Exemplo de resistência, Iraque tem lateral que combateu Estado Islâmico

Apesar de dificuldades enfrentadas, seleção chega à Olimpíada tentando surpreender o Brasil. Um dos destaques do time, Ali Adnan se alistou ao exército do país em 2014

Ali Adnan, lateral que se alistou ao exército
(Foto: Reprodução)

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Medalhas são importantes, mas o esporte proporciona muito mais do que metais a serem pendurados no peito. Esta é a principal mensagem que transmite a equipe de futebol masculino do Iraque, rival do Brasil às 22h deste domingo, no Mané Garrincha, em Brasília.

Estar na Olimpíada já é uma vitória para quem há décadas convive com a guerra. Os conflitos, desde os tempos do ditador Saddam Hussein, passando pela ocupação norte-americana até as batalhas atuais, contra o Estado Islâmico, tornam a prática do futebol um ato de resistência. Campos amadores são destruídos, atletas faltam a treinos e jogos para acompanhar sepultamentos de familiares ou amigos, e a prática do esporte chega a ser até proibida em algumas regiões.

A equipe, que empatou com a Dinamarca na estreia jogando bem e tentará surpreender a Seleção esta noite, também é exemplo de tolerância à sua sociedade e ao mundo. Na delegação que veio ao Brasil, há diferentes etnias e correntes religiosas: xiitas, sunitas, curdos e até cristãos.

Perguntado pelo LANCE! sobre qual recado o time poderia passar ao povo iraquiano com o futebol, o técnico Abdulghani Alghazali disse:

– A mensagem moral, que o povo iraquiano gosta da vida e luta pela liberdade, é isso que acontece no nosso país. Continuamos fortes, prova disso é que nossa seleção se tornou uma das 16 melhores do mundo e estamos aqui. Isso mostra que temos força e que os cidadãos do Iraque gostam de desafiar dificuldades.

O craque da seleção, contudo, não se contentou em defender sua nação apenas nos campos. Hoje na Udinese, da Itália, o lateral e meia Ali Adnan, que já foi apelidado de Roberto Carlos iraquiano e Gareth Bale asiático, se alistou ao exército em 2014 para combater o Estado Islâmico.

Parar Neymar e companhia certamente será a batalha mais fácil...

- Maior profissionalização:


O futebol tem sido encarado de forma cada vez mais profissional no Iraque, apesar dos percalços. Prova disso é que, para fugir do calor no Oriente Médio e ter melhores locais de treinamento, a equipe iniciou a preparação olímpica em Barcelona, na Espanha, e depois seguiu para a Alemanha. Detalhe: isso há dois meses!

A seleção é vista como prioridade no país, e a liga de futebol local é paralisada para a equipe do país treinar.

Nem sempre foi assim. No fim da década de 1980, Uday Hussein — filho mais velho do então presidente, Saddam Hussein, — assumiu o controle da seleção e do Comitê Olímpico Iraquiano. Ordenou a prisão e a tortura de atletas iraquianos derrotados ou que não tivessem uma performance satisfatória. De acordo com relatos, ele ordenava prisões, torturas e até morte a quem o desagradasse.

Jogadores chegaram a apanhar na planta dos pés por más atuações e sofrer outros tipos de maus tratos por perderem pênaltis, jogarem mal ou mesmo faltarem a treinamentos. Há também denúncias de que atletas chegaram a ser presos e forçados a chutarem bolas de concreto e também foram mergulhados em tanques de esgosto após eliminações.

O auge do futebol iraquiano foi no fim dos anos 1970 e nos 80, quando disputaram três Olimpíadas e a Copa do Mundo de 1986, sob o comando do brasileiro Evaristo de Macedo

Atualmente, a equipe está proibida pela Fifa de atuar em casa, por questões de segurança.

Anderson Nicolau trabalho no Iraque e na Arábia Saudita (Foto: Divulgação)
Anderson Nicolau trabalhou no Iraque e na Arábia (Foto: Divulgação)

- Bate-bola com Anderson Nicolau, preparador físico que trabalhou no Iraque

Como foi trabalhar no Iraque?
Atuei no Al Shorta, entre 2013 e 2015. O que me chamou a atenção, como preparador físico, foi a força do atleta iraquiano. Se comparar com outros atletas do mundo árabe, eles se destacam nesse quesito. Pode ser uma coisa específica, da genética, mas não só isso. Acabam sobrevivendo os fortes, é a lei da vida. Desde cedo eles treinam nas escolas. Se preparam para ser policiais, soldados militares...

Além dos conflitos, a cultura e a religião influenciavam no futebol?
Às vezes eu preparava um treino, e o jogador faltava por conta de um conflito ou por que alguém que ele conhecia havia morrido ou se ferido. Sobre religião, o que afetava era o Ramadã, mês sagrado para os muçulmanos, em que deve ser feito jejum do nascer até o pôr do sol. Tem também alguns feriados religiosos, que param tudo.

O que o Brasil encontrará?
A Seleção é muito favorita, mas não irá encontrar um time despreparado. O Iraque não é cachorro morto, não!

Eles vêm se preparando, não é?
Sim, tem um treinador estudioso, jogadores que já atuam na Europa e em ligas mais fortes... O pensamento deles era vencer os outros dois jogos e o que vier do Brasil seria um extra, eles vão viver o momento. Mas até pela característica da equipe, eles lutam pela vida, vão lutar muito pela vaga, pode ter certeza.

O que representa o futebol no Iraque?

Para o jogador, é uma forma de mudar de vida, não deixa de ser uma fuga da guerra. Há atletas que conseguiram sair do país e viver melhor, muitos vão para os Emirados Árabes, têm uma vida boa em Dubai... Alguns saem e não voltam para morar, só passam para visitar. 

Dá para ficar rico jogando bola lá?
No Iraque se ganha dinheiro sim, os grandes jogadores têm bons salários, conseguem viver do futebol. A fonte de renda da maioria é essa. Mas eles não colocam como profissionais, até porque a liga iraquiana não tem o reconhecimento, aqui no mundo árabe é apontado profissional quem vem de fora.

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