Dia 01/03/2016
01:57
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“Um argentino quase brasileiro” é como ele próprio se define. De expressão séria, mas fala mansa e ponderada, Rubén Magnano, o técnico da Seleção Brasileira masculina de basquete, mantém um retrospecto que contrasta com o volátil e transitivo mundo esportivo brasileiro: comanda o selecionado do país há mais de cinco anos.

Em entrevista exclusiva ao LANCE!, Magnano falou sobre suas expectativas para o Pan de Toronto, a Olimpíada do Rio de Janeiro, e o futuro do basquete brasileiro, projetando uma saída para o esporte no nosso país. Confira!


LANCE! - Você preparou uma Seleção diferente para o Pan. Como é essa mudança e o que você está passando aos jovens?

Rubén Magnano - Temos uma mistura de idades. Há alguns com muita experiência, outros mais jovens. Alguns estão iniciando na Seleção Brasileira e essa convocação tem a ver com isso, dar um volume internacional maior a eles. Isso é importante para o desenvolvimento dos jogadores. O Pan é interessante para nós. Acho que a gente, como não vinha acontecendo, teve uma preparação muito boa. Acho que chegamos bem ao Pan. Mas, o objetivo é justamente o que falei antes, dar a esses jogadores experiência internacional. Claro, temos um objetivo ainda muito importante que tem a ver com o futuro da Seleção. Vejo e percebo que parece que tudo acaba em 2016, mas o basquete continua! Tenho a obrigação, entre aspas, de dar mais evolução, participação e crescimento aos atletas.

L! - Como você vê a base do basquete brasileiro hoje?

RM - Infelizmente, a quantidade de jogadores não é grande. Uma avaliação objetiva e bem firme tem de ser feita em uma competição internacional, como o Mundial. Aí sim podemos ter uma ideia do que está acontecendo. Temos um projeto realmente muito bom, mas falta acertar essa variável de determinar se, internacionalmente, nossos atletas estão preparados. Consigo enxergar que temos um biotipo bom, jogadores tecnicamentes bons, mas temos de dar a eles essa variável.


L! - O brasileiro gosta do esporte que ganha. Você acha que o país é focado em resultado? Como trabalhar em um lugar assim?

RM - O brasileiro vive muito de perto o futebol, a torcida de seus clubes. Hoje, você é um herói e, amanhã, um vilão. Não há uma concepção muito clara do esporte. Claro que é mais fácil ficar feliz com quem ganha do que com quem perde. Tenho de ser psicologicamente forte para que nada atrapalhe o meu objetivo como treinador. Infelizmente não tivemos pódios, falta um pulinho a mais. Mas vejo que o basquete, a nível de Seleção, ganhou em credibilidade. Há um jeito de jogar, responsabilidade, comprometimento... Agora, para que todos fiquem felizes, falta um resultado positivo. Que é o que falamos, um pódio na Olimpíada. Dá para sonhar que a gente pode fazer algo histórico. Mas, para mim, isso não me garante, sendo sincero, que o basquete pode se revolucionar. Se falava que o Brasil ficou 16 anos fora da Olimpíada e conseguimos a vaga. E então? Não mudou nada.

L! - O que você acha que está faltando no basquete brasileiro para termos uma evolução?

RM - Pode se falar, por exemplo, em uma questão numérica. A quantidade de clubes e jogadores que temos em um país de 240 milhões de habitantes é muito pequena. A condução do esporte tem de ser avaliada e definir o que quer. Eu vejo a condução do basquete, por exemplo, muito vertical. Temos estados muito grandes que precisam ter para seu controle uma subdivisão que vá potencializar regionalmente o basquete. Ou colocamos o esporte dentro da educação, já que temos a matéria prima ali e não precisamos correr atrás de ninguém, ou utilizamos um elemento muito importante em países que têm um trabalho de formação de atletas e pessoas, que são os clubes. Se não está na escola, está no clube. Quantos garotos no Brasil jogam 40 jogos no ano? Essa competição permite um crescimento não só de atletas, mas de todos: jogadores, juízes, treinadores, dirigentes... Outra coisa que sigo surpreso, porque vejo que ninguém bate nisso, é ter um “caldo de cultivo”, ou seja, a competição sistemática para um garoto de 9, 10, 11, 12 anos. São elementos que temos de trabalhar mais. O que querem para nosso esporte? Qual o caminho? Escola, clube? O que fazer? Parece que esperamos um grande sucesso do nada para que algo aconteça. Querem começar a construir a casa pelo décimo andar. De que adianta ter uma equipe que está entre os cinco ou seis melhores do mundo se você não tem um crescimento?

L! - Acha que jogamos fora tudo de bom que aproveitaríamos com a Olimpíada no Brasil?

RM - Eu acredito que ter uma Olimpíada em casa é muito grande e especial. Mas seria um momento interessante para aproveitar positivamente essa situação, para apoiar, divulgar, acrescentar ao esporte. Não apenas ao basquete, mas a todos os outros. Infeliz seríamos se não aproveitássemos isso. Espero que fiquemos na primeira ideia. Os Jogos seriam um grande agente multiplicador para inserir as crianças no esporte.


Após classificar o Brasil para a Olimpíada depois de 16 anos, equipe de Magnano chegou até as quartas (Foto:AFP)

L! - Vê o Brasil entre as potências mundiais no basquete?

RM - Eu já pensava isso quando estava na Argentina. Achava que o Brasil deveria estar perto dos Estados Unidos. Eu não chutei isso, tenho uma linha de pensamento: 240 milhões de habitantes, com uma mistura de raças e biotipos muito interessante, uma história importante no basquete... Não entendia o que acontecia. Mas, devagar, as coisas vão mudar.

L! - Como viu a notícia que o Brasil precisará pagar o convite do Mundial para ir à Olimpíada?

RM - A incerteza não é boa para nenhum planejamento. Hoje, o que mudou? Nada. Ainda não temos a vaga. Não posso me envolver nesses problemas. Enquanto isso não atrapalhar a nossa preparação, eu vou ficar quieto.

L! - O que muda ter dois jogadores campeões da NBA?

RM - Para mim é um orgulho como treinador. Ter um cara campeão da NBA é uma grande satisfação. Ainda mais quando ele vem e entende qual o trabalho da Seleção. Isso muda para os rivais também, aumenta a fome deles. Mas não dá garantia de vitória. Temos de ter jogadores campeões e consistência dentro da nossa equipe. Somente o talento não vai nos garantir a vitória.

L! - O fator psicológico de jogar em casa na Olimpíada te preocupa?

RM - Não somente por ser aqui, mas todos os atletas que jogam em alto nível, mirando uma performance maior e lutando por uma medalha olímpica, têm de ter uma atenção
no aspecto psicológico, e isso me preocupa. Mas nós temos muitos caras experientes. Agora, na equipe da Universíade, pela primeira vez na minha vida estou avaliando como é trabalhar com psicólogos, para ver se conseguimos melhorar o emocional dos nossos atletas. Mas acho que isso não é um trabalho de 30 dias. Temos de trabalhar assim a partir dos 14, 15, 16 anos, porque estamos tendo muitos problemas desse tipo. As psicólogas até me disseram que queriam começar o trabalho antes. Mas vamos ver, temos de mirar não só em 2016, mas depois, no futuro do basquete.


No Mundial da Espanha, Brasil fez sua melhor campanha em 24 anos (Foto: AFP)

L! - Você sente orgulho em estar na Seleção há cinco anos e meio?

RM - Acho que nem os brasileiros acreditam que eu estou aqui há tanto tempo (risos). Sinto muito, muito orgulho por estar dentro do basquete brasileiro e ajudar o máximo que posso. No que eu puder, vou seguir ajudando.

L! - Te incomoda ter o Oscar, maior ídolo do basquete brasileiro, te criticando a cada torneio?
RM - Eu já entendi que no momento que uma pessoa está com você e te apoiando no trabalho que você está fazendo e, da noite para o dia, vira ao contrário, não há credibilidade. O respeito como ídolo, mas, além disso, suas opiniões não interessam em absolutamente nada. Quando as críticas são sólidas e têm um respaldo lógico, são bem vindas.

L! - Você acha que os feitos no Brasil são desvalorizados?
RM - Temos de colocar na balança quem analisa. Há muita informação direcionada. O que vende mais é o negativo, e não o positivo. O que quero é sair na rua, vir alguém e me falar: “Parabéns, cara, a equipe está jogando muito bem. Voltamos a ver basquete”. Ou seja, o povo. Isso me gratifica. Quero ganhar tudo. Espero que o país consiga uma medalha em 2016. O Brasil precisa disso.

L! - Já incorporou o jeito brasileiro?
RM - Não me tiraram o passaporte argentino ainda (risos), mas não posso ser mal agradecido. Tenho um sentimento diferente. Claro que me sinto muito mais participativo, com muita vontade de fazer as coisas darem certo. Ajudar as pessoas que me ligaram e falaram que precisavam de mim. Abri meu coração porque tinha essa necessidade, e tenho de devolver o bom tratamento que eu recebo.

L! - Pensa em seguir aqui como manager no fim da carreira?
RM - Não sei o que vai acontecer. Faz seis anos que estou fora de casa. O trabalho de coordenação de seleções é muito interessante, porque gosto de trabalhar com jovens. Gostaria de estar perto de treinadores, garotos, da equipe adulta, porque é muito interessante. Claro, temos de ver tudo, a proposta, o trabalho, mas é interessante. Hoje, meu foco é imediato. É o que vai acontecer no Pan-Americano, na Copa América, e um pouco mais além, que são os Jogos Olímpicos. Não vou me distrair. Não permito ter algum pensamento que passe por cima disso, porque acredito muito no que faço. Às vezes dá certo, outras não. Sinto essa firmeza. Nada vai tirar o foco do imediato e da Olimpíada.


Sob o comando de Magnano, Brasil caiu nas quartas de final em Londres-2012 (Foto: AFP)

L! - O que falta para o Brasil conseguir um pódio?
RM - Tem a ver com um resultado, que é o que vai nos permitir lutar por uma medalha. No Mundial de 2014, nas quartas contra a Sérvia, tivemos um desequilíbrio emocional em um momento em que o jogo estava muito aberto. Deixamos ir embora a maior possibilidade que tivemos até hoje de lutar por uma medalha. A perspectiva é boa. Bem preparados, brigamos com qualquer um.

L! - Qual momento te deu mais prazer nesses cinco anos. Teve uma hora que você quis largar?

RM - Nunca pensei em ir embora, mas pensei que fossem me demitir depois da Copa América, na Venezuela. Ali eu realmente fiquei muito mal. E uma das coisas que eu tenho guardadas em meu coração foi a recepção que tive em Mar del Plata, em solo argentino. O reconhecimento do povo, para mim, foi algo muito além. Isso me encheu de orgulho como treinador. Sobretudo defendendo o Brasil, ganhando deles e conquistando a vaga olímpica. Isso, para mim, valeu mais do que uma medalha.

L! - Essa é a melhor geração do basquete brasileiro?

RM - Talento não garante resultados. Para ser a melhor tem que ganhar. Se você não ganha, não é a melhor.

L! - Passamos a Argentina?

RM - A história fala que no último jogo, no Mundial, ganhamos. Então, parece que nós passamos (risos).

QUEM É?

NOME
Rubén Pablo Magnano

NASCIMENTO
9/10/1954 - Córdoba (ARG)
Posição
Treinador da Seleção Brasileira masculina de basquete.

HISTÓRICO
No comando da seleção argentina, foi medalhista de prata no Mundial de Indianápolis (EUA) em 2002 e campeão olímpico em Atenas (GRE), em 2004. Com o Brasil, foi vice-campeão da Copa América de 2011, garantindo o país nos Jogos de Londres (ING), em 2012, no qual caiu nas quartas, e sexto na Copa do Mundo da Espanha, em 2014.


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