‘Ter deixado o Cielo fora da Rio-2016 foi a c… do século’, diz opositor de Coaracy Nunes na CBDA

Candidato nas eleições da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos, Miguel Cagnoni critica a atual gestão pela falta de um projeto para recuperar o maior nadador do país para os Jogos Olímpicos e de seu projeto voltado para a base caso assuma a entidade

Miguel Cagnoni, na CBDA.
Cagnoni é o candidato de oposição na eleição para presidente da CBDA (Foto: Divulgação)

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Presidente da Federação Paulista Aquática há 22 anos, o empresário Miguel Cagnoni é o único candidato da oposição que tentará pôr fim ao comando de 28 anos de Coaracy Nunes à frente da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA). A entidade passa por investigação do Ministério Público que chegou a afastar temporariamente não só Nunes como também outros quatro diretores, entre eles Ricardo de Moura, tido como principal aposta do grupo de situação para a eleição a presidente que ocorrerá até o final de fevereiro.

Cagnoni fala com exclusividade ao L! sobre a atual situação da natação no país e seu projeto para assumir a entidade a partir de 2017.

Como avalia o resultado da natação nos Jogos Rio-2016?
Nós fizemos uma cagada na Rio-2016 que não tem tamanho, que é o César Cielo. Essa é a cagada do século. O Michel Phelps, há dois anos, estava em tratamento em uma clínica de reabilitação por problemas com álcool. Ele já era o maior medalhista em Olimpíadas de todos os tempos. Os EUA têm a equipe mais competitiva de natação de todo o planeta. O que eles fizeram? Recuperaram o cara, fizeram um programa de treinamento para ele e falaram “você é foda, eu preciso de você lá”. E eles tinham razão, tanto que ele veio pra Rio-2016 e fez a diferença na natação. E o César Cielo, que tem a única medalha de ouro do Brasil na natação? O que fizemos com ele? Nada! O Cesão tinha que estar no vestiário, sentado lá, pronto para competir e incentivando os outros. Mas para isso, precisava de um programa de reabilitação pra ele também. Ele não estava tão mal quanto o Phelps, só estava em má fase. Mas tinha que ter tido alguém da CBDA para falar: “Cesão, nós precisamos de você! Você precisa estar no Rio. Vai ser a sua Olimpíada, na sua casa e nós vamos fazer um programa para você”. Ele era o cara. O Brasil não perderia da Alemanha de 7 a 1 se o Neymar estivesse em campo. É a mesma coisa. Nós desprezamos nosso maior atleta por prepotência e arrogância.

Ainda é possível aproveitá-lo?
Na minha gestão vou buscar o Edvaldo Valério, o Xuxa, o Gustavo Borges, o César Cielo… esses caras têm que estar lá dentro, são eles que têm que fazer o esporte, não sou eu. Em Tóquio, esses caras têm que estar no vestiário para contar a história deles para a molecada. Eles falam a língua do moleque de sunga que treina todos os dias, se eu for falar eles não entendem nada. Preciso proporcionar isso, mas não ir lá. No máximo ficarei na arquibancada torcendo com a turma.

"Na minha gestão vou buscar o Edvaldo Valério, o Xuxa, o Gustavo Borges, o Cielo... são eles que têm que fazer o esporte, não sou eu".

Como você avalia o atual cenário de disputa pela CBDA?
Nós temos hoje dois grupos na disputa. Um liderado por mim, que propondo fazer um trabalho de gestão voltado ao esporte e recuperação da CBDA, com o objetivo de encher as piscinas de praticantes de norte a sul do país. Dessa forma teremos uma base de praticantes para tirar os que têm qualidade com o tempo. Esse é o nosso projeto. E há outro grupo na disputa que eu ainda não vi nenhum projeto, apenas o de manutenção do poder. Nessa eleição estou disputando o terceiro pleito: a primeira foi contra o Coaracy Nunes, a segunda foi contra o Ricardo de Moura, apoiado pelo Coaracy, e agora contra o Sérgio Silva que é outro candidato da situação que veio após o afastamento do Ricardo de Moura. Então, muda o candidato a presidente mas ninguém fala em programa, em gestão, base… só se fala no Coaracy. É isso que nós temos.

Quais as falhas dos projetos para a natação nos últimos anos?
O projeto que foi feito até agora é com o clube no centro do desenvolvimento do atleta e a Confederação pegando os melhores. Ou seja, os clubes desenvolvem seus atletas, suas equipes e disputam os campeonatos, que é onde a CBDA observa os melhores e convoca para a Seleção. Esse é o modelo que existe. Nele, a responsabilidade pela difusão da natação fica por conta dos clubes e federações. O ônus da preparação do atleta e do treinador fica por conta do clube, e o ônus da CBDA é transportar os atletas para o local de competição. A formação é zero.

A cultura de administração esportiva no Brasil não é basicamente essa? Dá para se espelhar em algum esporte?
Vamos pegar o exemplo do vôlei, que até os anos 80 era um esporte muito chato. Era saque, bola na rede, vantagem. Saque, bola na rede, desvantagem. Não tinha tie-break, não tinha pontos corridos, etc. Mas em 1984 teve um trabalho bom com a medalha de prata em Los Angeles, até porque os países do Leste Europeu boicotaram a Olimpíada. Mas foi um trabalho bem feito pois oito anos depois ganhamos a primeira medalha de ouro. Desde então, o vôlei se desenvolveu exponencialmente pois os caras que dirigem o esporte no Brasil e no mundo tiveram a visão de enxergar a chatice e introduzir novas regras que mudaram o vôlei para melhor. Hoje, o esporte passa na TV, os ídolos são reconhecidos nas ruas, tem investimento. Isso porque a CBV começou a trabalhar lá embaixo e gerou renovação de atletas.

"A Holanda é metade de Minas Gerais territorialmente e tem cinco vezes mais atletas que o Brasil competindo". 

Qual a situação da base para a natação no Brasil?
Quantos clubes têm no Brasil gerando atletas? Quantos atletas têm no Brasil praticando natação? Se somar todos esses atletas no país não chega a 20 mil. Isso em um país que tem uma temperatura média anual em boa parte do território de 30 graus. Se for comparar com a Holanda, que é metade de Minas Gerais territorialmente, eles têm mais atletas praticando que o Brasil inteiro. Isso em um clima horroroso. E mesmo assim eles têm uma equipe muito forte na natação. Eles têm que construir arenas climatizadas, se proteger do frio, ter um incentivo muito maior para caírem na água e mesmo assim a Holanda tem cinco vezes mais atletas competindo que o Brasil.

O que pode ser feito para melhorar esse cenário?
Tem que ter o treinador que ensina o moleque a nadar, tem o treinador que faz ele ser competitivo, o outro irá fazê-lo de alto rendimento e outro que será o treinador de Seleção. São quatro, cinco, seis níveis de treinadores que você precisa capacitar. Quantos treinadores são capacitados pela Confederação hoje? Nenhum. A capacitação hoje é zero. Não tem nenhum programa de capacitação de treinadores no Brasil hoje. Qual a arbitragem que temos hoje? Há apenas meia dúzia que ganha R$ 50 para pagar a pizza à noite com a namorada. Não dá. Esses caras precisam saber regras, aprender pelo menos outras palavras em outro idioma, saber o respeito com os atletas. São raras as exceções hoje de capacitação de árbitros que são feitas pelas federações. Para quê que o cara vai se dedicar para uma profissão que não tem emprego? Ou por quê que um treinador vai se meter em uma profissão que não dá dinheiro? Quem tem que enxergar isso é a CBDA, mas ela hoje se propõe a não enxergar isso.

"No meu projeto para a gestão da CBDA, é possível capacitar 110 mil atletas em quatro anos".

Você falou em capacitação, cursos para árbitros e técnicos, etc. Quanto isso corresponde no orçamento da Federação Paulista para ter uma ideia?
É quase nada. Pega um treinador de ponta dos EUA ou da Austrália, aí você paga viagem, hospedagem, alimentação por um mês. Nesse período, ele passa dois dias em cada estado. Com US$ 2 mil (cerca de R$ 7 mil) eu consigo pagar para esse cara vir para o Brasil, mais passagem, hospedagem, alimentação. Vamos colocar US$ 10 mil (cerca de R$ 32 mil). Por esse valor, você consegue capacitar treinadores no Brasil inteiro, e esses capacitados vão gerar os atletas que a gente precisa. Essa é uma soma superficial mas o caminho é esse. No nosso projeto, é possível capacitar 110 mil atletas em quatro anos. Isso aproveitando as piscinas públicas, projetos em comunidades carentes, etc. O próprio Ministério do Esporte diz que não há problema para verba quando houver um projeto social e esportivo.

Após esse escândalo da CBDA não ficará ainda mais difícil para atrair investimentos?
Não dá para ficar pensando apenas nos Correios. Eu tenho que desenvolver projetos que me tragam a iniciativa privada, mas ela só vai ajudar se tiver transparência e inovação. Tendo isso, eu passo a ter visibilidade, e aí a iniciativa privada entra. Mas se eu tiver as contas escondidas, vai ser difícil o empresário investir. O vôlei descobriu a fórmula, o futebol, o rúgbi… exemplos nós temos.

Caso assuma a CBDA, você pretende realizar auditoria?
Não vou auditar contas de ninguém, aí é problema das autoridades, do governo… O que eu quero é ter juridicamente claro que as contas até 31 de março são do Coaracy Nunes e a partir do dia 1º de abril são do Miguel Cagnoni. Isso tem que estar juridicamente claro. Agora, a auditoria tem o Ministério Público fazendo investigação, tem outros órgãos fazendo isso, eu não quero fazer isso pois não é minha função.

Você criticou muito a última Assembleia da CBDA. Por que?
Na pauta estava a atualização do Estatuto para se adequar às exigências da Lei Pelé e foram feitas apenas mudanças voltadas para a permanência do atual grupo no poder. A primeira delas foi não permitir que os clubes votem, além de não permitir o voto dos atletas também.

O que não foi colocado na pauta da Assembleia Geral?
Nenhuma das obrigatoriedades exigidas pela Lei Pelé, como a formação de uma comissão de atletas, o voto dos clubes, a prestação de contas, a questão do conselho fiscal independente… todas as exigências não foram alteradas. Por isso que o juiz da 8 Vara do Rio deu a liminar.

Em que pé está essa questão?
O juiz não liberou ainda. E não sei te dizer quando isso irá ocorrer pois entra a questão da Justiça brasileira.

Com todo esse cenário, por que você acha que a CBDA continua com todo o apoio das federações?
As federações, de um modo geral, têm muitas dificuldades. E aí elas preferem o “aqui e agora” do que o que eu posso ganhar no futuro. Em outras palavras, se eu posso ganhar uma competição hoje, porque eu vou apostar em um futuro que é incerto?. Então eu prefiro ficar com a competição de hoje, é mais o pragmatismo. E fora o medo da retaliação, que é preponderante. O medo da retaliação é muito forte.

Hoje você tem o apoio de quantas federações para as eleições?
São doze votos hoje. E tem mais dois que não querem revelar a opção na expectativa da eleição ser voto aberto ou fechado. O regimento prevê voto fechado. Se for mesmo o fechado, eu tenho a maioria. Se for aberto, provavelmente eu não tenho maioria.

O Ricardo de Moura foi um dos dirigentes afastados pela Justiça. Você acha que ele ainda pode aparecer como candidato para essa eleição?
Eu não duvido mas acho difícil de acontecer. Eu diria o seguinte: o fato dele não se candidatar é uma confissão de culpa. Ele deve estar dizendo, “é melhor eu ficar de fora pois lá na frente podem me pegar”. Então acho que ele não vai. E o Ricardo não é um cara que tem um perfil político, ele ficou lá para cumprir um dever, uma ordem, mas não tem um perfil político. O interesse dele é continuar sendo o chefe da comissão técnica do Brasil.

Uma das críticas que se faz nas entidades esportivas é a permanência por muito tempo do seu presidente, como o Coaracy. Você também está há muito tempo à frente da federação paulista, isso não é uma contradição?
Eu sempre pensei na alternância no poder da federação. Mas eu estava desenvolvendo um projeto que levou mais de oito anos, que é o tempo das duas gestões. E não havia nenhum impedimento, pois a lei permitia a reeleição. Então, eu me candidatava, e fui eleito por cinco eleições. Foi basicamente isso. Agora que não é mais permitido, eu estou caindo fora. Na área empresarial, uma empresa particular e familiar, como o Itaú e a Votorantim, havia sempre alguém da família na linha de sucessão e mesmo assim não deixou de ser competitiva.

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