Na história do futebol, existem narrativas que ultrapassam a linha da realidade e embarcam em um universo quase fictício. É o caso de Carlos Kaiser, um entusiasta do futebol que conseguiu construir uma carreira peculiar, marcada não pela performance em campo, mas pela habilidade de se manter nas listas de elencos de diversos clubes sem, de fato, jogar. Carlos Henrique Raposo, conhecido como Carlos Kaiser, tornou-se uma lenda, não por dribles extraordinários ou gols memoráveis, mas sim por sua capacidade de atuar nos bastidores das equipes como um “especialista em moral”.
Nascido em 1963, Carlos Kaiser iniciou sua trajetória no futebol nas categorias de base do Botafogo e Flamengo, dois dos clubes mais emblemáticos do Brasil. Durante os anos de 1979 a 1992, Kaiser colecionou passagens por clubes dentro e fora do Brasil, como Vasco da Gama, América, Fluminense e até mesmo equipes internacionais como o Puebla no México e o Gazélec Ajaccio na França. No entanto, ao longo de toda sua carreira, Kaiser raramente foi visto em um campo de jogo.
Como Carlos Kaiser conseguiu enganar tantos clubes?

A estratégia de Kaiser era simples, mas eficaz. Ele se destacava nos treinos físicos solo, justificando que precisava recuperar o preparo físico. Quando chegava o momento dos treinos coletivos, frequentemente alegava uma lesão muscular súbita, o que o impedia de ser escalado. Seu carisma e a habilidade de tecer redes sociais garantiram que ele mantivesse contato com diferentes figuras do futebol, incluindo jogadores renomados e jornalistas que, muitas vezes, publicavam histórias fabricadas sobre suas supostas façanhas.
Quais táticas ele empregou para prolongar sua carreira?
Entre diversas táticas utilizadas, o fingimento de não entender inglês era uma delas, o que dificultava a identificação de suas fraudes. Em uma ocasião enquanto estava no Botafogo, um médico que falava inglês desmascarou uma de suas mentiras. Kaiser também era conhecido por criar propostas simuladas de clubes estrangeiros usando um telefone falso para convencer os clubes locais a mantê-lo no time. Durante suas estadias nos clubes, evitava qualquer situação que pudesse evidenciar seu desempenho real, como em sua breve passagem pelo Gazélec Ajaccio, onde preferiu chutar bolas nas arquibancadas em vez de mostrá-las em campo.
- Simulação de lesões constantes
- Criação de histórias fictícias com apoio da mídia
- Utilização de mecanismos sociais para ganhar aceitação no clube
Quais as consequências de suas ações no mundo do futebol?
A lenda de Carlos Kaiser seria cômica, se não revelasse falhas estruturais dos clubes da época. Com pouca tecnologia disponível para identificar lesões e uma comunicação ainda incipiente entre clubes de diferentes regiões, Kaiser explorou essas brechas para realizar seu sonho de viver como um futebolista sem a obrigação de entrar em campo. Suas ações levantam discussões sobre a gestão dos clubes de futebol e mostram como o carisma e a astúcia podem transcender o talento técnico em alguns contextos específicos.
Em 2018, a verdadeira história de Kaiser foi documentada no filme “Kaiser! O maior futebolista a nunca jogar futebol”, um registro que imortaliza uma trajetória sui generis no esporte. Kaiser afirmava preferir o estilo de vida dos jogadores à prática do futebol em si, vivendo da fama, do glamour e das relações que o esporte proporcionava. Assim, ele se torna um exemplo do poder da palavra e da imagem sobre a realidade em um mundo onde o futebolista deveria ser, acima de tudo, o protagonista no gramado.