Dando continuidade ao nosso “garimpo olímpico”, apresento a todos vocês 8 ou 9 renitentes leitores, um personagem interessante, de uma modalidade que tem muito a ver com a Califórnia, com Los Angeles e cercanias (San Diego).
Mas, primeiro, gostaria de contar a história desta ligação eterna, entre LA e o mundo do Triathlon:
Corria a década de 70, a Califórnia fervia, apesar das perdas de Janis Joplin, Mamas & Papas e Jimi Hendrix, logo na virada dos 60 para os 70. Mas o surf music e o Rock progressivo, ganhavam força e adesões. As grandes universidades, baluartes do culto à paz, e celeiros da contra cultura, entram em guerra contra a guerra do Vietnam e contra o “american way of life”, priorizando a paz, o amor livre e o livre pensar. Neste clima surgia, bem na metade da década(74 para 75), através de um sistema de treinamento dos atletas da San Diego Track Club, uma prova-teste, onde os atletas do atletismo, ao retornarem das férias, deveriam, à princípio, percorrer 500 metros (na piscina do clube) nadando, sair da água e correr 4km (10 voltas na pista), e atingirem um tempo-padrão, para demonstrarem que mantiveram, durante as férias, uma rotina mínima de treinos.
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Com o passar do tempo, acrescentou-se mais uma modalidade, entre a natação e a corrida: o ciclismo, e levaram a natação para a praia, em Mission Bay. E, para facilitar a logística entre a natação (no mar) e a corrida (na pista da universidade), que distavam 9,4km uma da outra, para não terem que usar transporte público para essa fusão de locais, usavam a bike, como parte ativa do teste.
Então ali fez-se a gênese do Triathlon, cujo desafio atlético seria a mutação, onde o atleta começava nadador (800 metros no mar da Califórnia), migrava para o ciclismo (10km até a pista da Universidade de San Diego, UCSD), e lá na pista, sob milhares de olhares atentos, enfim se tornavam corredores e cumpriam as 12 voltas e meia, dos 5km finais! O vencedor ganhava status de semideus, super atleta!
A primeira vez que usaram este formato, houve aprovação total, dos atletas e do público da UCSD. Mas já no segundo ano, vários jovens (Guarda-vidas e surfistas locais) sugeriram abrir as portas à “forasteiros”. Então, em junho de 1976, aconteceu o primeiro Triathlon Open em San Diego. E lotou! Mais de 100 inscritos, para o desafio de 800 metros de natação, 10km de ciclismo (com trânsito aberto) e uma corrida de 6,5km (percurso usando a pista e algumas ruas do campus da Universidade, para garantir a integridade física dos participantes), que lotou o entorno e a tímida arquibancada. Foi uma festa, que quase acabou em pancadaria, pois havia muita rixa entre os grupos (guarda-vidas, atletas da universidade e da SD Track Club), e neste ano a vitória acabou sendo de um surfista desconhecido, até hoje!
Depois dos ânimos apaziguados e algumas cervejas tomadas, a paz voltou a reinar e o Triathlon só fez crescer. De San Diego, para o Havaí (primeiro em Honolulu e depois, definitivamente, para Kona), do Havaí voltando, à toda, para a Califórnia, e de lá, para ganhar o mundo. Tentou-se, numa correria desesperada, transformar o Triathlon em esporte olímpico. Em vão! Com o formato do Ironman jamais, pois não caberia no apertado calendário Olímpico. E no formato “olímpico”, usando as maiores distâncias indoor de cada modalidade (1500m para a natação, 40km para o ciclismo e 10km para o atletismo), talvez se encaixasse, mas a modalidade não tinha força nem coalizão. Não havia ainda, em 1984, uma Federação Internacional de Triathlon. Os triatletas tiveram que aguardar até 2000, na segunda morada “oficial” da modalidade, a Austrália, em Sydney, simplesmente abrindo os Jogos Olímpicos do Milênio!
A California se calou, sofreu quieta até vencer a concorrência para os Jogos de 2028, e decretar solene e orgulhosa: Abriremos os Jogos de 2028, em Venice Beach, com a nossa modalidade, O TRIATHLON! O Triathlon volta pra casa, enfim.
E é neste clima que teremos como abertura dos Jogos Olímpicos de 2028, o Triathlon, e um dos 5 favoritos às medalhas, inclusive a de ouro, é um moleque, medalhista de ouro no Pan de 2023, em Santiago, na prova individual e no revezamento.
Brasileiro, do interior de SP, Miguel Hidalgo amadureceu, ao longo dos últimos 4 anos. Amadureceu organicamente, elevando seu potencial de captar mais oxigênio e de “sobreviver” por mais tempo em níveis mais altos de resíduos metabólicos, sem perder o ritmo de competição. E isto, no esporte onde seus praticantes têm como característica principal a resistência a esforços intensos de longa duração, apesar da perda do gesto desportivo. Sim, ele conseguiu mais eficiência orgânica e de gesto poliesportivo (natação, ciclismo e corrida, lembram?).
Seu histórico de performance demonstra isso. Vejamos o Ranking Mundial dos últimos anos, e suas respectivas colocações: 40º em 2021; 31º em 2022; 11º em 2023; 9º em 2024 e, pasmem, 3º em 2025, até o momento! E lembrando que, em suas 3 provas do Circuito Mundial de Triathlon, este ano, a primeira foi a inesquecível vitória na quente Alghero, na Sicília, onde, sob sol inclemente, ele quase cravou 30’00 nos 10km finais. Lembrando que seu organismo, atualmente, responde melhor nas provas de distâncias maiores, “olímpicas”, ou standards. Ele respondeu muito bem nas últimas duas competições mais recentes, foi terceiro na última, e 4ª na anterior, ambas na distância sprint, que neste momento ainda não lhe deixa confortável para lutar pela vitória, ainda. Mesmo porque, a distância da prova em LA2028 é a olímpica (1.5/40/10).
Aparentemente, Miguelzinho participará da tradicional etapa do Circuito Mundial (1,5/40/10) , em Karlovy (CZE), no dia 14 deste mês. Deve se manter na Europa, treinando, não devendo estar presente à etapa chinesa de Weihai, no dia 26, para entrar mais descansado na Grande Final Mundial de Triathlon, em Wollongong (AUS), disputando o título mundial deste ano (com reais chances de pódio e até vitória), no dia 15 de outubro, duelando com Hauser (AUS) competindo em casa, Coninx (FRA) voltando à grande forma e Yee (britânico, campeão olímpico em 2021) também retornando de séria lesão.
Este, pode ser o maior duelo de Triathlon em Olimpiadas, projetando uma chegada eletrizante, onde este quarteto…. aliás, já que a trinca espetacular dos 400 com barreiras, foi nomeada de “os 3 tenores”, neste caso, podemos nomear esta turma do Triathlon, os Quatro Fabulosos, ou melhor, o “Fab Four”. É impensável o que este quarteto mágico pode fazer num final de prova, dentro dos 10km, no último quilômetro. E dentro deste seleto grupo, a certeza de que teremos um representante ali, agonizando e entregando um pouco mais do que o máximo de suas energias. Que retorno espetacular será este, do Triathlon, enfim, de volta pra casa. E, quem sabe, com um ouro para nossa conta!
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Ficaremos de olho, acompanhando, à cada braçada, cada pedalada e cada passo, desse moleque que cresceu, e vai se tornar gigante, na Terra do Triathlon.
Bom fim de semana!
Lauter Nogueira
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