Confusão em Gana expõe outras situações da África
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A confusão envolvendo a seleção de Gana na última quarta-feira, quando os jogadores brigaram no vestiário durante amistoso contra o Chile nos Estados Unidos, supostamente cobrando pagamentos da federação, mostra ainda mais as dificuldades de trabalhar em seleções africanas. Na última Copa Africana de Nações (CAN), dois técnicos brasileiros viveram isso na pele.
Marcos Paquetá é treinador da Líbia e teve de se desdobrar para acalmar as tensões políticas entre os jogadores. O carioca chegou à seleção durante o polêmico regime de Muammar Kadhafi, e permaneceu depois da queda do ditador.
– O primeiro passo era aceitar as diferenças. Eu mostrei que eles estavam representando a Líbia, trabalhando para o país, e não por política – explica Paquetá, em visita à redação do LANCE!NET.
Paquetá, que acabou sendo eliminado na primeira fase da CAN com a Líbia, conta que precisou se impor para mostrar que ele não era partidário do Kadhafi. Após o fim do regime, a Federação Líbia chegou a botar outro técnico em seu lugar em um treino.
– Eu fui lá e perguntei se afinal eu era o treinador. Não podia ficar assim, minha imagem ia ficar ligada ao antigo governo – explica.
Em tempo de guerra: Marcos Paquetá fala de seu trabalho na Líbia
TEMPO RECORDE
O outro técnico brazuca na CAN foi Gilson Paulo. Até dezembro do mês passado, ele trabalhava nas categorias de base do Vasco e nunca tinha sequer pisado na África. Hoje é visto como herói na pequena Guiné Equatorial.
Seu antecessor, o francês Henri Michel, saiu por dizer que a federação local e até o governo interferiam no trabalho. Gilson diz que isso nunca aconteceu com ele. Sua dificuldade foi mesmo em campo:
– Fiz contato com a comissão técnica antiga, que é de lá, colhi informações, fui nos treinos e vi o que dava para fazer em tempo recorde - disse Gilson, também na redação do LANCE!NET.
E conseguiu. Estreante na CAN, Gilson levou a Guiné às quartas de finais. Por isso virou herói.
– (risos) Isso foi coisa da imprensa. Mas se eles quiserem, tudo bem, continuo a mesma pessoa.
RELIGIÃO TAMBÉM ENTROU EM CAMPO
Os países da África, principalmente do Norte, têm a fama de terem populações com verdadeiros fanatismos religiosos. Isso chegou a atrapalhar uma vez o técnico Marcos Paquetá. O principal credo da Líbia é o Islamismo. E logo no início da era do treinador brasileiro, ele teve o desafio do Ramadã.
Este é um ritual muçulmano em que os religiosos precisam ficar um mês cumprindo um jejum que todos os dias vai da alvorada ao pôr do sol.
Foi exatamente quando a Líbia teve uma partida amistosa contra Moçambique. O jogo aconteceu às 15h, em um calor de 30C, com grama sintética (que esquenta ainda mais).
– Eles não podiam sequer beber água. Vários passaram mal, queimei logo todas as substituições. E isso depois de 12 horas de viagem. Mas é a cultura deles – destaca Paquetá.
E se alguém descumprir a obrigação, o Alcorão (livro sagrado do Islamismo) determina justamente 60 dias de jejum. São permitidas duas pequenas refeições. Uma logo de manhã, e outra no início do crepúsculo.
BATE-BOLA
Marcos Paquetá
Técnico da Líbia
Como é treinar uma equipe com jogadores engajados?
Difícil. Tinha jogador que não ia para a seleção por não concordar com a presença de outros. Mas eles não foram para a guerra, mostrei que aquilo era futebol e eles conseguiram entender.
Como foi vivenciar a guerra?
Foi uma loucura para me mandar de lá. Consegui sair antes, no último voo antes de estourar a guerra, e tirei minha família.
Como foi a escolha do capitão da seleção da Líbia?
Lá, os jogadores escolhem, e os dois mais experientes eram os candidatos, e eles eram rivais políticos e de clubes. Tive que ir na federação resolver. Acabei decidindo por nenhum dos dois e dei a outro jogador por minha conta.
O treinador que revolucionou o futebol da Guiné Equatorial
PRESENÇA DE GILSON DIVULGOU O VASCO
O técnico da Guiné Equatorial viveu um verdadeiro desafio. Sem grandes trabalhos até então, ele estava nas categorias de base do Vasco antes de se mudar para o país africano. Durante o carnaval, ele esteve no Rio de Janeiro, foi até São Januário para se desligar do clube, e revelou que o Gigante da Colina teve seu nome falado na África.
– Todos do Vasco foram bacanas comigo, desejaram sorte. Até porque, sempre que falava da Guiné Equatorial na seleção e da nossa história, a imprensa lembrava que eu era do Vasco – garantiu Gilson.
Ele falou também sobre o jovem Wendel. Atleta que fazia uma peneira no Vasco e que acabou morrendo.
– Não conheci o garoto, mas claro que fiquei tocado com a situação. Mandei um e-mail para o pessoal sobre isso. (pausa) Vida que segue – refletiu Gilson, no único momento da entrevista em que ficou mais sério.
Por falar em Vasco, foi lembrada a semelhança não apenas física, mas também das situações em que ele e Cristóvao Borges viveram. O técnico do Gigante da Colina também pegou uma situação complicada, após o Acidente Vascular Cerebral (AVC) de Ricardo Gomes.
– Não tivemos a chance de conversar antes da minha viagem, mas ele é uma pessoa maravilhosa, desde a época em que jogava. Pegou o time de forma inesperada e faz um grande trabalho – avaliou o treinador.
BATE-BOLA
Gilson Paulo
Técnico da Guiné Equatorial
O governo da Guiné Equatorial atrapalhava o trabalho?
Eu não tive ligação com o governo e nem sei de nada, nem tive tempo de entender a situação política do país. Não me atrapalharam em momento nenhum.
E a federação?
Também não. Se eu me preocupasse com essas coisas, não conseguiria trabalhar. Eu procuro fazer a minha parte, que é no campo. Coisas fora do campo, os outros que se preocupem.
Como foi encontrar um grupo em que você não conhecia nada?
O tempo foi muito curto. Sempre quis juntar a força do africano com o jeito de jogar do brasileiro. E aos poucos fui fazendo isso , comecei a ver um sistema que pudesse encaixar, e deu certo.
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