Faltavam 3 segundos para o fim da partida.
Em ato de desespero, Guguta mandou uma pedrada do meio da quadra.
Cesta para o Flamengo. 45 a 44 contra o Sírio Libanês. Flamengo campeão carioca de basquete diante de um Maracanãzinho enlouquecido.
Era um 25 de novembro de 1955.
Gilberto Cardoso, então presidente do clube, não suportou.
Para ser mais exato, o coração rubro-negro não suportou.
Morreu de Flamengo.
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A alma no uniforme
Corações rubro-negros foram testados novamente em situação-limite tão surreal quanto 64 anos depois.
Aquele 23 de novembro de 2019 é para qualquer rubro-negro como um daqueles dias em que todo mundo lembra onde e com quem estava.
Em três minutos, dois gols e uma virada que arrombou a porta da história.
Três minutos. Mágicos, surreais, incomparáveis...
A paisagem lunática que circunda o Monumental de Lima emoldurando a cena.
Para um rubro-negro, nada pode ser mais rubro-negro do que uma vitória que vem de virada.
É quando a alma e o coração do torcedor ficam representados no uniforme.
Seis anos se passaram e jamais consegui ver nenhuma boa tradução sobre o que aconteceu naquele dia. Nenhum texto que tenha dado conta, nenhum áudio, nenhum filme.
Porque talvez seja impossível sintetizar aqueles três minutos. Uma daquelas histórias em que a realidade é irreproduzível. Indefinível.
Tão surreais, tão fora de roteiro.
Tampouco consegui ver alguém cravar a definição do que aconteceu nas arquibancadas.
Foi diferente de qualquer coisa.
Curiosamente, todos os relatos vão no mesmo tom.
No lugar da explosão de alegria, um choque. Em forma de explosão, mas um choque.
As pessoas meio paralisadas, as expressões de espanto ou choque difícil de serem definidas.
Faça a experiência e veja essas imagens. Diferentes de tudo.
Catarse seria o caminho natural a ser escolhido para tal definição.
Não dá conta.
Penso em ressurreição. Ou algo assim.
Ressurreição de quem tava vivo. Ou quase vivo.
Mesmo sabendo que também não dá conta. Mas é o que mais se aproxima.
O velho e bom Aurélio diz que "ressurreição" é "cura surpreendente e imprevista", "vida nova; renovação, restabelecimento".
E na acepção mais mística, fala em "surgir para uma nova e definitiva vida, distinta e, em certa medida, oposta à existência terrestre".
Olhando as imagens de 2019, parece que para o rubro-negro foi tudo isso.
Foi também um dia em que os famosos "deuses do futebol", sempre travessos e pregando peças nos mais virtuosos times, ajustaram suas contas com a justiça.
Era um time de sonhos. Jogando um futebol de sonhos. Um português no comando tinha feito a revolução mais rápida da história do futebol.
Capaz de produzir um futebol encantador. Arrasador.
Uma cobra que ia sufocando os adversários, com um ímpeto de cravar o punhal e rodar como poucas vezes tinha se visto por essas terras.
Como a vida, por vezes o futebol é injusto. Dessa vez não foi. Por muito pouco.
Sabemos que para ganhar o selo de "histórico" exigimos conquistas de uma equipe. Por três minutos, o time mais avassalador do futebol brasileiro na última década conseguiu seu carimbo.
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O mesmo cenário
Se o milagre não tivesse ocorrido... ficaria sempre o asterisco da dúvida sobre estar ou não na história. Seis anos depois, o mesmo cenário está de volta.
O mesmo estádio. A mesma Lima.
A cidade que amanhã bate o martelo entre duas sentenças de vida: fica na história do Flamengo como a afirmação da velha máxima de que "nunca se volta onde se foi feliz". Ou então entra definitivamente para o evangelho rubro-negro como um lugar sagrado e de devoção. Um santuário rubro-negro.
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Lúcio de Castro escreve sua coluna no Lance! todas as sextas-feiras. Veja outras colunas:
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