Na última década, apaixonados pelo futebol brasileiro se acostumaram a assistir a uma disputa cada vez mais restrita. Flamengo e Palmeiras se alternam nas conquistas, protagonizam finais e dividem o topo das tabelas. Para alguns, esse domínio é o início da "espanholização" do nosso futebol. Para outros, é o resultado natural de um processo de gestão, governança e visão de longo prazo. A verdade é que a hegemonia de hoje foi construída com tempo, coragem e trabalho duro.

O caso do Palmeiras: o clube que se reinventou

A virada do porco tem nome e sobrenome: Paulo Nobre. Ao assumir a presidência do clube em 2013, Paulo tomou uma decisão rara no futebol brasileiro: empréstimo do próprio bolso, recursos, com juros abaixo do mercado para salvar as finanças, reorganizar dívidas e devolver dignidade institucional. Enquanto isso, o Allianz Parque saía do papel, transformando o Palmeiras em um dos poucos clubes com estádio moderno e rentável.

Virada do Palmeiras começou em 2013 (Foto: Cesar Greco/Palmeiras/by Canon)

Elegeu seu sucessor, Maurício Galiotte, que manteve a rota de estabilidade, com a inegável força financeira da Crefisa e de Leila Pereira, que ampliaram o investimento e consolidaram o modelo. No campo, a consistência das categorias de formação, sob a competente liderança de João Paulo Sampaio, e após a chegada de Abel Ferreira, a sala de troféus do Palestra precisou ser reformada. O Palmeiras deixou de ser apenas um clube vencedor: virou uma organização sustentável, com governança, liderança e identidade.

➡️Na briga pelo Brasileirão, Palmeiras deve ter 'rodízio obrigatório' de jogadores na Data Fifa

O caso do Flamengo: Paciência, antifragilidade e ruptura

Em 2012, o grupo formado por Wallim Vasconcellos, BAP, Landim, Eduardo Bandeira, Cláudio Pracownik, entre outros, venceu a eleição no Flamengo com uma promessa simples e impopular: arrumar a casa para depois pensar em títulos. Foram anos de chacotas, críticas e ironias, enquanto o clube fazia o que quase ninguém tinha coragem: cortar gastos, pagar dívidas, investir em infraestrutura, fortalecer a marca e mudar o estatuto.

Medida impopular em 2012 iniciou a mudança no Flamengo (Foto: Juan Mabromata/AFP)

O consórcio com o Fluminense no Maracanã é um dos símbolos dessa reconstrução. Após sete anos, os frutos apareceram: superávit financeiro, títulos, valorização de ativos e protagonismo continental. O Flamengo se tornou a maior marca do futebol brasileiro e referência em gestão esportiva.

➡️Flamengo repete 2019 e treinará no mesmo local em Lima antes da final da Libertadores

A vaidade e o preço do sucesso

Vitórias também cobram o seu preço. A vaidade, inevitável em estruturas de poder, dividiu o grupo vitorioso de 2012 em quatro facções diferentes até o fim de 2024. Eduardo Bandeira de Mello, símbolo da reconstrução, virou oposição e enfrentou até um processo de expulsão do quadro social. Entre os episódios mais tristes dessa trajetória, a tragédia dos meninos do Ninho expôs as feridas que a profissionalização não consegue cicatrizar sozinha.

➡️ Gestão Esportiva na Prática: leia todas as colunas

No lado verde, as divergências internas também se tornaram públicas. Paulo Nobre se afastou de Maurício Galiotte. Galiotte, por sua vez, distanciou-se de Leila Pereira, cuja gestão é marcada por centralização e rusgas com torcidas e ex-dirigentes. Acredito firmemente que 90% dos problemas do futebol são gerados pela vaidade.

Os outros 10% pelas consequências dela. A história recente de Palmeiras e Flamengo confirma minha tese, mas com uma exceção rara: nesses dois casos, a vaidade não impediu o crescimento, estruturação e as conquistas para o clube.

Palmeiras e Flamengo não são apenas campeões

Hoje, Flamengo e Palmeiras não são apenas campeões. São clubes que entenderam que hegemonia não se compra, se constrói. Com gestão, paciência, sentido claro de projeto e colocação da instituição acima das pessoas. Para completar essa história com chave de ouro, um deles terá a honra e a glória eterna de ser o primeiro clube brasileiro tetracampeão da Libertadores.

A competitividade do futebol brasileiro pode voltar a ter seis, oito ou até doze clubes brigando no topo. A pergunta é: as gestões dos outros grandes clubes terão pessoas dispostas a pagar o preço para colher frutos no futuro, e não no presente?

Gestão Esportiva na Prática: veja mais publicações

Felipe Ximenes escreve sua coluna no Lance! todas as quartas-feiras. Confira outras postagens do colunista:

➡️O novo vestiário do futebol: 30 empresas e um só clube
➡️O novo mapa de poder no futebol
➡️O erro no futebol e a ilusão da perfeição
➡️Brasileirão de 40 clubes – equilíbrio, surpresas e a urgência da gestão
➡️ 5 + 1, a equação da nossa tragédia
➡️ Quando o vestiário fala
➡️ O silêncio do vestiário

Siga o Lance! no Google News