilhão no Maracanã. Discuto o seguinte: vai gastar a bilhões? Gasta R$ 700 milhões. Pega R$ 300 e remodela os estádios do entorno. Esse é o legado que seria, mas não é o interesse. Esse é o problema. Eu não posso aceitar que você pegue o dinheiro público e beneficie um só, como foi no caso do Itaquerão. E qual foi o legado? O Itaquerão para eles? Não é dinheiro público? É. O BNDES empresta R$500 milhões como? Por ordem política?

*Colaborou Roberto Veloso

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