‘Low profile’, Coutinho tirou de letra a sombra do amigo Neymar

Da mesma geração do craque brasileiro dos últimos anos, meia da Seleção e do Barcelona cresceu vendo a badalação do amigo, mas sempre foi o oposto. Virou um 'Homem de Gelo'

Philippe Coutinho é o mago do time de Tite e da frieza nas decisões
(Arte: Jader Ferraz)

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Durante muito tempo, quando se falou em Neymar, naturalmente se falava de Ganso. Os dois formaram uma parceria brilhante no Santos, que levou a opinião pública a pressionar o técnico Dunga para convocá-los para a Copa do Mundo de 2010. Imaginava-se que eles disputaram outras, inclusive a de agora, por que não? Hoje, Neymar se prepara para a disputa da sua segunda Copa, enquanto Ganso está encostado no Sevilla (ESP), muito distante daquela perspectiva que se colocava sobre ele lá atrás. A sorte do Brasil é que outro parceiro do maior craque tomou um rumo diferente. Philippe Coutinho foi  companheiro de Neymar em todas as categorias de base Seleção e com um comportamento oposto tirou de letra a sombra do amigo para manter a parceria na Rússia e se tornar um dos 23 "Homens de Gelo" do técnico Tite. Avesso a badalações e de humildade incomum para os astros, Coutinho é o décimo personagem da série do LANCE! sobre o grupo que tentará o hexa em 2018.

UMA ESTRELA PRECOCE. MAS SEM HOLOFOTES


Desde muito cedo, Philippe Coutinho foi encarado como uma grande joia da base do Vasco, clube no qual chegou aos oito anos para jogar futsal. Entre os profissionais do clube, havia o consenso de que era questão de tempo para ele explodir. Seu nome sempre saiu na mídia. Foi convocado para todas as seleções de base. E isso se comprovou com a venda para a Inter de Milão em 2008, quando o atleta tinha apenas 16 anos. Mas esse sucesso prematuro chegou sem ser acompanhado dos holofotes, que na época se curvavam para Neymar, a maior estrela do país. E muito por opção de Coutinho.

Coutinho fez sua trajetória nas categorias de base da Seleção vendo de perto o tratamento de estrela do amigo Neymar. Eles são nascidos em 1992 e sempre foram companheiros com a Amarelinha. Mas, enquanto o então atacante do Santos tinha tudo de popstar, a joia do Vasco preferia a discrição. Um 'Low profile", para se utilizar de um famoso termo em inglês para quem prefere viver à margem da fama.

- Normalmente, jogadores com essa pecha de promessa acabam criando um comportamento não muito adequado, porque acabam se deslumbrando com o que o meio do futebol oferece. Muitos com patrocinadores, recebem inúmeras ofertas de agentes. A maioria tem altos salários. E isso atrapalha o desenvolvimento. Com o Coutinho foi diferente, o que mais ele gostava era de trabalhar. Sabia das dificuldades dele, porque demorou para atingir a situação de maturação física. Tanto que o apelido dele era Philippinho. Então ele ficava em regime de concentração constante, treinava dois períodos. Só não treinava com situação de grande responsabilidade na escola, que não podia faltar. E isso sempre chamou a atenção - conta Rodney Gonçalves, técnico de Coutinho nas categorias de base, o último antes dele subir ao profissional.


Técnico de Coutinho na Seleção sub-20 campeã do mundo em 2009, Ney Franco lembra bem desse traço da personalidade do jogador. Cita o contexto da convocação do jogador para aquela competição e sua postura diante dos companheiros. Na ocasião, Neymar não jogou, pois não foi liberado pelo Santos. Assim, era Coutinho, já na Itália, a maior estrela do grupo. Mas ele não vestia esse traje.

- Ele chegou no grupo, a maioria ainda jogava no Brasil, e ele era a referência. Chegou não tão bem fisicamente, vinha de lesão, percentual alto de gordura. Conversamos com ele, ele se esforçou muito na parte física, e isso me chamou muito atenção. A humildade dele, já jogando na Europa, e fez questão de ficar no mesmo plano dos companheiros. Isso não é comum entre garotos assim - afirma. 

Naquele ano de 2009, Coutinho se transferiu para a Itália tendo atuado apenas um ano profissional no Vasco. O país ainda tinha visto muito pouco da promessa em campo. Por outro lado, Neymar e Ganso disputaram sua primeira final de campeonato juntos e já encantavam, dominando as manchetes.

O SUCESSO SOBRE NEYMAR, MAS SÓ DENTRO DE CAMPO

Coutinho e Neymar eram muito amigos na Seleção, mas no clube era cada um na sua. Um exemplo marcante foi a Copa do Brasil sub-17 em 2008. Coube ao destino que os dois se encontrassem na final. 

Antes, Coutinho deu outras demonstrações de como o sucesso não lhe subia à cabeça. Na época, a venda para a Inter de Milão já tinha sido anunciada. Nada que alterasse seu comportamento com o time.

- Durante a competição, à noite, recebi a notícia de que ele tinha sido negociado com a Inter e que iria viajar depois do jogo. Já estava a badalação, aí antes perguntei: "Você está preocupado, quer sair do jogo? Estou achando que você está aéreo". Ele disse: 'Não, estou bem". Foi difícil porque brigávamos por classificação e o primeiro tempo foi 0 a 0. Terminou o jogo 3 a 0, três gols dele. Classificamos, ele viajou para a Inter, uma quarta-feira. A gente jogou na quinta. E depois no domingo - relembra Rodney.

Na sexta, depois da classificação para a final, o telefone do treinador tocou. Era Coutinho.

- "Professor, só para falar que foi tudo bem, estou de volta. Estou te ligando para pedir para me presentar e jogar a final". E eu falei não, porque tinha sido vendido. E ele: "Não, quero voltar para decidir!" E aí falei que não podia decidir, que era o profissional. E ele de pronto ligou para o profissional - conta o técnico.


Coutinho jogou e o desfecho da história não poderia ter sido melhor e mais simbólico.

- A final foi Vasco e Santos, ele enfrentou o Neymar, e ganhamos de 2 a 1. Ele deu uma assistência. O Neymar jogou na raça, tava machucado, mesmo assim ainda fez o gol.

Na comemoração do título, novamente Coutinho, apesar de ser campeão, viu a badalação ir para o amigo Neymar. Mas quem disse que ele ligava?

- Estavam as delegações lá no Sesc em Vitória, Espírito Santo, e o Philippe tinha sido campeão, vendido para a Inter, estava sentado no cantinho, super na dele, parecia que nada tinha acontecido. E o Neymar todo trajado, sempre da Nike, todo mundo badalando. Aí comentei com minha comissão: "Os dois talentos, um mais menino que o outro, Neymar estava muito mais vivo, mais malandro para essas coisas. Comparado ao Neymar, o Coutinho demorou mais para entender esse universo que estava em volta. Não mexia com ele - relata Rodney.

PARCERIA QUE NÃO SE ACABA

Para sorte dos brasileiros, Coutinho e Neymar, da geração 92, seguiram se encontrando e fazendo sucesso na Seleção. E da mesma forma, um superstar, o outro mais contido. Por ironia do destino, a dupla é hoje a mais cara da história do futebol. Neymar, em primeiro, claro, registrou a maior transação do planeta com sua ida do Barcelona para o PSG por 222 milhões de euros (cerca de R$ 862 milhões) na época. E quem o Barcelona pegou para substituí-lo? Coutinho, pagando 160 milhões de euros (cerca de R$ 622 milhões) ao Liverpool.


Eles chegam à Copa como grandes esperanças do Brasil. Para Tite, representam a maior força do improviso, aquilo da genialidade do jogador brasileiro que pode decidir qualquer jogo. O treinador espera festejar com ambos o hexa na Rússia. Mesmo que na comemoração, Neymar seja o foco e Coutinho esteja em um canto curtindo ao seu modo. 

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