Enquanto 5 argentinos e 1 italiano estarão na Copa, comandando seleções do nosso continente, seguimos perdendo a rua, a academia, a capacidade de confiar em nós mesmos e a voz para valorizarmos nossos profissionais.
No futebol brasileiro, não é raro encontrar quem saiba muito, mas prefira o silêncio. Talvez porque falar dói, incomoda, expõe. Ou porque, como disse o excelente jornalista Lúcio de Castro, grande reforço contratado pelo Lance!, em sua recente coluna: as verdades mais evidentes acabam sendo abafadas pela engrenagem que prefere manter tudo como está. O ponto no qual me encontro na minha jornada no esporte, não mais me permite calar. Então, vamos lá, mais uma vez:
Nossa cultura é verbal sim. Infelizmente. Mas não deixa de ser cultura.
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Zagallo, Telê Santana, Cilinho, Felipão, Parreira, Luxemburgo e tantos outros, cresceram ou se formaram em plena ditadura militar, em meio à escassez de acesso formal ao conhecimento, mas foram capazes de construir o DNA do nosso futebol. Ideia, filosofia e saber existiram, e continuam a existir, no improviso que se tornou método, no empirismo que se transformou em legado.
Urgência da educação
Demoramos anos para reconhecer a urgência da educação no futebol.
A Escola Brasileira de Futebol (EBF) nasceu, e aqui, uma menção honrosa a Marcos Moura Teixeira, Osvaldo Torres e Maurício Marques, que lutaram para o fortalecimento desse braço educacional da CBF. Hoje transformada em CBF Academy, ela representa um avanço, mas que chegou tarde demais para tantas gerações de treinadores que não tiveram oportunidade de acessar conhecimento estruturado.
Universidade da rua
A rua, a maior Universidade do futebol, encolheu.
Não apenas pela especulação imobiliária, mas pelo medo crescente que aprisiona nossas famílias. Os campos de várzea se tornaram escassos, o futebol de rua virou risco, e muitos pais se veem obrigados a proteger os filhos da “faculdade da vida”. Perdemos o ambiente natural onde surgiam craques, dribles improvisados e soluções criativas.
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Ainda sofremos com o complexo de vira-lata
Nossa mídia insiste em reverenciar técnicos estrangeiros com indulgência, enquanto trata com desconfiança os treinadores nacionais. É como se a identidade brasileira fosse sempre menor do que a importada, mesmo em uma terra que deu ao mundo escolas únicas de jogar e pensar o futebol.
Nossa árvore já dá frutos
Da EBF à CBF Academy, vemos o surgimento de uma geração que inclui Eduardo Baptista, Jardine, Mozart, Jair Ventura, Rogério Ceni, Fernando Diniz, Filipe Luís e tantos outros. São sinais de que, apesar do atraso, é possível reconstruir e projetar um futuro com raízes próprias.
O presente exige responsabilidade de todos
É verdade: ter 5 argentinos e 1 italiano como treinadores na copa pelo nosso continente é quase uma tragédia. Apontar este problema e suas causas, é muito importante. Porém, é fundamental que clubes, federações, imprensa, empresários, atletas, gestores, torcedores e a própria política assumam sua parcela e passem a agir de verdade. Nossos treinadores não podem pagar essa conta e carregar este fardo sozinhos.
Escrever é resistir
Saber, às vezes, exige calar. Mas escrever também é resistir.
Porque se o silêncio preserva, a palavra denúncia. E alguém precisa lembrar que, enquanto adiamos o futuro, o presente insiste em nos cobrar. E para terminar, fico com o auge do requinte, que é a simplicidade de uma frase que me foi enviada por um leitor assíduo das minhas colunas, chamado Zico (sim, esse mesmo que você está pensando):
“Tudo isso é válido, mas o mais importante é a evolução do jogador no básico. Chama -se fundamentos do futebol. Repetição de passe, chute, domínio de bola, condução de bola, drible e cabeceio. Desde a base. Coisas simples e necessárias como escovar os dentes todos os dias.”
100% futebol. 100% verdade.
Ave, Zico. Viva o futebol brasileiro.
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Felipe Ximenes escreve sua coluna no Lance! todas as quartas-feiras. Confira outras postagens do colunista:
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➡️ O silêncio do vestiário
➡️ Nosso futebol segue entre Big Bangs e deuses imutáveis
➡️ Entre o bônus e o ônus do jogo
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