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Hoje técnico, ex-goleiro do Santos critica 'zona de conforto' do futebol brasileiro

Dia 13/10/2015
12:37

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Depois de encerrar sua carreira como goleiro defendendo o Comercial-SP, clube que o revelou, Júlio Sergio não desistiu do futebol. Com passagem pelo Santos e durante muito tempo jogador da Roma (ITA), ele decidiu voltar ao Velho Continente para estudar e retornar ao Brasil pronto para assumir o posto de treinador de futebol.

Após realizar estágio pela Europa na companhia de Dorival Júnior, hoje técnico do Peixe, e Vagner Mancini, do Vitória, Júlio realiza seu primeiro trabalho como treinador à frente do modesto Crac-GO, que disputa as oitavas de final da Série D do Campeonato Brasileiro. Sua "estreia" não poderia ser melhor: são oito jogos disputados, com cinco vitórias e três empates. Ele ainda não conhece o sabor da derrota.

Júlio Sergio, porém, quase iniciou seu trabalho em outro lugar. Apalavrado com a Francana (SP), o agora treinador recusou a oferta justificando que o clube não apresenta a menor estrutura para que ele desenvolvesse sua filosofia de treinamentos adquirida depois de observar os melhores profissionais do mercado.

- O mínimo hoje tem que ser básicas condições de moradia e higiene, não só para o futebol, mas para o dia a dia do ser humano. Em relação a dinheiro, se você tem uma programação e cumprir o que prometer, independentemente de quanto seja, os jogadores se dispõem a jogar por isso. Lá não foi isso que aconteceu - lamentou.

Em entrevista ao LANCE!, Júlio não poupa críticas ao modelo estrutural do futebol brasileiro, revela as experiências e dificuldades que enfrenta no dia a dia como treinador, critica a "vontade repentina" de muitos ex-jogadores se tornarem técnicos da noite para o dia e se mostra adepto ao esquema de rodízio de jogadores.

VEJA A ENTREVISTA COM O JÚLIO SÉRGIO:

Como avalia sua primeira oportunidade como treinador?
Muito legal, cara. Disputar o Brasileiro, acho que poucos têm esse privilégio. Estou procurando aproveitar e aprender tudo aquilo que é possível.

Muitos treinadores surgem logo após parar de jogar. Você tomou um caminho inverso e decidiu estudar antes. Acha que pode ser um diferencial para seu futuro?
Eu acho que no Brasil, às vezes as pessoas acordam e decidem se tornar treinador de futebol. Numa opinião muito pessoal, não acho isso correto. Acho que tanto para categoria de base quanto para o profissional, as pessaos têm que ter o mínimo de noção. Óbvio que quem jogou tem mais noção e mais consciência do que deve ser feito, mas quem não viveu isso não sabe o que acontece no dia a dia, precisa ter estudado para saber como lidar. Então não acho certo acordar e decidir. Isso tende a mudar, como é feito na Europa, onde para treinar você tem que ter um certo nível de aprendizado.

Você foi para a Europa com o Dorival e com o Mancini. Hoje vocês três estão muito bem em seus clubes. Qual o grande segredo que vocês descobriram lá?
Acho que não é segredo, tem coisas que eles, com muito mais experiência e títulos, foram lá não só buscar, mas comprovar aquilo que eles vinham fazendo e, obviamente, se adaptar e melhorar. Eu fui acompanhar aquilo que fiz nos últimos oito anos que joguei na Europa, mas vendo com olhar diferente. Quando você é jogador, você vai ao treino e pensa: por que estou fazendo isso hoje sendo que o jogo é domingo? Tivemos a oportunidade de conversar com os melhores da atualidade. Não tenho problema nenhum em absorver informações, faz parte da evoluçao do ser humano. Acho que o Brasil está passando por essa evolução.

Considera os treinadores brasileiros desatualizados?
Não só os treinadores, mas também os jogadores precisam ter certas mudanças. Acho que os europeus têm entrega diferente nos treinos, uma execução tática diferente nos jogos e acho que os treinadores já perceberam essa evolução e se adaptaram antes dos jogadores. Mesmo se você tiver os melhores, se eles não cumprirem sua função, você corre o risco de um time menor em termos de qualiade te colocar em dificuldade. Passa também por organização, por tantos times que às vezes começam campeonato sem saber se podem chegar ao fim ou não. A estrutura precisa evoluir e ter uma seleção natural, onde só os mais preparados vão relmente chegar na frente. 

Por mais que o Guardiola, técnico com quem você estagiou na Europa, seja o grande ícone, vocâ aprende com técnicos daqui também?
Sem dúvidas. Muito! Tive grandes treinadores aqui. Treinador não é só aplicar ou não bom treinamento. O Dorival mesmo fala que treinador é um cara que soluciona vários problemas, tem de estar preparado para fazer com que você tenha ambiente interessante e time em evolução. Precisa fazer jogador entender coisas que façam ele evoluir. Tem que ter mais tempo para ser feito o trabalho. Os brasileiros estão entendendo, não adianta colocar melhor treinador que ele não vai fazer bom trabalho sem tempo. Jogadores estão começando a entender esse processo também. Aqui, em três rodadas já tem troca, aí chega outra filosofia e começa tudo de novo.

O São Paulo, por exemplo, decidiu apostar em técnico estrangeiro. O que pensa sobre a atuação dos gringos no Brasil?
Eu particularmente não tenho problema de nacionalidade. Acho que a partir do momento que o São Paulo deu oportunidade, que o São Paulo mantenha para que os jogadores entendam o que ele quer fazer. Fora do Brasil existe rodízio para preservar o jogador, que ele está exposto a qualquer tipo de lesão. Em um clube, é justo que todos joguem se você conseguir manter rendimento. Osorio está tendando fazer isso, o São Paulo talvez não tenha chegado no nível que ele quer e espera. Tenho certeza que se tiver tempo, vai conseguir fazer bom trabalho. Ele tem uma cultura e o brasileiro tem ranço de que as coisas não podem ser mudadas, mas se não mudar talvez não consiga mais resolver o problema nem com o melhor material humano.

Por que não temos técnicos brasileiros nos grandes centros europeus?
Se você chegar para dar sessão de treino como é no Brasil em qualquer outro lugar, eles talvez não vejam com bons olhos. Se você tenta implantar aqui o que é feito no resto do mundo, os jogadores também não vão gostar. Precisa de tempo para que os jogadores absorvam. Um exemplo: assisti ao jogo entre Roma e Barcelona na Liga e, para mim, o Barça é muito superior por questão de hábito. O Barça é acostumado a jogar daquele jeito. Isso que temos que entender. É um processo contínuo de evolução. Quando o brasileiro se dispor a fazer melhor alguma coisa, quando sair dessa zona de conforto, a gente começa a evoluir. E isso vai ser fantástico para todo mundo. Tenho tentado implantar coisas aqui e tenho tido ótimos resultados, mas não é fácil.

Como foi sua adaptação ao Crac? Conseguiu implantar sua filosofia?
Foi super tranquila. Achei que na parte física eu fosse ter algum tipo de problema em relação à intensidade e estilo de treinamento. Uma coisa engraçada que aconteceu foi a seguinte: presidente me perguntou quando tinha sido o primeiro coletivo e eu respondi que não tinha feito. Eles estranharam, e talvez eu demorasse ainda a fazer. Tem embasamento científico. Coletivo tem quase mesmo desgaste de um jogo e cada jogador leva um tempo específico para se recuperar. Então não tenho porque expor o atleta a isso. Existem outros modos de elevar o batimento cardíaco e condicioná-los para eu avaliar e ver o melhor naquele momento dentro do que penso. São essas coisas que a gente tem que administrar, mas o presidente é fantástico e faz um trabalho sensacional. Tudo que ele prometeu, ele cumpriu, e o que eu implantei, ele ajudou. Segredo é conversar bastante, ele não interfere no meu trabalho e nem eu no dele.

Você está invicto desde que assumiu. Esperava esse desempenho logo no início da carreira?
A gente sempre espera fazer um bom trabalho. Acho que os jogadores entenderam muito rápido aquilo que eu passei em termos táticos e são atletas que compraram um projeto. Nossa folha salarial é muito baixa e eles sonham com alguma oportunidade futura. Eles estão correndo muito e mostrado grande média de corrida ao final das partidas. Fico satisfeito. É legal ter essa mescla de jogadores e disponibilidade de luta. Tinha amigos treinadores que diziam que eu ia ter dificuldade, mas felizmente eu peguei um plantel inteligente e que se dedica.

[[GAL:LANPGL20150915_0005]]

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