Luiz Gomes: ‘Caso Tiffany: O que vale é decidir’

'A pior situação é reagir passivamente ao desafio de enquadrar-se a novas realidades, novos costumes e novas práticas de um mundo em transformação'

Tiffany Abreu, jogadora transexual do Sesi Bauru 
Neide Carlos/Vôlei Bauru

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Ao convocar a Seleção Brasileira de vôlei feminino para a temporada 2018, o técnico Zé Roberto Guimarães deixou de fora um dos maiores destaques da Superliga: a oposto Tiffany, do Sesi Bauru. Transexual, a jogadora está no centro de uma polêmica sobre os critérios e os limites que devem nortear, no esporte, a participação de atletas como ela. É uma questão delicada, da qual o Comitê Olímpico Internacional tem se esquivado mas que, nos próximos meses, poderá ter um desfecho a partir, exatamente, de uma decisão a ser tomada pela Federação Internacional de Voleibol.

A FIVB anunciou criação de um grupo de trabalho para estudar e definir, de forma conclusiva, os critérios para participação de atletas transexuais nas competições internacionais de vôlei. Serão estabelecidas novas regras, baseadas em fatores científicos e esportivos que, como afirma nota distribuída essa semana pela CBV, ao justificar a não convocação de Tiffany, “sejam pautadas em fundamentos sólidos, que promovam a inclusão sem comprometer o equilíbrio técnico entre as equipes”. E este é o ponto fundamental.

São raríssimos - no Brasil é uma situação inédita - os casos de um atleta que mudou de sexo e disputou competições masculinas e femininas ao longo da carreira. Aos 33 anos, considerando-se a frágil regulamentação atual do esporte, Tiffany se enquadra perfeitamente nos requisitos para jogar entre as mulheres: manter-se abaixo de um determinado limite de testosterona, o hormônio masculino, por pelo menos um ano, submetendo-se para tanto a testes regulares de avaliação.

Algumas vezes escolhida como a melhor jogadora em partidas da atual temporada da Superliga, Tiffany chegou a bater o recorde de pontos em um só jogo, colocando 39 vezes a bola no chão da quadra adversária, Ela não chega a ser um expoente, não é uma fora de série por suas virtudes técnicas, embora inegavelmente tenha talento. Mas se diferencia claramente pela força de suas batidas. Sua transição de sexo é recente, aconteceu há menos de três anos, quando passou a atuar em equipes femininas. Uma situação que, para muitos – inclusive atletas que convivem com ela, gera um desequilíbrio que a favorece.

Há, na balança de discussões, vários pontos a pesar. Especialistas no esporte, médicos e fisiologistas são praticamente unânimes em afirmar que, especialmente por ter feito a mudança de sexo aos 30 anos, Tiffany tem características físicas marcadamente masculinas que vão além da quantidade de testosterona. Seus pulmões, sua composição óssea e muscular, que têm influência direta no desempenho de um atleta, desenvolveram-se num corpo masculino, com as características de um homem. Isto é algo objetivo.

Por outro lado, há um papel importante de inclusão que o esporte, por sua própria essência, não pode e não deve deixar de cumprir. Como afirmou em seu blog certa vez Daniel Bortol​etto​, colunista de vôlei deste LANCE!, “a presença de Tiffany em uma competição para mulheres é uma vitória contra o preconceito, contra as barreiras da aceitação do diferente. Contra o discurso muitas vezes fundamentalista de quem vê apenas “o homem” e “a mulher” como opções possíveis”. Pura realidade.

Não se sabe qual será a postura final a ser adotada pela FIVB – vale lembrar, presidida pelo brasileiro Ary Graça, ex-presidente da CBV e que já está em seu segundo mandato. As teses são várias: estabelecer uma idade máxima para que o processo de mudanças de sexo de uma atleta possa ocorrer; limitar o número de transexuais de cada equipe, a fim de evitar um desequilíbrio técnico entre os times; rever os índices hormonais permitidos são alguns pontos em análise. Mas uma coisa é certa: só a decisão de tomar uma decisão já é um avanço. A pior situação, não apenas para o vôlei mas para o esporte em geral, é reagir passivamente ao desafio de enquadrar-se a novas realidades, novos costumes e novas práticas de um mundo em transformação.

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