Prass fala em história linda e admite: adeus ao Palmeiras pode ser domingo

Em entrevista exclusiva ao LANCE!, goleiro de 40 anos diz não se imaginar em outro clube, mas seu contrato acaba em 31 de dezembro e a prioridade ao Verdão vai até segunda-feira

Prass afirma que está no Palmeiras há seis anos pelo status que mantém com a torcida
Fernando Prass acredita que está no Palmeiras há seis temporadas pelo status que mantém com torcida (Divulgação)

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Chegada para disputar e vencer a Série B em 2013, escapar do rebaixamento em 2014, mosaico 3D na final da Copa do Brasil de 2015, título brasileiro em 2016 com homenagem no jogo que selou a conquista, ir às lágrimas ao ganhar o Brasileiro de 2018 como reserva... Todas essas imagens, que marcam a história de seis anos de Fernando Prass no Palmeiras, estão ainda mais vivas na mente do goleiro. Ele admite se despedir neste domingo, contra o Vitória.

Aos 40 anos de idade, o camisa 1 tem contrato até 31 de dezembro e ainda não houve conversa para renovar. Seu empresário foi orientado pelo próprio jogador a não abrir negociações com outros clubes que já o procuraram até segunda-feira, seu limite para dar prioridade ao Verdão. Uma prova de sua enorme identificação com o clube que ajudou a reconstruir.

Prass conversou com o LANCE! sobre um ano atípico, passando a maior parte do tempo na reserva, falou da emoção que demonstrou com a confirmação do Brasileiro no domingo, exatamente diante do Vasco, time onde também é ídolo. O goleiro, atleta há mais tempo e com mais jogos (263) no elenco do Palmeiras, não consegue se imaginar vestindo outra camisa. Mas, ao mesmo tempo, é realista ao dizer que neste domingo, no último jogo do ano, pode dar adeus.

Confira abaixo a entrevista exclusiva com Fernando Prass:

LANCE!: No domingo, você foi campeão brasileiro de um jeito diferente, no banco, na casa de um clube onde também é ídolo e foi às lágrimas. Como foi essa sensação?
Fernando Prass:
Foi para extravasar. Primeiro que, no banco, você fica mais tenso do que jogando, com uma tensão reprimida, não bota para fora com o exercício, com o jogo. Segundo, são esses dois fatos: um título brasileiro, de uma maneira diferente, e a recepção que tive pela torcida do Vasco, seis anos depois... Não é que saí há um, dois anos. E eu ali como adversário, inimigo, com o time lutando para não ser rebaixado. Ali, no fim, meio que caiu a ficha e acaba emocionando um pouco. Veio muita coisa na minha cabeça. O título, da maneira como foi, virando o primeiro turno bem atrás e conseguindo uma recuperação incrível. Aí, a parte emocional veio à tona.

Depois do primeiro turno, você pensou que não daria para ser campeão?
Quando o São Paulo abriu uma vantagem grande, sendo campeão do primeiro turno, com oito, nove pontos na frente, sabíamos que era importantíssimo fazer um segundo turno perfeito. Mas ainda tínhamos Copa do Brasil e Libertadores, e o São Paulo, só o Brasileiro, como aconteceu quando o Corinthians foi campeão brasileiro com um bom primeiro turno. Sabíamos que teria essa mescla, que ia rodar o time, e isso, às vezes, prejudica. Mas a resposta que o time que estava jogando o Brasileiro deu foi absurda: 22 jogos sem derrota e uma pontuação extremamente alta. Quando empatamos com o Inter no Beira-Rio, com um time alternativo, vamos dizer, e vencemos o São Paulo no Morumbi, quebrando uma escrita de muito tempo, ali meio que matamos o São Paulo em termos psicológicos e crescemos muito. A partir daquele jogo, ganhamos uma força incrível.

Nesse jogo contra o São Paulo, tem um vídeo nos bastidores com você falando que foi uma partida perfeita. Já viu ali que poderia ser um ponto de afirmação?
Não lembro do vídeo, mas lembro que comentei com alguns jogadores que tínhamos feito um jogo absurdo. O São Paulo foi chutar uma bola no gol com 42 minutos do segundo tempo, em um Morumbi com 60 mil pessoas, né? E com o time completo, o Everton tinha voltado só para aquele jogo. Foi uma prova de fogo muito grande, e não ganhamos no detalhe, mas com imposição, méritos, fomos bem superiores ao São Paulo naquele jogo.

Todos os jogadores citam essa vitória como marcante. O tabu de 16 anos sem o Palmeiras ganhar do São Paulo no Morumbi acabou entrando em campo?
Não. Entra para mostrar que é um jogo historicamente difícil, que o Palmeiras não perdeu um ou dois jogos, mas historicamente é difícil jogar lá. Então, alguma coisa tem: um time de qualidade, um campo complicado. Não é à toa que os tabus se constroem. Mas, também, tem outro lado: o time que jogou lá, praticamente, nunca tinha jogado contra o São Paulo no Morumbi. Sinceramente, durante a semana, o tabu pode até entrar, mas, quando você começa a jogar ali, esquece de tudo. Às vezes, falam que tem bicho especial para ganhar determinado jogo, mas, na hora, dentro de campo, isso nem entra na cabeça do jogador.

E como foi essa experiência de ficar mais no banco, ajudando mais no dia a dia e vendo o jogo de outra perspectiva?
Olha, é difícil de acostumar, né? Depois de tanto tempo jogando... Meu primeiro ano profissional foi no Grêmio, em 1999, e fiquei na reserva. Depois, foram 18 anos praticamente jogando. Só que sempre tive o discurso de que o grupo era importante, de privilegiar o grupo. E o maior exemplo é pela prática, porque discurso todos falam. Vemos todos exaltando o grupo, mas, na prática, quando precisa ter atitude, às vezes, algumas pessoas agem diferente. Quando você joga, ajuda dentro de campo: o goleiro, com defesas, o atacante, com gols. Quando você está fora, não pode ficar nulo, tem de ajudar de alguma maneira. As pessoas veem o futebol de quarta e domingo, com os os 11 que entram ali dentro, nos 90 minutos, mas aquilo ali é só a pontinha do iceberg. O futebol tem muito mais, o dia a dia, o treinamento, o lado humano, o relacionamento dos jogadores, como qualquer outra pessoa, com problemas, divergências. Quando o cara está fora, às vezes, presta muito mais atenção nesse outro lado que foge de dentro das quatro linhas. Aí, você tenta, de alguma maneira, já que não pode ajudar dentro de campo, ajudar do lado de fora.

Por tudo que você representa, sente que essa sua postura ajudou no rodízio de times do Felipão? Os jogadores podem pensar "se o Prass, que é ídolo, não está reclamando do banco..."
Não sei, isso seria bom para os outros responderem. Procuro não mudar minha conduta. Sou um cara jogando e sou o mesmo cara não jogando. Não se pode ter duas personalidades, ser um cara de grupo e superpositivo quando está jogando e, quando não está jogando, ser negativo, individualista. É óbvio que o cara fica chateado se não jogar, isso é natural. O jogador que estiver em um clube como o Palmeiras e conformado, feliz, contente e realizado na reserva, é um mau profissional e não é um profissional confiável, porque vai estar se enganando e enganando ao clube. Mas não sei o que passa na cabeça das pessoas. Procuro ter a mesma postura sempre.

O Felipão sempre incentivou lideranças onde trabalhou, e você sempre foi líder. Tiveram alguma conversa sobre isso?
Não. Ele nunca tocou nesse assunto nem teve uma conversa particular comigo sobre qualquer situação relacionada a isso.

Depois do jogo contra o Vasco, ficou marcante também você correndo para abraçar o Weverton e o Jailson chegando em seguida para uma comemoração entre os goleiros...
Sempre falo: se eu e o Jailson quisermos ficar p... com alguém, é com o Felipão, não chateado com o Weverton. O Weverton está fazendo o trabalho dele, assim como se eu jogar. O jogador pode ficar descontente com o treinador, o preparador de goleiros. Descontente, mas respeitando a decisão. Mais do que respeitar o colega, respeitar a hierarquia e o comandante. Imagina: temos 28 no grupo, só 11 jogam, se tiver 17 caras fora de cara feia, insatisfeitos, mal humorados, puxando para baixo, não vai dar certo. Não tem time que ganha assim.

Mesmo com você no banco, o carinho da torcida não diminuiu nada e há até uma campanha para você ficar. Como você explica isso?
De repente, a torcida conheceu outro lado meu. Ela me via jogando, e é óbvio que, quando o jogador está jogando, tudo é bom, tudo são flores. Por isso, o jogador não pode ter duas caras, duas personalidades. Temos de olhar tudo pelo lado positivo. É claro que tem coisas ruins, mas, de repente, foi a chance de o torcedor conhecer esse meu outro lado, que sempre esteve aqui, mas nunca era mostrado, explorado porque eu estava sempre jogando. Mas a minha relação com a torcida sempre foi muito boa. O carinho que eles têm por mim é excepcional. Tomara que possa acontecer como no Vasco: seis anos depois, voltei, em um time adversário, e fui muito aplaudido. É sinal de que as coisas que fiz lá foram corretas e positivas.

Você vai para o jogo de domingo pensando que pode ser uma despedida?
Sim, sim. Pode ser, né? Tenho contrato até 31 de dezembro, é o último jogo do ano, ainda não renovei. Pode ser, sim.

Mas já houve alguma conversa para renovação?
Não. Ainda nada. Vamos ver, vamos esperar.

Você sempre fala que está bem fisicamente e quer continuar jogando, e não só por mais um ano...
Fica até chato eu falar que estou bem, que meus testes de força e potência do ano passado para este aumentaram 10%, que meu percentual de gordura chegou a 9,5%, como eu nunca tinha chegado na vida, e até disseram que não posso baixar mais, preciso aumentar. E isso com 94 kg, aumentei a massa muscular em 3, 4 kg. Só que isso parece propaganda minha, né? Quem está aqui no dia a dia até pode falar melhor disso. Mas a maioria dos jogadores quer jogar por mais tempo. Mas não é que quero jogar, eu me preparei para isso. Abri mão de muita coisa, praticamente não tomo mais minha cerveja, não como doce, mudei a minha alimentação, sem gordura, fritura. Não é simplesmente querer jogar, tem de fazer por onde para ter condição física. Ninguém ganha condição física por acaso. Muita gente falava da genética do Zé Roberto, mas não viam o que o Zé Roberto fazia: era um animal treinando, com alimentação super-regrada. Falavam que o Zé Roberto era um privilegiado, mas era privilegiado pela dedicação e força de vontade que tem.

Por quanto tempo você acha que consegue jogar ainda?
Eu me preparo e me considero bem preparado para jogar mais dois anos. Aí, depois... Até conversei com o Zé: não tem como saber, depois disso é ano a ano. No final de cada ano, fazemos uma avaliação, como estamos, se a cabeça está boa. Mas, a princípio, vou jogar, no mínimo, mais dois anos. No ano que vem e mais um.

Por toda a sua história, o Palmeiras é o clube com quem você mais se identificou na carreira?
É. Falo com amigos meus: não quero que aconteça, mas, se a minha história com o Palmeiras acabar no domingo, pô, será uma história maravilhosa, linda, e com uma final muito bom, bicampeão brasileiro. Passei por tudo. Joguei Série B, fui campeão na Série B, joguei Libertadores, Brasileiro, Copa do Brasil, fui campeão brasileiro, quase fui rebaixado no Brasileiro, estive na primeira derrota e na primeira vitória no Allianz, estive no primeiro título no Allianz. Nessa história que o Palmeiras está escrevendo, tenho uma participação. Comparado aos outros clubes que defendi, foi o mais marcante, sim.

Neste ano, também ficou marcante o seu abraço no Dudu depois da eliminação para o Boca Juniors, na Libertadores, no campo do Allianz Parque...
Agora que não estou jogando tanto, fico mais atento a esse extracampo. Vi quanto o Dudu sofreu. Depois do jogo contra o Inter, quando ele não comemorou porque a torcida estava pegando no pé dele, fomos jogar contra o Boca, a torcida foi pegar no pé dele lá. As pessoas não veem porque veem o jogo só, com o cara entrando em campo. Não veem o que se passa no dia a dia, na concentração, na resenha que ficamos no hotel, nos quartos. Sou um cara próximo ao Dudu e senti com ele isso. Eu me coloquei no lugar dele depois daquele jogo, imaginei o que estava passando pela cabeça dele, por tudo que se fala da saída dele para ir para algum outro clube, no que ele passou no ano, e fui lá mais para dar um abraço de "vamos lá que temos mais coisa ainda, vamos lamentar, mas passou". Foi mais nesse sentido.

Falando dessa passagem marcante, você é o único do elenco que ganhou um mosaico 3D, exibido no Allianz Parque, antes da final da Copa do Brasil de 2015. Aquela imagem ainda passa pela sua cabeça?
Passa, passa. É uma das imagens que tenho na minha casa, um rapaz me deu um quadro desse mosaico. Foi uma coisa surpreendente. Se fosse depois da Copa do Brasil, eu até entenderia. Esse cara parece que foi um visionário, porque ninguém pensava que iria acabar daquele jeito a Copa do Brasil. Se contasse a história depois, até que tudo bem. Poucas vezes eu tinha visto uma homenagem assim. Na hora, até pensei "por que eu?" Tinha tanto jogador ali de nome, como Barrios, Dudu, Cleiton (Xavier)... O pessoal me explicou depois que foi justamente por causa de uma ideia que tenho: me perguntaram se 2015 foi o ano mais importante para o Palmeiras porque recolocou o Palmeiras como protagonista, mas falei que foi 2014, sem dúvida nenhuma. Se caímos em 2014, no ano do centenário e na inauguração da arena, 2015 e 2016 não iam existir como foi. Então, 2014 foi mais importante. Essa homenagem foi também por 2014.

O que falta ainda para você no Palmeiras?
Falta uma Libertadores, né? Faltam uma Libertadores, um Estadual... Em termos de título, é isso. Agora, em termos de história, chegar aos 300 jogos, aos 400, vencer, ficar cada dia mais identificado com o clube. Não tem como um jogador dizer que vai sair do clube porque já conquistou tudo. Pode ter conquistado todos os objetivos, mas o futebol não é só título. É um legado que você deixa, um exemplo, uma maneira de conduta. Ainda me vejo com muita coisa para fazer aqui.

O Palmeiras tem hoje o Weverton, titular que quase bateu o recorde sem levar gols no Brasileiro, e o Jailson, muito querido pela torcida, mas quem os palmeirenses cantam que é o melhor do Brasil é você, inclusive depois do pênalti que você defendeu contra o Junior Barranquilla, na Libertadores. Como você vê esse status?
É um dos motivos para eu estar aqui até hoje. Já tive chance de sair, no ano passado tive uma renovação bem arrastada e complicada. Mas fiquei por causa disso. Fiquei porque sou muito bem tratado aqui. É óbvio, sou profissional, remunerado, e quero sempre ganhar bem, ganhar mais. Mas, em certos momentos da vida, não abrimos mão da outra situação, mas privilegiamos alguma.

Com base nisso tudo, você consegue se imaginar pegando o carro e indo para outro centro de treinamento no ano que vem?
Até hoje, não pensei nisso. Agora, se chegar segunda-feira e o Palmeiras não me procurar, ou me procurar e dizer que não tem intenção de renovar comigo, vou ter de pensar, né? Mas, até hoje, isso não passa pela minha cabeça.

Outros clubes já te procuraram?
Já. Não diretamente para mim, mas já falaram com meu empresário. Só que falei para ele: não quero nem saber. A partir de segunda-feira, quando jogarmos o último jogo. Ele até me falou que já foi campeão, mas não tem isso. Quando acabar o campeonato, segunda-feira, comigo saindo de férias, aí sim ele pode me ligar e, se tiver alguma coisa, me passar. Até lá, não sei o que ele vai falar para os caras, mas a explicação é essa: converso só a partir de segunda-feira se o Palmeiras não demonstrar interesse na minha renovação.

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