75 anos da Arrancada Heroica: A história contada por quem esteve lá

Primeira partida do Verdão como Palmeiras completa data especial nesta quarta. A convite do LANCE!, Heitor Janeiro, de 89 anos, volta ao Pacaembu para reviver episódio de 1942

GALERIA: Torcedor que viu 1º jogo do Verdão como Palmeiras volta ao Pacaembu para reviver emoções de partida histórica 
(Foto: Angelo Martins)

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- É um prazer estar aqui.

Heitor Janeiro é parte viva da história. Aos 89 anos, o torcedor palmeirense ainda tem cristalinas as memórias do dia 20 de setembro de 1942. Há exatos 75 anos, o Verdão entrou em campo pela primeira vez como Sociedade Esportiva Palmeiras, após enormes pressões durante a Segunda Guerra Mundial para que abandonasse o nome Palestra Itália. Tempos de intolerância contra o clube, mas de superação. Logo no primeiro jogo como Palmeiras, o time enfrentou o São Paulo pelo Campeonato Paulista e sagrou-se campeão, em episódio que ganhou o nome de Arrancada Heroica. Heitor, nosso personagem, tinha 14 anos e estava na arquibancada do Pacaembu. O LANCE! descobriu o torcedor e o levou ao estádio, na última segunda-feira, para recordar a passagem épica. E seus olhos brilharam quando passou do portão.


- O tempo podia voltar, eu era tão jovem... Vocês nem tinham nascido!

Morador de São Paulo (SP), Heitor nasceu em 12 de abril de 1928 e recebeu este nome em homenagem a Heitor Marcelino Domingues, maior artilheiro do Palmeiras, com 310 gols em 360 jogos entre 1916 e 1931. Vendedor aposentado, ele é sócio do Verdão desde 1941 e até hoje frequenta o clube. Descendente de italianos e espanhóis, se apaixonou pelo Palestra Itália logo na infância. Esteve no primeiro jogo do Pacaembu, Palestra 6 x 2 Coritiba, em 28 de abril de 1940, e dois anos depois foi testemunha da Arrancada Heroica. Na última segunda, Heitor voltou a sentir o clima de 75 anos atrás, sentado na arquibancada do Pacaembu. Ele recordou que 1942 foi um ano complicado:

- O país era comandado por Getúlio Vargas. Era uma ditadura. Eles queriam que o Palestra Itália trocasse de nome, porque o Brasil colocou, em 42, a Itália como país inimigo na Segunda Guerra. Houve uma reunião no clube (em março de 1942) e o nome foi alterado para Palestra de São Paulo, mas também não foi aceito pelo governo. E Palestra é um nome de origem grega! Depois virou Palmeiras (em 14 de setembro de 1942). O primeiro jogo depois da mudança era contra o São Paulo, e eles estavam preparando uma vaia enorme.

Uma portaria homologada no dia 11 de março de 1942, sob decreto de número 4.166, determinava que os bens pertencentes a italianos, alemães e japoneses, tanto pessoas físicas quanto jurídicas, poderiam ser confiscados e empregados pelo governo brasileiro para compensar os prejuízos resultantes de atos de agressão praticados pelos países em guerra contra o Brasil. Segundo historiadores palmeirenses, o São Paulo iniciou uma campanha tratando o Palestra como uma equipe inimiga da nação, com o objetivo de captar o patrimônio do clube - o Estádio Palestra Itália era um dos mais modernos do Brasil. Também de acordo com historiadores palmeirenses, o São Paulo não aceitou a mudança de Palestra Itália para Palestra de São Paulo, pedindo retaliações ao clube. Ao Verdão, restou trocar para Palmeiras e evitar perdas.

'Teve um Palestra contra São Paulo no Parque Antártica, e atiraram pedras contra nossa torcida. E a gente precisava ficar quieto'

- Certa vez, teve um Palestra contra São Paulo no Parque Antártica, e atiraram pedras contra nossa torcida. E a gente precisava ficar quieto. Eu era criança. Tínhamos medo na guerra, pelas raízes italianas. Meu avô pegava bonde todo apagado. Foi uma grande coincidência enfrentar o São Paulo logo no primeiro jogo após a mudança de nome - lembrou Heitor, depois detalhando a entrada do time no jogo da Arrancada. Os jogadores do Verdão, cientes do cenário hostil prometido pela torcida do São Paulo, surgiram no gramado com uma bandeira do Brasil, como demonstração de patriotismo:

- Tinham umas 60 mil pessoas aqui no Pacaembu. Quando o Palmeiras entrou em campo com a bandeira do Brasil, todo mundo teve que aplaudir. Não sei quem teve esta ideia, mas fez toda a diferença - destacou Heitor Janeiro.

A ideia foi do capitão Adalberto Mendes, militar sergipano que se sensibilizou com a luta do Palmeiras e virou vice-presidente do clube na época. Adalberto não só deixou a sugestão, como entrou em campo fardado junto ao time para impor respeito diante da torcida. A foto deste momento entrou para a história.

UM TIME ETERNO. NAVEGUE PELA FOTO E SAIBA MAIS SOBRE DUAS LENDAS

Os heróis da Arrancada: Lado esquerdo, de frente para trás - Oberdan, Echevarrieta e Cláudio. Lado direito, de frente para trás - Capitão Adalberto Mendes, Junqueira (capitão do time), Begliomini, Og Moreira e Zezé Procópio. Jogadores escondidos na foto - Del Nero, Waldemar Fiúme, Villadoniga e Lima.

ADALBERTO MENDES EXPLICA MUDANÇA DE NOME. VÍDEO DE 1982


O Palmeiras seguiu valente quando a bola rolou. Se ganhasse, seria campeão paulista. E a caminhada brilhante, feita apesar de todas as dificuldades, foi coroada com um merecido 3 a 1. A partida corria bem até os 19 minutos do segundo tempo. Então, o são-paulino Virgilio deu um carrinho violento, cometendo pênalti, e foi expulso. Indignados, os tricolores se recusaram a jogar o restante do duelo e ficaram parados no campo. O árbitro esperou até os 45 minutos e encerrou o jogo. Heitor recorda que a torcida alviverde, em êxtase, começou a cantar "Fujão! Fujão!" para o São Paulo. Um grito para lavar a alma.

- O pessoal chamou o São Paulo de "fujão". Confesso que não me lembro se gritei... Mas eu era jovem, devo ter gritado também (risos). Todo mundo gritou - disse Heitor Janeiro, que se delicia com o final feliz até hoje:

- Foi um jogo que me marcou muito. No começo, não gostamos da mudança do nome, por sermos descendentes de italianos. Mas depois acostumamos tanto com o nome Palmeiras que passou batido. Agora, nem me acostumaria de novo com Palestra. Então é Palmeiras mesmo! E eu vi esse primeiro passo.

Gazeta
Gazeta Esportiva de 12/10/1942, exaltando o título de semanas antes

FAMÍLIA DE ÁRBITROS

A família de Heitor é ligada ao futebol, já que o pai dele e os tios eram árbitros. Os Janeiro eram representados no apito e, curiosamente, o juiz que comandou a partida no dia 20 de setembro de 1942 também levava o sobrenome:

- Eram três irmãos: Antonio, Dino e Artur Janeiro. Este Janeiro que apitou este jogo aí, Jaime Janeiro Rodrigues, não era parente nosso. O meu pai apitou muitos jogos, do Corinthians, no Rio de Janeiro...

A paixão pelo Palmeiras gerou até brigas dentro da família após um clássico contra o Corinthians, em 1939, na Fazendinha, pelo Campeonato Paulista.

- Teve um jogo que o meu tio apitou entre Palestra e Corinthians que foi 3 a 3 e o Zalli, ponta-esquerda do Palmeiras, fez um gol de cabeça. Seria o quarto, mas meu tio anulou e quando chegou em casa a minha tia, que era palmeirense, xingou ele - recorda Heitor Janeiro, que tinha 11 anos na época.

'JEITINHO' PARA VER O PALESTRA

Durante a infância, Heitor conviveu bastante com os tios que o levavam para os jogos do Palestra Itália no Parque Antártica. O problema é que naquele tempo criança não podia frequentar jogos noturnos, mas a família encontrou uma maneira inusitada para que o pequeno palestrino fosse ao estádio.

- Fui criado com a minha tia e meu tio, que eram fanáticos pelo Palestra. Então eu ficava no meio deles e o meu tio me escondia com o sobretudo. Eram seis pés (risos). Quando percebiam, já estávamos dentro do estádio.

AMIZADE COM ÍDOLO

Frequentador do clube social até hoje, Heitor fez várias amizades e uma delas é especial. O torcedor que viu tantas vezes Oberdan Cattani defender o gol do time do coração virou amigo do ex-goleiro, quando ambos tinham mais de 70 anos de idade. Oberdan morreu aos 95 anos, em junho de 2014, pouco antes do centenário do Palmeiras. Atualmente não há ex-jogadores do Palestra vivos.

O Palmeiras já homenageou seis jogadores com bustos e Heitor teve a chance de ver todos em ação: Waldemar Fiúme, Junqueira, Oberdan, Ademir da Guia, Dudu e Marcos. Ele tem sua preferência sobre qual foi o melhor:

- Os que eu mais gostavam eram Waldemar Fiúme e Ademir da Guia, mas o Oberdan foi muito meu amigo. O Waldemar era o Pai da Bola.

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