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Jogador de pôquer enfrenta doença degenerativa e faz sucesso nas mesas

Uma linda história de superação! Com a ajuda de um leitor de retina, João Paulo Trindade encara a ELA (esclerose lateral amiotrófica) disputando torneios online e até ao vivo!

Aparato especial para João Paulo Trindade em mesa final da primeira etapa do BSOP deste ano, em Brasília
imagem cameraDivulgação
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Lance!
São Paulo (SP)
Dia 11/03/2020
15:42
Atualizado em 11/03/2020
17:12

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A segunda etapa do BSOP (Brazilian Series of Poker), o  Campeonato Brasileiro de Pôquer, acontecerá de 19 a 24 de março em São Paulo, no WTC Sheraton.  A proximidade do evento nos remete a um dos momentos mais especiais no esporte, ocorrido na primeira etapa, disputada em Brasília, de 30/1 a 4/2. 

Um dos jogadores mais aplaudidos no salão do hotel Royal Tulip foi João Paulo Trindade, 44 anos, que ficou em oitavo lugar em torneio com 210 inscrições. Defensor público aposentado, ele foi diagnosticado com esclerose lateral amiotrófica (ELA) aos 29 anos. Devido à doença degenerativa, atualmente ele movimenta apenas os olhos. Mas nem isso o impediu de praticar sua atividade predileta: pôquer. João Paulo joga pela internet com um aparelho comunicador que lê a retina. Com o movimento dos olhos, usa mouse e teclado digital para acessar redes sociais, grupos de Whatsapp, responder e-mails etc. Morador de Brasília, ele participou do evento ao vivo pela segunda vez na vida. 

No torneio ele contou com o auxílio do sobrinho João Vitor Trindade, que lhe mostrava as cartas, e de uma ‘tabela de jogo’, na qual indicava os lances da
rodada, escolhendo as opções com o movimento dos olhos. Dessa forma, encarou uma disputa que durou quase sete horas. Sob aplausos dos concorrentes e do público, João Paulo se despediu do torneio na oitava posição. Yara Prado, sua esposa, agradeceu aos jogadores, torcedores e enxugou as lágrimas do marido, que ganhou um prêmio de R$ 1.760,00. A ELA é uma doença neurodegenerativa para a qual não há cura. Causa paralisia motora progressiva e irreversível. O físico britânico Stephen Hawking conviveu com a doença durante a maior parte da vida, desde o diagnóstico, aos 21 anos, até sua morte, aos 76 anos, em março de 2018.

Foi usando o leitor de retina que João Paulo venceu em 2018 um torneio online com 4.368 inscrições. Derrotou na final o profissional Bruno Kawauti e ganhou um prêmio de US$ 11.215. Mas, para disputar o torneio ao vivo em Brasília, a estrutura organizada pela mulher, Yara Prado, foi diferente. João Paulo chegou ao resort em uma ambulância UTI móvel, sob cuidados de uma enfermeira. A seguir, a entrevista por e-mail com João Paulo Trindade.

BSOP: O que o pôquer representa para você?
João Paulo: O pôquer é a minha melhor terapia. Não tenho
momentos tediosos, ociosos. Sempre tenho algo novo para aprender
e estudar. É pura verdade quando dizem que se leva cinco minutos
para aprender a jogar, mas que em uma vida você não dominará o
pôquer. É um jogo de objetivos que tendem ao infinito. Queria que
todo acamado tetraplégico tivesse um aparelho comunicador igual ao
que eu uso e jogasse pôquer. É horrível apenas assistir à televisão,
ouvir um áudio-livro. Estou encantado com um novo software que
comprei, uma calculadora específica para torneios com ‘bounty’
(recompensa em dinheiro a quem elimina um adversário).

BSOP: Quando começou a jogar pôquer e quem o apresentou
ao jogo de habilidade?
João Paulo: Comecei a jogar ‘home game’ no apartamento do meu
amigo Humberto, em 2001, ideia do nosso amigo Bozo. Jogávamos
com feijão uma modalidade em que recebíamos cinco cartas com
possibilidade de trocar até três cartas. Não havia ‘flop’, ‘turn’, ‘river’
(lances da modalidade Texas Hold'em, uma das mais populares no
Brasil e no mundo). No online, comecei apenas em 2014, já acamado,
jogando com os olhos. Sem esquecer do apoio e do incentivo
incondicionais da minha mulher, Yara Prado.

BSOP:  Você participou de um torneio ao vivo do BSOP em
2018. Neste ano retornou e conseguiu chegar a uma mesa final. O
que melhorou no seu jogo e o que atribui o desempenho?
João Paulo: Sinto-me mais confiante no pós-flop (a etapa mais
difícil, com cartas comunitárias abertas, o que requer ‘leitura’ das
possíveis ‘mãos’ dos adversários). Evoluí estudando mais, vendo
videoaulas, investindo em softwares (atualmente uso seis), vendo
diariamente ‘twitch’ de jogadores profissionais. Agradeço aos amigos
Bruno Serafa, Gilcoe e Elder Soares, pelo aprendizado e incentivo, e
gratidão eterna também aos irmãos de Curitiba pela minha inclusão
num renomado time de pôquer, com o qual temos aulas semanais,
biblioteca recheada de bom conteúdo e networking precioso.

BSOP: Quais as diferenças entre torneio online e ao vivo?
João Paulo: No online, as coisas são mais fáceis para mim,
principalmente por ver facilmente o stack (montante de fichas) dos
jogadores. No online tenho HUD (Heads-Up Display, programas de
apoio que produzem estatísticas, em tempo real, sobre as jogadas
dos adversários), o que facilita ver o perfil de cada jogador. No live
tenho de prestar atenção em dobro. Só assim consigo traçar o perfil
de um player. Consegui fazer isso neste ano. Mas, após quase sete
horas de jogo, estava exausto. No online ficaria apenas cansado.

BSOP: A sua trajetória no pôquer mostra o quão inclusivo é o
jogo de habilidade. Qual o recado para quem ainda associa o
esporte mental a jogos de azar?
João Paulo: Talvez o pôquer seja o esporte mais inclusivo e
democrático. Eu, por exemplo, não consigo jogar nenhum esporte
paralímpico; o pôquer, ‘jogamos’. Associá-lo a jogos de azar é um
discurso sem conhecimento de causa. A curto prazo sabemos que a
sorte tem sua influência. Isso permite que um recreativo ganhe dos
melhores do mundo. Isso é fascinante! Um dos motivos do sucesso
do pôquer. No entanto, a longo prazo, em torno de 100 torneios, o
[jogador] recreativo nunca ganhará. Fazendo um paralelo, um time
qualquer nunca ganhará do meu ‘Mengão’, a longo prazo.

BSOP: A comunidade do pôquer se emocionou com sua participação no BSOP Brasília. Jogadores e fãs estavam torcendo por você na mesa final. Como é ser um exemplo para os aficionados do esporte da mente?
João Paulo: Fiquei emocionado com a torcida por mim na mesa final. Tanto é que chorei ao agradecer a todos pela torcida. Joguei para ser campeão. Normal perder o ‘flip’ (quando dois jogadores têm aproximadamente as mesmas chances de vencer) para o Trajano [Alves], que foi o campeão. Se eu conseguir mudar a vida de uma pessoa fazendo, por exemplo, que o pôquer transforme sua vida para melhor, já estou feliz, por isso me exponho.

BSOP: Que tipo de leitura prefere?
João Paulo: Passei anos e anos devorando livros de Direito, na minha época de ‘concurseiro’. Quando me aposentei, mergulhei no mundo do pôquer. Não gosto de estudar [pôquer] por livros, mas recomendo ‘O Jogo Mental do Pôquer’, de Jared Thender, com Barry Carter. Estou doido para sair a versão em português de ‘Modern Poker Theory’, de Michael Acevedo. Volta e meia escuto novamente ‘O Livro dos Espíritos’ e ‘O Evangelho Segundo o Espiritismo’, de Allan Kardec. A doutrina espírita me ajuda a seguir sem revolta e de uma
forma tranquila.

BSOP: Quais filmes o emocionaram? É fã de séries?
João Paulo: Um filme que adoro, pela obstinação e pela resiliência do
protagonista, é ‘O Conde de Monte Cristo’. Adoramos séries! É meu momento com a Yara. Em ordem de preferência: Game of Thrones; The Walking Dead; Prision Break; Breaking Bad; La Casa de Papel; Lost.
 
BSOP: Quais personalidades o inspiram?
João Paulo: Nelson Mandela e Mahatma Gandhi, pela história deles e
por tudo que fizeram em prol dos seus pares.

BSOP: Como define a sua família?.
João Paulo: É a minha fortaleza! O amor que sinto pela Yara e meus filhos me dá força para seguir em frente de uma forma bem tranquila. Minha esposa largou a profissão de médica veterinária para ficar tempo integral comigo quando mais precisei dela. Casou comigo após o diagnóstico de uma doença neurodegenerativa, prova de um grande amor. A recíproca é verdadeira. Tenho muito apoio e incentivo da minha querida irmã, papai, sobrinhos, sogros, cunhadas, tias, primos. Amo todos vocês.

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