Dirigente do COB garante sobre o Pan: ‘Vai ser uma briga dura com o Canadá’
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Alguns dos grandes atletas estão fora? Sim. O foco principal é a Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro? Com certeza. Mas nem por isso, os objetivos do Brasil são menores nos Jogos Pan-Americanos de Toronto (CAN). Afinal, se apenas o hóquei sobre a grama masculino vai lutar por uma vaga olímpica no Canadá, outras modalidades vão usar a competição com diversos objetivos: testar jovens, buscar recordes, preparar competidores para 2016... Mas para o Comitê Olímpico do Brasil (COB), uma meta é comum a todas elas: terminar a disputa no top 3 no quadro de medalhas, atrás somente dos Estados Unidos e na luta com os donos da casa pela segunda colocação.
Diretor executivo de esportes do COB, Marcus Vinícius Freire acredita que o país vai atingir seu principal objetivo. Ao mesmo tempo, tem ciência de que um bom resultado no Pan (ou até algo abaixo do esperado) não pode alarmar a opinião pública, afinal, muitas potências olímpicas não estão na competição. O dirigente falou sobre esse e outros assuntos em entrevista ao LANCE!Net por telefone. Confira:
LANCE!Net: O Brasil tem como meta a terceira colocação em Toronto, posição que o país conquistou em Guadalajara-2011. Como você projeta a disputa no quadro de medalhas?
Marcus Vinícisu Freire: Para a gente, é um Pan diferente, o quinto que levo a delegação. Sempre tinha um grupo de modalidades que ia para se classificar (à Olimpíada) e outro que usava a competição como uma etapa para se preparar para os Jogos Olímpicos do ano posterior. Não temos esse primeiro grupo nesse ano, a não ser no hóquei sobre a grama. A maioria tem a vaga garantida, com exceção também do basquete, mas que não vai disputar a vaga lá. Isso traz para a gente um time diferente, uma equipe mista. Algumas modalidades vão com força máxima, outras com a força média e e tem aquelas que vão estar com jovens. Mas mantemos a meta do terceiro lugar, porque demos um salto de qualidade nos últimos quatro, oito anos, o que nos distanciou principalmente dos países da América do Sul que vinham atrás da gente, como Venezuela, Colômbia e Argentina. Cuba, pela dificuldade financeira e de intercâmbio, tem participado cada vez menos dos campeonatos e, talvez por isso, vem em uma velocidade menor que sempre acelerou. Temos um hors concours que são os Estados Unidos e a briga direta com o Canadá. Existe uma energia olímpica muito forte no país. Como sede dos Jogos Pan-Americanos, em casa, você joga com o time máximo e se preparando para o Rio de Janeiro. Vai ser uma briga dura com o Canadá pelo segundo lugar, por isso essa nossa meta de terceiro. É um objetivo dentro do esperado. Não ficamos abaixo disso e ninguém pensa nos Estados Unidos.
L!Net: É possível ficar à frente de Cuba mais uma vez?
MVF: Pelo total de medalhas, já ficamos. No mínimo, é manter o que a gente já vem fazendo. Nosso pensamento é sempre ter um número maior de medalhas por modalidade, com diferentes atletas. Então, nessa posição nós estamos. Por isso, acredito que devemos continuar à frente de Cuba, sim.
L!Net: Em Guadalajara, ficou atrás no número de ouros, né?
MVF: Sim. Mas não é nossa contagem. Principalmente, porque tem de levar em conta que nossa meta e preocupação são as modalidades olímpicas. Quando você coloca o boliche, pelota basca, eu Brasil não conto. Não é nossa dor de cabeça.
L!Net: O COB fez algum estudo esportivo sobre os países que devem rivalizar com o Brasil no Pan de Toronto? O Comitê sabe quais são os pontos fortes e fracos dos adversários?
MVF: Temos hoje uma ferramenta de inteligência competitiva que a gente olha o mundo inteiro e podemos fazer o filtro que quisermos. A meta do Canadá para a Rio-2016 é igual a nossa, quer ficar entre o 9 e o 12 lugar. Então, está próximo da briga com a gente pelo número de medalhas. Vamos acompanhando os atletas deles que têm esse desenho. Nas modalidades olímpicas, será uma briga dura, como quando tivemos os Jogos em 2007.
L!Net: E em relação ao Time Brasil, quais serão os pontos fortes e fracos do país na competição?
MVF:Uma coisa que tem acontecido em todo ano de Pan-Americano, que é sempre um ano difícil de agenda. Teremos os Jogos da Fina funcionando quase ao mesmo tempo, assim vão ter esportes começando antes da abertura, porque se mandam direto para Kazan. Depois, temos o Mundial de atletismo, de ginástica, militar e universitário. Tivemos reuniões com cada uma das modalidades, treinadores e diretores técnicos. Nosso foco, repito cem vezes, é agosto de 2016. Então, para cada um deles, é fazer a melhor preparação possível mirando 2016. Mas se atrapalhar o resultado do Brasil no Pan? Se isso for o melhor para um resultado bom em 2016, não tem problema. Não se preocupem de não ter medalha do (Cesar) Cielo, que não vai ao Pan para se preparar para o Mundial e estar bem em 2016. Não estamos impedindo ou forçando ninguém a levar o time principal.
L!Net: Até Guadalajara, existia uma aura em cima do Pan, um apelo midiático em torno da competição. Acredita que com a Olimpíada no Brasil isso pode mudar já projetando para daqui para frente?
MVF: Essa análise é perfeita, não só por causa da Olimpíada. Essa é uma razão. Como consequência de ganhar a Olimpíada no país em 2009, tivemos mais investimento, um foco maior de todo mundo, de três níveis de governo, patrocinadores, atletas... A hora que você salta de patamar, independentemente de onde os Jogos Olímpicos serão depois, você passa a dar menos peso para algumas competições. Na minha época, ir aos Jogos Sul-Americanos era uma maravilha. Perdi um para a Argentina juvenil e foi um absurdo. Hoje em dia, no último Sul-Americano, se olhar a tabela de Santiago (CHI), nosso número total de medalhas é os três países seguintes somados. Em função disso, sempre vamos ter mais jovens lá, os principais caras não precisam ir. Se Deus quiser, nos aproximando das dez primeiras colocações nos Jogos Olímpicos, e conseguindo manter isso para 2020, vai ter uma consequência para o Pan-Americano, de ter atletas mais jovens, ser mais seletivo. Isso acontece há muito tempo com os Estados Unidos. Eles não vão com a força máxima em algumas modalidades, porque estão se preparando para os Jogos Olímpicos. Quanto mais você cresce no cenário mundial e mais forte fica, existem mais possibilidades para os jovens participarem desses campeonatos.
L!Net: Atualmente, há um nítido conflito de calendário entre o Pan e outras competições importantes, como por exemplo as finais da Liga Mundial de vôlei. Algo pode ser feito pela Odepa para que isso seja evitado em Jogos futuros e evitar desfalques de grandes atletas?
MVF: Em relação ao calendário, não acredito. Nesse momento, o presidente da Fina, que vai fazer o campeonato de esportes aquáticos no mesmo momento do Pan-Americano, é o presidente da Odepa (o uruguaio Julio César Maglione). É o mesmo cara e não conseguiu acertar o calendário. Imagine, então, quando não é. A tendência é a Odepa tentar ganhar mais força para que provas do Pan classifiquem à Olimpíada. É os campeonatos tentarem ser cada vez mais importantes para a classificação olímpica, que é a cereja do bolo. Mas não vejo uma forma de administrar essa situação. Acho isso até pior.
L!Net: Como fazer o público entender que muitas vezes o resultado obtido no Pan não é repetido nos Jogos Olímpicos?
MVF: Conversando com vocês, como estou fazendo aqui. Tenho feito uma maratona por redações exatamente para que vocês nos ajudem com esse tipo de comunicação. O Pan tem os dois lados: se ganhar muita medalha, o público acha que vai ganhar as mesmas cem medalhas um ano depois. Mas esquece que você está competindo somente contra 40 países, esquece que de potência gigante só tem os Estados Unidos, que na Europa tem especialistas em outras modalidades ou os africanos em provas de longa duração no atletismo... Esse tipo de cultura da população, a gente tenta fazer e conta com vocês. Vocês são os grandes comunicadores da nossa mensagem.
L!Net: Como o Pan pode servir de espelho para a Rio-2016, em termos de estrutura e preparação da equipe?
MVF: Estamos tentando preparar nossa equipe, chefes de equipe, atletas e treinadores para essa convivência. Um exemplo que discutimos com a área técnica da vela, com o Torben Grael: a Martine (Grael) não foi à Londres-2012 e nunca esteve em uma competição poliesportiva. Ele falou que fazia questão que ela fosse ao Pan, porque ela precisa ter essa bagagem. Também vamos usar a Universidade de York como quartel general e alojamento. Tudo para ter essa bagagem e as pessoas se acostumarem. Além disso, criamos um curso para o chefe de equipe. Até o último Pan-Americano, essa pessoa vinha muitas vezes como indicação, viajava como um prêmio, era um presidente de federação... Ele não fazia parte da confederação e nem sabia direito qual sua função. Cortamos isso, criamos curso de dois anos que continua até 2016. Estamos meio que direcionando para que o cara que vai ao Pan seja o mesmo para 2016. Tem de falar inglês, saber suas responsabilidades... No Rio, o chefe de equipe vai ter papel fundamental, imagina quantas pessoas terá de administrar: família, marido, pais, papagaio, imprensa, torcida.... Estamos treinando algumas pessoas e o Pan-Americano é uma etapa importante para isso.
L!Net: Ano passado, durante os Jogos Sul-Americanos no Chile, existia uma preocupação do COB em relação ao uso das redes sociais pelos atletas. O Comitê chegou a preparar algo para eles em relação a isso no Pan?
MVF: O que a gente fez, e não é específico para o Pan, mas faz parte de um programa para entender a Inglaterra, que realizou um trabalho muito bom para Londres-2012. Eles fizeram um programa “Home advantages”, as vantagens de jogar em casa. Fizemos aqui o “Home advantages e disadvantages”. Descobrimos que existem muitas vantagens e desvantagens, e uma delas é essa grande pressão, a quantidade de contatos. Para nos orientar nesse caminho, criamos um conselho de treinadores. Trouxemos os técnicos mais experiente do Brasil, como Bernardinho, Zé Roberto, (Rubén) Magnano, Morten (Soubak)... Fui parte de delegação 30 anos atrás e na época tinha uma norma. Nossa ideia é não fazer uma norma, mas sim direcionar a conduta, e estamos vendo os melhores caminhos. Esse conselho de treinadores está estudando quais seriam essas direções para nossos atletas. Assim, você começa a entender as diferenças gigantes de como controlar quem ganhava mil reais e morava em um projeto social de um cara do futebol ou basquete que ganha 50 mil reais, milhões por ano. Como cobrar um para não falar no telefone e liberar o outro? Estamos desenhando isso. E inclui, sim, muita coisa de rede social. Na Vila (Olímpica) do Rio não queremos que recebam visitas. Então, estamos criando um espaço para o Time Brasil, próximo à Vila para quando o atleta estiver disponível para familiares, amigos... E, assim, não fique todo mundo entrando na Vila, podendo atrapalhar não só o cara que ele quer visitar, mas uma delegação inteira. Estamos preocupados. Mas a rede social é irreversível. Então, tem de pensar como fazer isso, como o positivo pode ser mais positivo. E o negativo, ou os problemas de jogar em casa, serem menores. Não tem como mandar todo mundo jogar o celular fora, é impossível desligar as redes sociais. Mas podemos orientar o que é melhor.
L!Net: Os atletas têm aceitado isso?
MVF: Qual nossa vantagem? É a bagagem passada. Fui atleta de Seleção Brasileira por 16 anos. Temos 26 atletas ou treinadores olímpicos que passam e transferem a credibilidade de saber o que é bom ou ruim. Essa montagem de um conselho de treinadores para comunicar isso é muito importante. Desde o pós-Londres, temos uma comissão de atletas, que foi votada por eles. Demos credibilidade para os atletas entenderem que esse recado está sendo passado por quem viveu o que eles vivem. Então, não é norma. Estamos orientando, pela bagagem, o que achamos que é melhor para eles.
L!Net: O Pan de Toronto será decisivo para o hóquei sobre a grama brasileiro, já que o time masculino precisa ficar entre os seis melhores para se classificar para a Olimpíada. Por que a modalidade ainda não deslanchou, ao contrário de outras, como tiro com arco, canoagem e luta olímpica?
MVF: O hóquei sobre a grama é a única modalidade no feminino que não vai para os Jogos Olímpicos. O que aconteceu? Depois que foi escolhida a sede em 2009, eu e minha equipe fomos a todas as federações internacionais, principalmente onde não tínhamos um histórico olímpico, para ver como nos ajudavam. No hóquei sobre a grama, se não me engano em 2009, o masculino era o 58 do mundo e o feminino o 62. Aí, me falaram que ou a gente fazia algo muito bom ou seria um vexame. Gostariam de ter o Brasil, mas precisa ter um nível técnico mínimo. Para isso, o que preciso? Treinador, treinamento, competição e atleta. Fizemos um acordo entre as partes, incluindo a federação internacional, a confederação brasileira e o COB, que era apoiar a entidade nacional com recursos, e o órgão internacional iria apoiar com recursos, parte técnica ou convites para campeonatos para somarmos pontos e crescermos no ranking. E tinham metas anuais. No primeiro ano, o feminino e o masculino não bateram esse objetivo. No segundo, o masculino alcançou e o feminino ficou para trás. No terceiro, foi pior. Então, ano passado, falamos que se continuassemos dividindo recursos, não chegaríamos com nenhum dos dois. Concluímos que o melhor era focar no masculino e vimos que o feminino não teria condições. Isso agora vai desaguar no Pan. Esse time precisa chegar pelo menos em sexto para ter o convite olímpico.
L!Net: Acha possível conseguir a classificação?
MVF: Acho possível. Temos um número contado de atletas, resultados apertados, mas estamos falando de ficar em sexto com oito equipes. É o mínimo que podemos exigir se quer ir para os Jogos Olímpicos.
L!Net: Qual é a sua opinião sobre a naturalização de atletas estrangeiros, algo que se intensificou no Brasil com a realização da Olimpíada?
MVF: O que aconteceu com o Qatar no mundial masculino de handebol, somos completamente contra. Ter um time que é uma legião de estrangeiros não faz a nossa cabeça e não apoiamos confederações a fazerem isso. É diferente de ter um ou dois dois caras que vivem ou possuem ligação com o Brasil, como o Larry (Taylor, no basquete), a Gui Lin, no tênis de mesa, e alguns outros como Sebastian Cuatrin, (Fernando) Meligeni... O que aconteceu na verdade com os Jogos no Brasil é que algumas confederações tiveram mais facilidade de conversar com essas pessoas por conta da vaga. Foi o caso do polo aquático. Tenho um cara que está morando no Brasil, que soube que o país está classificado e que trouxemos um treinador que é o melhor ou um dos melhores do mundo... Aí, ele quer jogar. Foi isso que algumas confederações fizeram.
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