Lista de técnicos estrangeiros do Brasileiro-2021 é alta, mas ainda sobram desafios para afirmação
Abel Ferreira e Juan Pablo Vojvoda se sobressaem. LANCE! faz um panorama da temporada marcada por dificuldade de adaptação, passagem rápida e também voto de confiança
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A busca por atravessar fronteiras continuou a marcar o Campeonato Brasileiro. Dois anos após o português Jorge Jesus comandar o Flamengo campeão brasileiro e da Copa Libertadores, a lista de técnicos estrangeiros na Série A aumentou. Enquanto no ano de 2020 havia sete nomes, a edição recém-encerrada trouxe um recorde nos pontos corridos: nove comandantes de outras nacionalidades desembarcaram no Brasil. Contudo, sobraram peculiaridades e desafios nesta rotatividade.
AINDA SOB 'EFEITO' DE JORGE JESUS
Ao LANCE!, o comentarista esportivo das rádios CBN / Globo, Carlos Eduardo Eboli, critica a visão míope dos gestores do futebol nacional ao contratarem treinadores. Aos seus olhos, a associação ao trabalho de Jorge Jesus no Flamengo contribui para a chegada de imigrantes.
- A cultura de gestão no futebol brasileiro é muito mais movida por ondas na hora de contratar treinadores do que por convicções. O número elevado de técnicos estrangeiros tem reflexo ainda no trabalho do Jorge Jesus no Flamengo em 2019. Os gestores dos demais clubes viram a possibilidade de transformar a exceção em uma regra. Acaba se tornando uma mera imitação, sem critérios próprios. Em vez de um estudo aprofundado sobre um profissional, o clube vai atrás apenas do passaporte - declarou.
O próprio Jesus tem seu nome pedido pela torcida rubro-negra com frequência nas redes sociais.
ABEL FERREIRA: TÍTULOS NO PALMEIRAS
Coube a um compatriota de Jesus cravar com veemência seu nome na história do futebol brasileiro. Contratado em outubro de 2020, Abel Ferreira logo de cara levou o Palmeiras ao bicampeonato da Copa Libertadores e a mais uma conquista de Copa do Brasil. Já ao final de 2021, o Verdão foi novamente à final da principal competição continental e se sagrou tricampeão.
O comandante, de forma recorrente, se queixou do calendário do futebol nacional.
- Logicamente que o calendário vai ter uma interferência. E já tem, pela quantidade de lesionados que temos. Queria ter todos os jogadores disponíveis. Infelizmente, não temos. Esse grupo, essa equipe técnica e esse clube têm a capacidade de fazer das tripas coração - afirmou, após a goleada por 5 a 0 sobre o Independiente del Valle-EQU, no primeiro semestre.
Eboli também contesta o planejamento das datas no futebol nacional. Além disto, vê no calendário um empecilho muito duro para técnicos de fora que chegam ao país.
- Quem vem do exterior passa por uma série de adaptações ao Brasil, inclusive a um calendário de jogos estupidamente mal feito e com uma característica só nossa, que é a de ter um Campeonato Estadual! Uso como base o que o Abel Ferreira falou sobre a falta de tempo para treinar. É só descansar, jogar, descansar, jogar. Não há tempo para desenvolver ideias - e frisou:
- O mercado brasileiro sufoca o profissional. Muitos treinadores estrangeiros que não abrem mão de suas convicções esbarram nesses obstáculos - acrescentou.
JUAN PABLO VOJVODA: FEITOS HISTÓRICOS NO FORTALEZA
A temporada também foi de expansão de olhar para o Fortaleza. Graças ao argentino Juan Pablo Vojvoda, o clube foi semifinalista da Copa do Brasil e, ao ficar no G6 no Brasileirão, se credenciou para, em 2022, disputar pela primeira vez uma Copa Libertadores.
Presidente do Tricolor do Pici, Marcelo Paz falou sobre a "onda" de estrangeiros e exaltou as escolas da Argentina e de Portugal.
- Atribuo a atenção voltada por exterior à busca por novos modelos de jogo, por um perfil de profissional com formação acadêmica melhor. Não é à toa que os portugueses e argentinos estão em vários países do mundo. Os treinadores brasileiros estão em vários países do mundo, isso é histórico, mas acho que essa diversidade faz crescer o produto do futebol brasileiro. É assim nas principais ligas do mundo - disse.
Aos olhos do dirigente do Fortaleza, a adaptação de profissionais do exterior à realidade nacional é sujeita a uma série de fatores.
- Tem treinador que se adapta, como foram os casos do Jorge Jesus, do Abel Ferreira, do Vojvoda, enquanto outros têm mais dificuldade. É claro que vai muito da cultura de resultados. Alguns duraram pouco tempo aqui pois os resultados a curto prazo não vieram e os dirigentes optaram por mudanças.
Em entrevista ao LANCE! na Jogada, Paz contou que Vojvoda fez uma "imersão no clube" e correspondeu ao perfil ofensivo projetado para o Fortaleza.
JEITO CURIOSO DE 'ADEQUAÇÃO À REALIDADE BRASILEIRA'
O Internacional simbolizou em 2021 o modo como um clube traça o perfil de treinadores vindos do exterior. Inicialmente, a equipe voltou seu olhar para o espanhol Miguel Ángel Ramírez, que tinha passagem de destaque pelo Independiente del Valle. Contudo, seu trabalho foi interrompido em junho, após, em 21 jogos, a equipe obter dez vitórias, ter quatro empates e sofrer sete derrotas.
Repórter da Rádio Gaúcha, Rodrigo Oliveira contou o que pesou para a saída de Ramírez.
- O trabalho do Miguel foi um desastre no Internacional. Ele tinha uma ideia muito legal na teoria. Inovadora, moderna, mas acho que ele foi pouco flexível, pois tentou forçar suas ideias em um modelo de jogo no qual o Inter não tinha atletas para implementar. Além disto, o time não evoluía, mas ele seguia insistindo. O time que era bom no contra-ataque passou a ficar dando toque de bola e isso prejudicou os demais jogadores. Após a sequência de maus resultados no Brasileiro, o Ramírez não teve como seguir - afirmou.
A diretoria colorada recorreu a outra alternativa estrangeira para seu sucessor. O uruguaio Diego Aguirre chegou ao Beira-Rio para mais uma empreitada sua no futebol nacional.
- O Aguirre é um estrangeiro que já sabe se adaptar à realidade brasileira. Está muito calejado com a forma como funcionam as coisas aqui - apontou Carlos Eduardo Eboli.
Aguirre foi jogador do Internacional e do São Paulo e, após pendurar as chuteiras, trabalhou como treinador no Tricolor paulista e no Atlético-MG. Durante o Brasileiro de 2021, iniciou sua segunda passagem como treinador do Colorado. Aos olhos de Rodrigo Oliveira, o uruguaio soube não ser tão inventivo.
- Ele sabe se adaptar às características do grupo que tem. Assim que chegou ao Inter, passou a organizar a equipe a partir da defesa, muito parecido com o trabalho do Abel Braga no Brasileiro de 2020. Na verdade, como o Diego Aguirre está muito adaptado ao futebol brasileiro, passa a ser um estrangeiro só no passaporte. Não dá para esperar do Aguirre um cara que procura uma ruptura, algo inovador, como foi tentado com o Crespo, por exemplo - declarou.
ESPERANÇA 'MINADA' POR TROPEÇOS
Os maus resultados deixaram para trás mais de uma busca por novas ideias para o futebol brasileiro. Contratado após, em 2020, levar o Defensa Y Justicia ao título da Copa Sul-Americana, Hernán Crespo chegou a dar um promissor cartão de visitas no São Paulo. O argentino tirou a equipe do jejum de títulos no Paulistão.
No entanto, o fim do sonho do tetra na Copa Libertadores e a queda na Copa do Brasil, aliados aos fracos resultados no Brasileirão, interromperam sua passagem antes do previsto. Em 53 partidas sob seu comando, os são-paulinos tiveram 24 vitórias, 19 empates e dez derrotas.
- Muitos estrangeiros implementam uma nova filosofia, podem acrescentar coisas boas ao futebol brasileiro. Mas eles acabam indo para a mesma "ciranda" do resultado. Por mais que o técnico seja bem-sucedido, tenha um nome, se não tiver resultado, vai ser colocado em xeque - destacou o comentarista Carlos Eduardo Eboli.
Para o lugar de Crespo, o São Paulo recorreu a Rogério Ceni, ídolo em campo e que voltou a ocupar o cargo de técnico credenciado pelos trabalhos no Fortaleza, onde foi campeão da Série B de 2018 e da Copa do Nordeste de 2019, e por comandar o Flamengo na conquista do Brasileiro de 2020.
DESGASTE E PEDIDO DE DEMISSÃO
Antes de chegar ao bicampeonato da Copa Sul-Americana e à final da Copa do Brasil, o Athletico-PR lidou com desafios nos bastidores. O português António Oliveira entregou o cargo.
A insatisfação devido a desgastes internos ficou ainda maior devido à surpreendente eliminação do Furacão para o FC Cascavel na semifinal do Campeonato Paranaense. De acordo com o "GE", António se queixava das poucas opções para um elenco que chegou a disputar quatro competições ao mesmo tempo.
Com o português, o Athletico teve 21 vitórias, sete empates e 12 derrotas em 40 jogos. Para o seu lugar, o clube recorreu também a um treinador bem rodado: Alberto Valentim. O Furacão foi campeão da Copa Sul-Americana e finalista da Copa do Brasil.
DABOVE, O BREVE
O Bahia exigiu de um estrangeiro respostas a toque de caixa. Após ter o português Bruno Lopes como interino (ele faz parte da comissão técnica da equipe B do clube), o Tricolor baiano depositou as fichas no técnico argentino Diego Dabove, que tinha passagens por Godoy Cruz, Argentinos Juniors e San Lorenzo .
Contudo, o período de Dabove como sucessor de Dado Cavalcanti durou só seis jogos. Em 45 dias, o Bahia só teve uma vitória. Repórter do "Bahia Notícias", Ulisses Gama apontou o que não deu certo.
- O Dabove era muito querido internamente, buscou um bom relacionamento no clube, mas seu trabalho não encaixou. Ele não tinha conhecimento sobre futebol brasileiro ou sobre o clube que treinava. A cada jogo, escalava um time diferente. À medida que os resultados não vieram, acabou demitido - disse.
A diretoria recorreu a um nome muito familiarizado com a rotina na Fonte Nova. Guto Ferreira desembarcou mais uma vez no clube, so que não evitou o rebaixamento.
RARO PRESTÍGIO EM MEIO A TEMPOS DIFÍCEIS
O Sport também foi ao exterior buscar um técnico capaz de mudar sua postura no Campeonato Brasileiro. Gustavo Florentín desembarcou na Ilha do Retiro no decorrer da competição. E, mesmo não evitando o rebaixamento, o paraguaio foi "bancado" para 2022.
Ao L!, o mandatário do Leão, Yuri Romão, contou o que pesou para o acerto com o técnico, que anteriormente comandou clubes como Cerro Porteño, Guaraní e o boliviano The Strongest,
- Ele foi recomendado pelo mesmo empresário do Vojvoda e do Morínigo (Gustavo Morínigo, treinador que levou o Coritiba à elite nesta temporada). O perfil do Florentín é muito disciplinador e ofensivo e isto pesou para a gente. Além disto, muitos técnicos brasileiros pedem um valor maior do que os sul-americanos. Demos sorte, pois o Gustavo é um treinador que valoriza muito a parte técnica e tática - afirmou.
Romão também exaltou a conduta de Florentín no dia a dia na Ilha do Retiro.
- Ele trouxe um novo ambiente para o clube. Além disto, tivemos uma reciclagem do corpo técnico e o Florentín não fugiu da responsabilidade de assumir uma equipe com grande torcida, como é o Sport. O Sport tem uma torcida que cobra a técnica e também a garra - frisou.
Repórter da Rádio Jornal do Comércio, Igor Moura detalhou alguns pontos que mantiveram o paraguaio no cargo para 2022.
- A maioria da torcida gosta do Florentín. Ele vibra muito com a equipe, mudou muito o jeito dos atletas jogarem em relação ao que era com o Umberto Louzer. Por mais que o paraguaio tenha chegado com desconfiança, o Sport se tornou uma equipe bastante competitiva. Quando vieram as vitórias seguido sobre Grêmio, Corinthians e Atlético-GO, houve até uma expectativa da equipe permanecer na elite, mas já era tarde - e acrescentou:
- A diretoria reconhece erros de planejamento mas, mesmo com um elenco bem curto, o Florentín deu uma "cara" ao time. Por conta disso, ganhou uma chance de permanecer no ano que vem - finalizou.
COMO SERÁ AMANHÃ?
Mesmo depois de mais uma edição com "invasão estrangeira", a luta para aproveitar o horizonte aberto continua a ser corriqueiro na Brasileiro. Independentemente da nacionalidade do treinador.
- O sucesso do Jorge Jesus desencadeou uma chegada de técnicos portugueses. Aos poucos, também veio a "onda" de técnicos sul-americanos de mercados alternativos, pouco observados. Assim chegou o Crespo, também chegou o Vojvoda - disse Carlos Eduardo Eboli, exaltando:
- O Juan Pablo Vojvoda, no Fortaleza, é um bom ponto fora da curva. Mesmo quando teve alguns tropeços, o clube deu espaço para que ele trabalhasse e conseguiu bons resultados - completou.
Eboli não crê que a vinda de estrangeiros seja suficiente para mudar a visão das diretorias do futebol nacional.
- Haverá apostas em estrangeiros, em especial se tiver um vencedor, como é o caso do Abel Ferreira. Porém, o técnico bombeiro será uma figura constante, devido à instabilidade no cargo. Não acredito em contratações em "onda", baseadas em um exemplo bem-sucedido. As mudanças serão viáveis quando houver um novo pensamento de gestão do futebol brasileiro - finalizou.
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