LANCE! Com a palavra: Ghiggia, o herói urugaio que já defendeu a Itália
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*Colunista do LANCE!
Alcides Edgardo Ghiggia era o último protagonista vivo entre os 22 homens que brigaram pelo título da Copa do Mundo de 1950, no Rio de Janeiro, e o principal responsável por aquela que era considerada até o ano passado, antes da derrota de 7 a 1 para a Alemanha, a maior tragédia da história do futebol brasileiro.
Pois o herói do Uruguai, o atacante que marcou o gol da vitória de 2 a 1 sobre a Seleção dirigida por Flávio Costa, morreu exatamente no dia do 65º aniversário da conquista da Celeste, no Maracanã, diante de público de exatos 173.850 pagantes, mas estimado em 200 mil pessoas.
Ghiggia nasceu em Montevidéu, em 22 de dezembro de 1926. Jogou pelo Peñarol de 1948 a 1953. E, curiosamente, começou e iniciou a sua carreira com a camisa de seu país diante do Brasil: vitória de 4 a 3, na estreia, em 6 de maio de 1950, em São Paulo, pela Copa Rio Branco, e derrota de 4 a 2, na última partida, em 16 de abril de 1952, no Chile, que valeu pelo Pan-Americano de Futebol, disputado apenas três vezes entre aquele ano e 1960. Fez 12 jogos e quatro gols pela Celeste.
Poucos sabem, mas Ghiggia também defendeu a Itália, como cidadão naturalizado, após ser negociado com a Roma, em 1953. A Azzurra vivia certa carência de valores. E o ponta acabou sendo aproveitado na equipe. Jogou pela primeira vez em 26 de maio de 1957, na derrota de 3 a 0 para Portugal, em Lisboa. E foi justamente no compromisso seguinte, na briga por vaga na Copa da Suécia, que Ghiggia atuou pela Itália ao lado de outro uruguaio, o centroavante Juan Alberto Schiaffino. Naquela ocasião, 22 de dezembro de 1957, a dupla foi bem, pois a equipe venceu Portugal por 3 a 0, em Milão. Na última partida, no entanto, e novamente com os dois compatriotas, a Itália perdeu de 2 a 1 para a Irlanda do Norte, e ficou irremediavelmente fora do Mundial.
Interessante: sem Ghiggia e Schiaffino, a Celeste disputou as Eliminatórias para 1958 no Grupo 3 da América do Sul e acabou apenas em segundo lugar, atrás do Paraguai, que garantiu assim a vaga. Como se vê, Itália e Uruguai, que haviam conquistado quatro dos cinco Mundiais já disputados até então, ficaram ausentes na Suécia.
Para quem não sabe, Schiaffino, que morreu aos 77 anos, em 2002, foi o autor do primeiro gol da tragédia de 1950, no Maracanã. Ghiggia fez o segundo, aos 35 minutos do segundo tempo, chutando à esquerda de Moacir Barbosa, que ficou marcado para sempre. O Brasil dependia de um empate para ser campeão, pois pela única vez a Copa foi decidida num quadrangular, do qual também tomaram parte a Suécia, terceira colocada, e a Espanha, quarta.
Fracasso - Quando as seleções de Brasil e Uruguai pisaram no gramado do Maracanã para decidir a quarta Copa do Mundo, em 16 de julho de 1950, as duas equipes já haviam disputado 30 partidas, desde a primeira delas, vencida por 2 a 1 pela Celeste, no Sul-Americano de 1916, em Buenos Aires. O Brasil tinha vantagem de 13 vitórias contra 11, além de seis empates. Mais: o "scratch" verde e amarelo triunfara em dois jogos no campo do adversário, e o Uruguai outros dois no terreno inimigo. Existia, portanto, um indisfarçável equilíbrio. Logo, à luz fria do retrospecto, como se vê, a euforia absurda em torno da provável vitória brasileira na final do Mundial era injustificável.
Assim, vale relembrar que em 6 de maio de 1950, exatos 71 dias antes da fatídica decisão, o Uruguai vencera o Brasil por 4 a 3, como dito, dentro do Pacaembu, pela Copa Rio Branco, disputada com frequência de 1931 a 1976 pelos dois países. É provável que o desfecho deste troféu tenha alimentado o conceito de que a derrota para os uruguaios, em São Paulo, tenha sido apenas um mero acidente de percurso. Pois nas outras duas partidas, realizadas no Rio, no estádio de São Januário, ocorreram vitórias do time dirigido por Flávio Costa, 3 a 2 em 14 de maio, e 1 a 0, dia 16. É importante ressaltar, de toda forma, que estiveram em ação no revés de 4 a 3 pelo menos 12 jogadores que disputariam a final do Maracanã: Barbosa, Zizinho, Ademir Meneses, Jair Rosa Pinto, Chico, Maspoli, Matias Gonzalez, Obdulio Varela, Rodriguez Andrade, Perez, Miguez e Schiaffino.
É até possível compreender, num rasgo de exagero, diante da expectativa extraordinária criada pela presença do Brasil numa final de Copa, que a conquista do título mundial era óbvia. O "scratch" goleara a Suécia por 7 a 1 e a Espanha por 6 a 1, enquanto os uruguaios haviam empatado por 2 a 2 com a Fúria e ganhado a duras penas dos escandinavos por 3 a 2, jogando no Pacaembu. E veio a vitória de 2 a 1 da Celeste na decisão.
O Brasil meio que vingou 1950 no Mundial de 1970, no México, ao vencer o Uruguai por 3 a 1 na semifinal. Em 1989, o Brasil voltou a tentar o exorcismo sobre o fantasma, ao ganhar a Celeste por 1 a 0 no Maracanã, na decisão da Copa América, num 16 de julho, gol de Romário. Mas é fato também que o empate de 1 a 1 em 4 de novembro de 1983, na Fonte Nova, em Salvador, deu o título sul-americano aos uruguaios, na prática um outro Maracanazzo. Ou algo próximo disso.
De qualquer forma, com a morte de Ghiggia, o fantasma de 1950, que já havia sido devidamente ofuscado pelo 7 a 1 do Mineirão, fica ainda mais distante, lançando os heróis definitivamente na história, e redimindo os vilões, que agora descansam em paz.
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