Há 40 anos, Panenka inventava a cavadinha. E entrava para a história

Na Europa, cobrança foi batizada com o nome do meia-atacante da ex-Checoslováquia. Ao L!, o hoje dirigente lembra do título da Euro de 1976. 'Todo mundo quer ser imortal', diz

Panenka cobra o pênalti do título da Eurocopa de 1976, contra a Alemanha Ocidental
Panenka cobra o pênalti que deu o título da Eurocopa de 1976 para a Checoslováquia (AFP) 

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O telefone tem tocado mais do que o normal na sede do Bohemians 1905, pequeno clube de Praga. Dependendo da hora, quem atende a chamada é o próprio presidente. Antonín Panenka é a prova de que a imortalidade pode estar na próxima jogada. Uma cobrança de pênalti bastou para transformar o meia-atacante da ex-Checoslováquia (atual República Checa) em uma das figuras mais cults da história do futebol.

- Não tem problema. Eu gosto de falar sobre isso. Quem não quer ser lembrado? - reconhece ele em entrevista ao LANCE!. Conversa possível graças à ajuda do assessor de imprensa do clube, que serviu como tradutor. Panenka só fala alemão e checo.

Faz 40 anos que ele mostrou ao mundo pela primeira vez o lance que no Brasil é chamado de “cavadinha”. Nos outros países de língua espanhola da América do Sul, é “picada”. No restante do mundo, é simplesmente “Panenka”.

A final da Eurocopa de 1976 foi para os pênaltis. A Alemanha Ocidental, então campeã do mundo, decidia o título com a zebra Checoslováquia. A última cobrança ficou para Panenka. Era ele contra o maior goleiro do planeta na época e um dos maiores de todos os tempos: Sepp Maier.

- Futebol é entretenimento. Eu quis surpreendê-lo naquele instante decisivo. Se chuto forte e no canto, a chance dele defender era razoável - explica.

Ele correu com a postura corporal de quem mandaria uma bomba. Quando chegou perto da bola, ajustou o pé e deu apenas um leve toque no meio do gol. O futebol nunca havia visto aquilo. Ainda mais na final do segundo torneio de seleções mais importante do mundo. Nascia a cobrança de pênalti “Panenka”. Aparecia a cavadinha.

- Era um recurso para fazer o gol. Eu bati de um jeito em que acreditava que a probabilidade de acertar era maior. Quando foi decidido que eu cobraria um dos pênaltis, havia colocado na cabeça que chutaria daquela forma. Hoje se tornou bem mais comum. Na época, me chamaram de louco - confessa.

Panenka atualmente
Panenka participou do sorteios dos grupos da Eurocopa-2016 (AFP)


Pirlo o imitou nas quartas de final da Eurocopa de 2012, entre Itália e Inglaterra. El Loco Abreu colocou o Uruguai na semifinal do Mundial de 2010 do mesmo jeito. Zidane repetiu na final da Copa de 2006 e durante o primeiro tempo, não na disputa de pênaltis. Cada vez que isso acontece, narradores na Europa dizem que se trata de “uma Panenka”.

O título da Checoslováquia em 1976 foi a grande zebra da história do torneio europeu de seleções, ao lado da vitória da Dinamarca em 1992. E a cavadinha catapultou a fama de Panenka. Ele passou a ser convidado para jogos das estrelas ao redor do mundo.

- Ainda sou. Quando posso, vou. Quero ser lembrado pelas pessoas que amam o futebol. Futebol sempre foi a minha vida. Eu sempre tentei usá-lo como brinquedo, mas no bom sentido. Porque o brinquedo te diverte mas, ao mesmo tempo, quando você é criança, não existe nada mais sério do que a hora de brincar.

A cavadinha não foi inventada por ele naquele momento, na final da Eurocopa. Não surpreende, vindo de um sujeito bonachão e falador como Panenka, que tivesse sido criada em uma brincadeira. Após os treinos do Bohemian 1905, os atacantes faziam disputas de pênaltis. Quem perdesse, pagaria almoço para o ganhador. Para ludibriar os goleiros, teve a ideia de ameaçar o chute forte e dar um leve toque por baixo da bola, que entraria devagar no meio do gol.

Pronto.

- Eu nunca acreditei em treino de pênaltis. Nunca. Achava uma perda de tempo. A gente praticava, mas sempre como diversão. Praticar as cobranças não faz qualquer diferença na hora do jogo. Porque o pênalti é cabeça. Por isso que eu tinha certeza que seríamos campeões contra os alemães quando a final foi para os pênaltis. A responsabilidade era toda deles. Não nossa. Eles eram os campeões do mundo. Nós, não. Tornou-se um jogo psicológico. Naquela hora, era eu, um jogador desconhecido do grande público, contra Maier, o melhor goleiro do mundo. Quem você acha que carregava mais responsabilidade?

"Praticar as cobranças não faz qualquer diferença na hora do jogo. Porque o pênalti é cabeça


O ex-jogador está acostumado a contar a história. Não se aborrece (pelo menos não aparenta) e gosta de explicar detalhes. Não tem o menor pudor de reconhecer que o pênalti Panenka se tornou bem maior do que o meia-atacante Panenka, embora um não exista sem o outro. Poderia até se irritar porque, embora não fosse um nome mundialmente conhecido antes disso, construiu uma carreira sólida em seu país. Fez 17 gols em 59 partidas pela seleção. Disputou a Copa do Mundo de 1982. Só não foi contratado por um time da Europa Ocidental porque na época da Guerra Fria, era muito raro uma negociação para o exterior envolvendo equipes da então chamada Cortina de Ferro.

- É gratificante. É uma maneira de ser imortal porque sempre que alguém bate um pênalti nesse estilo, citam meu nome. Muita gente, quando vê o lance, sorri. Futebol tem de ser assim. É para o torcedor depois ir no bar com os amigos e se divertir lembrando das jogadas. Todo mundo quer ser um pouco imortal. Eu também.

Graças ao futebol, Panenka realizou outros sonhos além de raspar a imortalidade. Conheceu seus maiores ídolos (Pelé e Cruyff) e jogou nos dois estádios que sempre povoaram sua imaginação: Wembley e Maracanã.

Apelidado de “vous” (barba, em checo), ele estará na França para ver jogos da Eurocopa que começa nesta sexta. Especialmente os da República Checa, que está no Grupo D, ao lado de Espanha, Turquia e Croácia. A estreia será na segunda-feira, contra os espanhóis.

Cozinheiro qualificado e presidente de clube, Panenka deu o nome a uma revista espanhola sobre futebol. A cada torneio europeu, a jogada que o consagrou é reprisada, assim como a comemoração com os braços erguidos. Ainda mantém o bigode que virou uma de suas marcas registradas e  a esperteza de saber que um momento de sua carreira o colocou na história. A mesma malandragem que o fez perceber quando usar a cavadinha ou não.

Na Eurocopa seguinte, em 1980, ele teve de bater um pênalti contra a Itália, que tinha Dino Zoff como goleiro.

- Corri para a bola do mesmo jeito. Com a mesma posição corporal.

Pressentindo a cavadinha, Zoff ficou plantado no meio do gol.

- Eu sabia que ele esperava a Panenka. Chutei forte no canto.

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