Brasileiro luta por ouro e contra a ignorância sobre o tiro com arco

Marcus D'Almeida quer confirmar vaga olímpica com título do Pan e dar luz à modalidade, ameaçada de perder atletas por projeto de lei que quer restringir compra de equipamentos

Marcus D'Almeida
Marcus D'Almeida tentará garantir a classificação para Tóquio-2020 no Pan de Lima (Foto: Divulgação)

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A luta de Marcus D'Almeida não é somente por medalhas. O principal brasileiro do tiro com arco, que estreia hoje nos Jogos Pan-Americanos de Lima, no Peru, com o objetivo de alcançar o ouro e a classificação para os Jogos Olímpicos de Tóquio-2020, trava uma disputa acirrada contra a ignorância sobre o esporte que ama.

Enquanto se preparava para o torneio, o carioca acompanhava apreensivo a repercussão do projeto de Lei 2053/19, do deputado Otoni de Paula (PSC-RJ), que estabelece regras para a venda de zarabatanas e equipamentos de arqueria, como arcos, dardos e flechas, e de materiais perfurocortantes com mais de 20cm de comprimento.

Para quem pratica o tiro com arco, as consequências são claras. Se aprovada, a medida dificultaria ainda mais o acesso de atiradores brasileiros aos instrumentos de trabalho, que não são fabricados no país. Um arco completo é estimado em R$ 12 mil. Marcus, por exemplo, tem parceria com uma empresa coreana e não paga praticamente nada pelo que usa. Isso pode mudar.

– A lei vai complicar muito a vida dos atletas profissionais e pode afastar o pessoal do esporte. Ainda falta um entendimento no Brasil sobre o que é tiro com arco. Não usamos para caça. Muita gente é leiga. Só conhece como arco e flecha – afirmou o atleta, ao LANCE!.

A justificativa para o projeto, que no momento está em análise por comissões da Câmara dos Deputados, é que o controle sobre as armas de fogo no país teria feito com que os crimes com armas brancas e equipamentos de arqueria aumentassem no território. O texto não apresenta nenhuma base estatística para reforçar o argumento.

Para D'Almeida, que em Toronto-2015 levou o bronze por equipes, ao lado de Daniel Xavier e Bernardo Oliveira, a explicação é rasa e prejudica quem não tem nada a ver com o problema. Já existe até uma mobilização de pessoas do tiro com arco em Brasília para sensibilizar os deputados sobre o prejuízo.

Enquanto torce pela solução do caso, o carioca de 21 anos colhe os frutos de uma preparação que se intensificou no atual ciclo olímpico. O Brasil nunca conquistou um ouro no Pan no esporte. O carioca deseja quebrar essa escrita em Lima.

Idas à Coreia levam atleta a salto na elite

Medalhista de prata nos Jogos Olímpicos da Juventude de Nanquim (CHN), em 2014, Marcus D'Almeida se consolidou como grande nome do tiro com arco no país desde a conquista e alcançou feitos inéditos para o país. Por isso, é visto com atenção especial pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB). O apoio da entidade o permitiu alcançar novo patamar nos últimos anos.

– Fui à Coreia do Sul treinar no ano passado e neste. Foi o ‘gap’ do último ciclo para o atual. O momento financeiro talvez não tenha sido o melhor, mas tive o apoio necessário e me dediquei – afirmou o atleta, que viveu baixa entre 2015 e 2016 e caiu na primeira rodada nos Jogos do Rio, no individual e na equipe.

Marcus, que iniciou no tiro com arco em 2010, em Maricá, por meio de um projeto do então Ministério do Esporte com o COB, admite que os estudos ficaram um pouco de lado, mas cursa Educação Física à distância e não se arrepende de nada.

– Fiz a escolha certa, na hora certa, mesmo com muita gente achando que era o momento errado – disse.

Brasil deseja comprovar ascensão no Pan

Além de Marcus D'Almeida, que estreia hoje na fase classificatória do individual, às 10h30 (de Brasília), o Brasil terá outros cinco nomes em ação no arco recurvo: Marcelo Costa, Bernardo Oliveira, Ane Marcelle, Graziela Paulino dos Santos e Ana Luiza Caetano. No arco composto, os convocados são Bruno Brassaroto e Gisele Meleti.

O objetivo do país é confirmar a ascensão da modalidade, que nunca conseguiu um ouro no evento. Até hoje, foram cinco bronzes.

Os Estados Unidos são a grande potência, com 98 medalhas: 53 ouros, 37 pratas e oito bronzes.

BATE-BOLA
MARCUS D'ALMEIDA
Arqueiro, ao LANCE!

‘Eu me sinto muito próximo da vaga olímpica’

Caso o projeto de lei 2053/2019 seja aprovado, quais serão as consequências para o esporte?
Tornaria impossível nossa prática, pois não fabricamos nada no Brasil. É um custo muito alto. Tenho meus patrocínios, mas, se eu tiver de pagar todas as taxas, vai ser dolorido até para mim. Imagina para quem não tem apoio nenhum? Faço um apelo para que os políticos vejam nosso lado.

O que você diz para quem não compreende o tiro com arco como esporte profissional?
Que você se conhece muito no tiro com arco. Você fica seis horas sozinho no campo atirando. Quando erra ou quando acerta, é só você. Tem de ter um controle mental muito grande. Repetição em um nível absurdo. Quem acha que é leve eu convido a ir lá em Maricá para eu mostrar se é (risos).

O que espera deste Pan?
O Pan vale vaga para o campeão. Veio a América inteira e ninguém estará de brincadeira. Todos os países trouxeram os seus melhores arqueiros. Não tem time B. Como o americano já tem vaga olímpica, se ele for campeão, quem levar a prata fica com a vaga. Eu me sinto muito próximo da Olimpíada. Se não for aqui, será na repescagem. Vejo o misto muito forte. Temos chances. Na equipe, também estamos bem.

O que significou o bronze em Toronto-2015 por equipe?
No último Pan, estávamos há dois anos sem ganhar medalha e ficamos com o bronze, na equipe masculina. Isso mudou completamente nossa preparação. Passamos a ter um investimento muito maior. O Pan sempre tem um peso legal no tiro com arco. Vejo como um título iradíssimo.

De 2015 para cá, você ganhou massa muscular. Isso te ajudou?
Sim. Eu era muito magro e, hoje, me sinto bem melhor assim. Após os Jogos do Rio, a mudança foi maior.

O PROJETO DE LEI 2053/19

O que diz
Apresentado em abril deste ano, o projeto diz que equipamentos de arqueria, como arcos, dardos e flechas, e de materiais perfurocortantes com mais de 20 cm só serão vendidos mediante o registro da quantidade adquirida, nome completo, endereço e CPF do comprador no verso da nota fiscal, e deverão ter número de registro. Isto aumentaria a taxação sobre as compras e dificultaria o acesso a atletas.

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Situação na Câmara
O projeto tramita em caráter conclusivo, ou seja, será votado apenas pelas comissões designadas para analisá-lo, sem necessitar a deliberação de plenário. Até o momento, já foi avaliado pelas comissões de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado e aguarda parecer do relator da comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços. O texto ainda passará pelas comissões de Constituição e Justiça e de Cidadania.

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