Se a primeira imagem que vem à sua mente quando ouve falar em tênis de mesa para pessoas com deficiência é a de dois atletas sentados em uma cadeira de rodas, um de cada lado, você ainda tem muito a aprender sobre o esporte. Quem pode dar algumas lições a respeito do tema é uma garota jovem, simpática e aparentemente livre de qualquer limitação física.
Dani Rauen, da classe 9, é a caçula do Brasil na modalidade nos Jogos Parapan-Americanos de Toronto (CAN). Aos 17 anos, destoa de grande parte da delegação. Afinal, tem braços e pernas, enxerga perfeitamente e ouve até perguntas sobre o que faz em meio a atletas paralímpicos. Só um olhar atento às suas mãos captam algo diferente.
A catarinense de São Bento do Sul descobriu aos quatro anos que sofria de artrite reumatoide, uma doença que atrofia os músculos e degenera as articulações. Ela não sente dores, mas o problema já restringiu a mobilidade dos membros que utiliza para segurar a raquete, algo que pode se agravar no futuro. A doença é incurável, e os cuidados incluem medicamentos e exames.
– Todo mundo comenta: “Nossa, você é paralímpica?”. Tenho de explicar, mostrar as mãos. Mas quem vê no dia a dia acha que eu não tenho nada. Vejo pessoas com deficiências graves e percebo que meu problema é pequeno. Eles servem de inspiração para mim – disse Dani, ao L!.
A prática do tênis de mesa exige esforços, mas ajuda a retardar os efeitos da doença. Antes de se tornar atleta paralímpica, ela já disputava competições da modalidade olímpica. Mas percebeu que poderia ser competitiva mesmo com as limitações. Em menos de dois anos como profissional, já é a sétima colocada do ranking mundial e aposta do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) de medalhas em Toronto e no Rio-2016, no individual e por equipes.
Ciente de que os ossos e músculos podem encurtar seu período como atleta, ela foca em garantir presença na Paralimpíada (o Parapan vale vaga), mas sem pressão. Acredita que pode tanto competir profissionalmente até os Jogos de Tóquio (JPN), em 2020, como se dedicar aos estudos: quer cursar Engenharia Civil.
– Talvez eu tenha de cair de classe no futuro, mas, com os remédios que tomo e exercícios que faço, acho que terei algum tempo ainda – disse.
No tênis de mesa, os paratletas são divididos em onze classes: de 1 a 5 para cadeirantes, de 6 a 10 para andantes e 11 para andantes com deficiência visual.
No sábado, Dani bateu a compatriota e amiga Jennyfer Parinos por 3 sets a 0 (11-6, 12-10 e 11-8). Neste domingo, ela volta à quadra à tarde e, no mesmo dia, acontece a disputa por medalhas.
BATE-BOLA
Dani Rauen
Atleta do tênis de mesa, em entrevista ao LANCE!
‘Hoje, jogo bem contra chinesas e as europeias’
Quais são os efeitos da sua doença? Sente alguma dor?
As articulações ficam rígidas. É assim no punho, no quadril, no cotovelo, nos pés. No meu caso, afetou mais as mãos e um pouco nas pernas. O melhor é que eu não sinto dores, que são o principal sintoma. Por isso, não sei quando ela está ativa ou não. A qualquer hora pode se manifestar.
Você já caiu da classe 10 para a 9 (quanto menor, maior é o grau de deficiência). Isso te preocupa?
Na verdade, sinto que hoje estou na classe certa. No ano passado, me reclassifiquei na França e consegui ir para a 9. Tenho mais chances. Antes eu era 12 do mundo, agora sou a sétima. Jogo bem contra chinesas e europeias.
Como é a reclassificação?
É feita pelos classificadores em competições, mas alguns não avaliam muito bem. Um argentino quase me deixou inelegível, ou seja, sem poder competir como atleta paralímpica.
Com a palavra
Paulo Camargo
Técnico da Seleção Brasileira paralímpica de tênis de mesa para andantes
"Todo cuidado é pouco com a doença"
"Sempre tive muito cuidado com a Danielle. Primeiro, fiz um convite em 2013 para ela treinar alguns dias em Piracicaba (SP), com a Seleção permanente. Depois, percebi que poderíamos trabalhar em cima da parte técnica dela e evoluir com boas perspectivas. Fizemos um trabalho muito forte e, ao mesmo tempo, cuidadoso com a saúde dela.
Os resultados apareceram já em 2014, quando ela obteve boa colocação no ranking mundial ainda na classe 10. Em outubro daquele ano, conseguimos baixar para a classe 9. Foi então que as coisas melhoraram ainda mais, pois ela apresentou resultados muito bons, venceu a russa número 4 do mundo e, em 2015, foi a atleta que obteve melhor performance entre os andantes da Seleção permanente com o sétimo lugar no ranking mundial.
No Parapan, a medalha, de ouro ou prata, é o principal objetivo. Temos boa chance de conseguir uma medalha por equipe nos Jogos de 2016. No individual, o bronze já seria um resultado excelente no ano que vem. Chinesas, russas e turcas estarão na disputa, mas acreditamos. Será importante para ela subir duas posições, ou seja, chegar em quinto.
Todo cuidado é pouco com a doença, pois ela toma uma medicação forte mensalmente. Sempre procuramos monitorar a saúde dela. Mas tem total apoio da Comfederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM), do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) e do Ministério do Esporte, além da família.
* O repórter viaja a convite do CPB