Carcará desbravador! Saiba como o Salgueiro se tornou o primeiro time do interior campeão pernambucano

Time mesclado, aposta em comandante português, retorno de jogador de destaque na reta final, atacante predestinado... Sobram histórias à equipe que deu 'nova cara' à cidade

Santa Cruz x Salgueiro
Salgueiro levou o título após uma vitória nos pênaltis (Foto: Alexandre Gondim/ JC Imagem)

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Foram anos de tentativas de decolar. Mas, enfim, o Salgueiro alçou voo para seu feito histórico: quebrar uma hegemonia de 106 anos e se sagrar o primeiro campeão pernambucano vindo do interior do estado. O feito, coroado na última quarta-feira, nos pênaltis após dois suados empates com o Santa Cruz na decisão, é visto como estado de graça entre os jogadores que foram cruciais para o voo do Carcará.

- Fui para minha cobrança com muita responsabilidade. Era uma nação que vinha merecendo bastante e, para mim, não tem preço. Ninguém pode apagar, pois ficou marcado para o interior ter convertido o pênalti do título. É muito gratificante. Para ser sincero, a ficha não caiu - declarou, ao LANCE!, Muller Fernandes, atacante que saiu do banco para sacramentar o título. 

Porém, a saga da equipe foi intensa até o título. Mandatário do clube, José Guilherme detalhou como foi a preparação para a disputa do Estadual.

- Tem um velho ditado de que "cavalo manco parte cedo". Vínhamos de oito anos no qual chegávamos entre os quatro, mas não conseguíamos ir adiante.  Fizemos uma pré-temporada bem calculada, investimos dentro das nossas limitações em jogadores que mostram valentia - e emendou:

- Dissemos que o Salgueiro paga pouco, mas honra seus compromissos. Inclusive, quando veio a pandemia, precisamos fazer um pacto de redução salarial, também cumprimos tudo - complementou.

UM TÍTULO QUE 'MUDA' A IMAGEM DA CIDADE

Município de Salgueiro
Salgueiro, de terra de crimes a terra do time campeão pernambucano (Divulgação / Prefeitura)

A sensação que também ronda a nova cúpula do Salgueiro é de que a cidade (definida como "Encruzilhada do Nordeste", por ser distante de todas as capitais de região) passou a ser vista com um novo olhar. O mandatário José Guilherme aponta que a retomada das atividades do clube passaram por mudar a imagem da cidade.

- Salgueiro fica no cruzamento da BR-232 com a BR-116, na região que é conhecida como o "Polígono da Maconha" (formada por 13 cidades entre Pernambuco e Bahia). A nossa cidade era associada aos assaltos nas BR's, as pessoas tinham medo... Além disto, houve a "Chacina de Salgueiro" (no qual um policial matou três pessoas) em 1985, com grande repercussão nos jornais do país. A nossa imagem era muito ruim.  Foi então que o atual prefeito, Clebel Cordeiro, e outros empresários, sugeriram a volta do clube - e detalhou:

- Com muita luta e ajuda também de empresários fomos fazendo campanhas honrosas no Estadual, chegamos a disputar Séries C e D, Copa do Brasil. O Salgueiro ganhou espaço por meio do futebol. E este título evidencia essa nova cara da cidade - completou.


NESTA TERRA CUMPRIU SEU IDEAL

A missão de levar o Salgueiro ao tão sonhado título inédito contou com a perspicácia de um português já familiarizado a terras pernambucanas. Após ter sua trajetória marcada por passagens pelas categorias de base do Porto-PE e Sport, Daniel Neri desembarcou no Carcará com sua ânsia por evolução.

- Minha esposa é pernambucana e, em um dia no qual vim de férias para Recife, comecei a subir os degraus. Primeiro comandei o sub-17 e o sub-20 tanto no Porto quanto no Sport. O Salgueiro me deu a chance de me profissionalizar. Além da proposta ser boa, pesou o desejo do clube buscar com tanta intensidade pelo título - declarou.

O presidente do clube diz que as contratações refletem a meta do Salgueiro.

- Queríamos manter a base do elenco, mas trazer também jogadores com foco para serem campeões. Daniel foi fundamental para dar nosso sistema de jogo - disse.

Após comandar categorias de base do Porto-PE e Sport, Daniel Neri teve sua primeira chance como técnico profissional no Salgueiro


O goleiro Tanaka, um dos heróis da decisão, destaca o empenho do comandante.

- Ele fez um trabalho minucioso, uma grande parcela desta conquista tem a ver com seu trabalho. O professor Daniel se dedicou a ponto de cortar a grama do campo, deixou sua família para viver um sonho. Como profissional é um cara exemplar... - frisou.

A opinião é endossada pelo atacante Muller Fernandes.

- O "Mister" tem um trabalho incrível, trata jogadores com muita humanidade. Merece tudo de melhor na sua carreira - disse.

NO MEIO DO CAMINHO TINHA UMA PANDEMIA

Salgueiro x Santa Cruz
'Nossa parte mental foi muito importante', diz goleiro Tanaka (Foto: Divulgação/Salgueiro)

O Carcará teve alguns momentos de incerteza até levantar seu voo para o título. Mas, apesar de obter só um ponto em seus dois jogos iniciais na competição, o elenco seguiu perseverante.

- Olha, é futebol, tínhamos começado bem nosso trabalho de preparação. Aquilo que planejamos não poderia ir abaixo. Precisávamos nos erguer, lutar para acreditarmos que era possível - disse o técnico Daniel Neri. 

O presidente José Guilherme viu uma vantagem em ter um começo instável.

- Não houve "oba-oba" da imprensa. Eles ficavam dizendo que o Salgueiro iria mal na competição. Coube a nós acreditarmos, trabalharmos em silêncio, mantermos o que a gente esperava. Antes da paralisação em virtude da pandemia do novo coronavírus, estávamos classificados - disse.

'Não houve oba-oba da imprensa. Coube a nós acreditarmos e trabalharmos em silêncio', disse o dirigente José Guilherme


O "Mister" do Salgueiro conta como fez o planejamento da equipe para o período sem jogos.

- Bom, já conhecíamos a doença. Aos poucos, fomos nos situando a passar aos jogadores os treinos pela Internet. Foi muito bom o que acertamos com a direção. Depois, bastou continuarem em campo o que foi projetado - disse.

CIEL: REFERÊNCIA QUE 'ACIRROU DISPUTA' NO ATAQUE

A reta final do Campeonato Pernambucano foi marcada por outra "tacada" de mestre da diretoria. Passados 15 anos de ter atuado pela primeira vez no Salgueiro, Ciel voltou ao clube.

- Ciel é um cara que jogou no exterior e sabe dos problemas que os jogadores enfrentam no início de carreira, em especial aqui. Para muitos dos atletas que chegam em um carro modesto ou de bicicleta ao treino, ele se tornou uma referência. Já viveu de tudo no futebol e veio aqui para agregar à equipe - contou José Guimarães. 

O jogador de 38 anos trouxe para o elenco a "rodagem" que conseguiu por defender clubes como Santa Cruz, Ceará, Fluminense e Al-Ahli, mas rendeu um dilema. Suas boas atuações colocaram no banco Muller Fernandes, que vinha em bom momento. O atacante, porém, rechaça polêmicas.

- Ciel chegou para incorporar sua qualidade ao nosso time, nos ajudando mais na frente. Não perdi a titularidade, porque todos nós fomos titulares. O professor optou por ele, tive de aceitar e trabalhar - garantiu. 

Ciel retornou ao Carcará e foi referência para o elenco


Classificado em segundo do grupo, o Salgueiro foi direto para a semifinal e enfrentou o Afogados. Lá,  se consolidou com um 3 a 0 e ficou a dois jogos do sonho se concretizar.

- A equipe estava preparadíssima! Muito focada naquele jogo, partiu para dentro e conseguiu construir a vitória - recorda o treinador Daniel Neri.

A ATMOSFERA DA FINAL

O clima intenso pairou sobre o Salgueiro às vésperas da decisão. De acordo com o mandatário José Guilherme, a mudança de mentalidade foi fundamental, em especial pelo desafio de quebrar o tabu de equipes do interior de Pernambuco.

- Um time do interior chegar à final gerava sempre aquela preocupação. Ah, não ganhou nunca, a arbitragem é contra... Incutimos o seguinte: vamos fazer a nossa parte, um jogo de valentia. Treinamos muito cobranças de pênalti, foi bem intenso. E veio o resultado! - destacou. 

'Havia aquela preocupação: 'ah, a arbitragem é contra time do interior'. Decidimos fazer nossa parte', disse dirigente do clube


O técnico Daniel Neri apontou alguns nomes fundamentais para a conquista.

- Os jogadores são seres humanos especiais. Nosso capitão Ranieri, com 38 anos, ajuda demais, Ciel tem muita bagagem e uma sanha enorme capaz de fortalecer os jovens. O Muller... A gente sabia o quanto estariam fortalecidos - disse.

TANAKA, O GOLEIRO QUE SUOU POR SUA CHANCE

O fato do Salgueiro assegurar o troféu passou pelas mãos de Tanaka. O camisa 1 fez defesas providenciais que garantiram o empate em 0 a 0 no Arruda e forçaram a ida da decisão para os pênaltis. 

- Sabíamos que seria uma partida difícil. Tínhamos perdido por 2 a 1 na primeira fase jogando no Arruda, e naquela partida merecíamos um resultado melhor. Sabíamos que enfrentaríamos um time com jogadores que têm passagens por grandes clubes. Havia a pressão do lado deles e a nossa vontade de fazer história - e, em seguida, contou:

- Nossa parte mental foi muito importante. Administramos bem, foi um jogo de poucas oportunidades e conseguimos sair com o título - completou. 

A intensidade já marca seu ciclo no Salgueiro. Tanaka teve de esperar dois anos para conseguir se tornar titular.

- O Sérgio China (técnico anterior a Daniel Neri no Salgueiro) me trouxe ainda na Série C. Havia antes o Mondragón e o Luciano, ídolos grandiosos do clube. Não joguei no ano retrasado e mesmo assim renovaram meu vínculo. Depois ainda contrataram o Gideão, que tem muita rodagem aqui no Nordeste. Precisei de muita persistência e fico feliz com o reconhecimento do clube - declarou.

MULLER FERNANDES, O PREDESTINADO

Artilheiro do Carcará no Campeonato Pernambucano com quatro gols, Muller Fernandes saiu do banco de reservas para entrar na história da competição. Coube a ele se consagrar ainda mais como o homem que definiu o placar nas cobranças de pênalti.

- Eu vinha sendo titular durante o campeonato todo. Depois, tive problemas e perdi espaço. Mas a torcida, graças a Deus, me apoiou muito sempre, e pude me sentir acolhido para a responsabilidade que tive - afirmou.

O jogador de 31 anos contou uma curiosidade sobre as penalidades.

- Em geral, quando era titular, eu é quem abria as cobranças. Entrei e fui o último batedor e consegui consagrar a equipe do Salgueiro em um estado no qual tem três clubes tradicionais. É um privilégio muito grande - afirmou. 

Muller Fernandes entrou no lugar de Tarcísio no fim do jogo. E se consagrou


O clima de euforia após a vitória por 4 a 3 nos pênaltis sobre o Santinha (que aconteceu depois de um empate sem gols no tempo normal) se estende ainda em Salgueiro.

- É muito bom dar esta alegria, é o mesmo que se ganhasse uma Copa do Mundo - diz o técnico do Carcará, Daniel Neri.

O mandatário José Guilherme é taxativo.

- É uma emoção poder dar um alento como este aos torcedores, ainda mais em meio à pandemia que estamos atravessando. Precisávamos dar este título - frisou.

SÉRIE D NO HORIZONTE

Ainda em meio à euforia, o Salgueiro já começa a projetar a disputa pela Série D. O presidente do clube afirmou.

- Os jogadores sabem que o Salgueiro pode ser uma vitrine para eles. Nosso objetivo é manter sempre a base, mas sabemos que perderemos alguns atletas - afirmou.

O goleiro Tanaka reconhece que o título estadual pode dar uma visibilidade maior a alguns atletas. Mas mostra expectativa ao falar sobre a disputa do Salgueiro na Série D.

- Teremos algumas perdas, mas voltaremos a chave para outro objetivo de fazer uma boa campanha na Série D, independentemente da força do elenco - disse.

Mesmo com incertezas em relação à sequência do elenco, a sensação de que o Carcará pode ser desbravador ficou ainda maior entre os torcedores, em especial diante da euforia na equipe.

- Tornar o Salgueiro o primeiro time do interior a ser campeão estadual não tem preço. Este clube e esta cidade mereciam muito - afirmou o atacante Muller Fernandes.

O desejo é que os torcedores percebam que podem sonhar com um voo mais alto do Carcará.

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