"Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram;
...eles dobram por ti."
John Donne, Meditações VII. (1623)
Estes belos versos, escritos por John Donne, um bispo anglicano, que inspirou um livro (e posteriormente, um filme) lindíssimo de Ernest Hemingway, chamado "Por Quem os Sinos Dobram?" tratam da importância que devemos dar à morte de qualquer humano, e ela deve ser tratada como catástrofe única, por nos expor nossa dolorosa e incorrigível finitude!
Já que tocamos neste assunto, o único cuja certeza já nos vem de nascença, a morte, também é assunto recorrente, atualmente, no mundo dos esportes. Mais detalhadamente, a morte súbita em atletas!
Sim, segundo as autoridades médicas, este nome macabro é o de um evento inesperado, geralmente fatal (esta fatalidade alta, sim, é o que nos alarma), que ocorre durante, ou até 1 hora, após a prática de atividade física, em indivíduo aparentemente saudável, e que tem crescido de forma alarmante no mundo, nos últimos anos. Inclusive, especula-se que a maior incidência dele tem forte associação com a pandemia de Covid 19, entre março de 2020 e maio de 2023, cujas sequelas cardíacas podem ter criado uma geração de futuras vítimas de Morte Súbita em Atletas.
Lista de mortes não se resume a pacientes de Covid
Mas não só de pacientes de Covid se resume a triste e longa lista de óbitos, pois cientistas destacam várias outras morbidades que, silenciosas, conspiram para o aumento do número de vítimas, nos últimos anos. Infortunadamente, em vários países, liderados (infelizmente) pelo Brasil, não são encontrados números oficiais, nem uma política de combate. Alguns estados e cidades, se apressam em usar as mesmas armas ineficientes de 15 anos atrás, quando, por conta de uma sequência assustadora de fins de semanas consecutivos com notícias de óbitos de atletas praticando seu esporte predileto, num momento em que marcas esportivas e entidades ligadas ao mundo das corridas celebravam um número nunca imaginado de praticantes de corridas de rua no país. Ultrapassamos, naquela época, os 6 milhões de corredores assíduos (2 ou mais dias de treino por semana). A arma tentada naquela época, a obrigatoriedade de atestado médico para quem quiser se inscrever numa corrida de rua. Escolha errada, tentativa desastrosa, pois, além de transtornar a vida de muita gente, com dificuldade de acesso a um médico (por falta de dinheiro, plano de saúde ou logística complexa), acabou gerando um mercado paralelo de produção de atestados médicos! Além de que, a maioria dos atestados prescritos por médicos verdadeiros, vinha de parentes e amigos médicos, que não se preocupavam em diagnosticar a saúde de seus amigos e familiares, e cumpriam o velho ritual de "atestar para os devidos fins, que fulano de Tal da Silva estava apto a praticar atividade física ..." E seguia o jogo de empurra, empurra. Lei ineficiente e ridícula! As mortes continuaram, a produção de atestados falsos também, e os atestados familiares idem!
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Hoje, quando nos assustamos com números incertos, porém próximos do real, sobre o número atual de corredores assíduos beira os 40 milhões (fechemos a conta em 33 milhões, pois continua na clandestinidade a produção de números referentes ao tamanho do mundo da corrida em nosso país), vemos espocarem notícias e postagens, a cada segunda-feira, de casos de Morte Súbita em Atletas, Brasil afora. Como não existem dados oficiais, estas informações das segundas (feiras) passam a ser nossos dados, e até conseguimos mapear qual tipo de prova provoca mais mortes, que faixa etária é mais suscetível, o gênero mais recorrente. E desse enorme caleidoscópio não oficial de óbitos, tentamos pensar em uma política real de combate a este mal. Os números que coletamos de países europeus e norte-americanos são fidedignos, mas dentro da realidade deles! Peguemos carona, pois, e adaptemos as nossas realidades ambientais e sociais. São números, aparentemente, pequenos, mas injustificáveis, pois estamos lidando com esportistas, aparentemente saudáveis, inclusive uma grande quantidade de vítimas jovens! Não podemos normalizar, nem normatizar isto! Pensemos no que nos disse John Donne, há mais de 4 séculos: "... a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano...". E querer justificar é o pior cenário. Ao fim de cada fim de semana, começam a aparecer as postagens de justificativa, por organizadores e patrocinadores, geralmente, com a foto da última vítima fatal, e um texto padrão se justificando, distorcendo realidades, esticando e tentando explicar o inexplicado!
Quando nos debruçamos nos números, pequenos, para muitos cientistas e estudiosos, mas gigantescos e inaceitáveis, para parentes e amigos dos que deixaram suas vidas no asfalto duro, e se tornaram "números pequenos" para os tecnocratas da saúde, notamos a falta de pesquisas verdadeiras, pelo menos em relação ao número geral de casos de Morte Súbita, de um modo geral, mas nem este conseguimos encontrar consistência. Alguns países como Itália e Estados Unidos buscaram, em vão, encontrar estes números, que só fazem, desafortunadamente, crescer. Novas pesquisas estão em curso, esperamos ansiosos que por estas nossas praias, também haja este movimento!
É preciso, urgentemente, entender que, as ações não são para dificultar a participação desse mundo de corredores, em corridas de rua. Mas, sim, para facilitar a detecção de possíveis vítimas, e não deixar que se tornem dolorosos números, a cada segunda-feira, a espocar nos jornais, e nas redes sociais.
Como no fim da antiga estrofe, e no título de um dos livros mais lidos de Hemingway...
...E por isso não perguntes por quem os sinos dobram;
...eles dobram por ti."
Que os sinos dobrem pelas mortes não morridas, pelos resgates exitosos, e pela celebração da alegria nas linhas de chegada!
Lauter Nogueira
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