Na madrugada deste domingo, durante o UFC 142, no Rio de Janeiro, Lorenzo Fertitta passou quase despercebido diante de astros como José Aldo e Vitor Belfort. Poucos devem ter se dado conta de que era ele o responsável pelo que viam. O maior acionista do UFC é o investidor que transformou o MMA em um esporte bilionário. Antes escondido nos bastidores do negócio, o americano de 42 anos vem entrando em cena para ser a cara do evento.
Hoje, Dana White é a voz do UFC. Ainda que simpático e atencioso, o presidente do evento é explosivo, conhecido por falar o que pensa sem medir consequências.
Lorenzo é o oposto. Calmo, tem voz baixa, mas firme e segura. Mede palavras sem fugir das respostas. A impressão é de que está o tempo todo no controle.
- Não posso falar nada, os caras não deixam falar nada deles (risos) - brincou Wanderlei Silva sobre o jeitão fechado do patrão.
A relação com o mundo das lutas começou por hobby. Lorenzo é um aficionado por artes marciais. Amigos contam que o empresário treina arduamente, mesmo sem nunca ter competido.
Porém, os investimentos no MMA são recentes. A formação do americano passa longe dos octógonos. Lorenzo estudou Artes e Ciências e se especializou em administração. Ao lado do irmão mais velho, Frank III, assumiu o controle da rede de cassinos do pai.
Em 1993, aos 24 anos, Lorenzo entrou no mundo dos negócios como “bebê jogado na água”, segundo o próprio. Ainda assim, expandiu a rede e aumentou a fortuna da família.
Dezesseis anos depois, uma reviravolta: a companhia entrou em falência devido a uma dívida de quase US$ 6 bilhões (R$ 10,8 bilhões). A rede culpa o colapso da economia mundial. Especialistas acreditam que, além da crise, pesou o insucesso de alguns investimentos.
A reestruturação levou dois anos. Em junho passado, os Fertitta retomaram 45% da nova empresa, com 18 cassinos em Las Vegas.
Lorenzo, no entanto, estava protegido financeiramente graças ao UFC. O empresário e seu irmão compraram o evento em 2001 por US$ 2 milhões (R$ 3,6 milhões). Hoje, a marca está avaliada em mais de US$ 2 bilhões (R$ 3,6 bilhões).
Apoio dos atletas
Lorenzo virou o UFC do avesso enquanto negócio. O primeiro passo foi investir na estrutura do evento. Montou fortes departamentos de mídia e promoção, desenvolveu agressivas estratégias comerciais e assumiu rígido controle de todo o processo.
Aliás, Lorenzo também se faz presente na relação com os lutadores. O empresário faz questão de estabelecer laços com seus contratados. No lado profissional, é visto como sério e justo. Ainda que pareça fechado, tem a simpatia dos atletas, sendo amigo de vários.
- Ele sempre foi ótimo comigo. Claro que se trata de um negócio e ele faz o que tem de fazer. Mas sempre foi mais do que justo comigo. Fora dos negócios, somos amigos, saímos - afirma o peso leve Gray Maynard.
Mesmo sem ter a concorrência de um evento à altura do UFC, Lorenzo faz questão de ter a confiança dos lutadores. E não poupa esforços para tal.
- Vou dar um exemplo: ele tinha compromissos e não poderia vir à luta aqui no Rio. Mas ele mudou a data do compromisso e virá num jato particular. Só para estar lá. Agradeço muito tudo isso - conta Chad Mendes.
A mesma atitude se dá com agentes. Lorenzo sabe detalhes de todas as negociações: valores, definição de combates e demissões.
- É uma pessoa de palavra. Realmente, tem muito carinho por todos os atletas, pelo esporte. Graças a Deus que o esporte está na mão deles (irmãos Fertitta). Caso contrário, não estaríamos aqui hoje - diz Ed Soares, empresário de vários lutadores, entre eles Anderson Silva e José Aldo.
Chegada ao UFC
A relação de Lorenzo com o MMA começou por gosto. Antes de se envolver comercialmente com o esporte, foi membro da Comissão Atlética do Estado de Nevada, onde fica Las Vegas. Em princípio, seu interesse se limitava ao boxe. A mudança aconteceu graças a uma amizade.
Companheiros desde os tempo de escola, Dana White reencontrou Lorenzo em um casamento. Na época, o atual presidente do UFC era instrutor de boxe e agente de alguns atletas de MMA, como o lendário Tito Ortiz. Dana topou ajudar o velho amigo a recuperar a forma física.
Novamente estreitos, os laços de amizade se tornaram uma oportunidade de negócio. Dana já desejava adquirir o ainda tímido UFC. Faltava um investidor. Lorenzo, então, foi convencido de que deveria se juntar ao projeto. O evento se tornou algo bem distinto do que o empresário vira pela primeira vez.
Lorenzo foi ao UFC convidado por Dana, para assistir a uma luta de Ortiz, em Nova Orleans. Segundo conta, era impossível saber que o evento aconteceria na cidade: estava mal localizado, sem divulgação e com baixa exploração comercial. Ainda assim, ficou encantado com o que se passou no octógono - o bastante para decidir investir.
Confira entrevista exclusiva com Lorenzo Fertitta, dono do UFC:
LANCENET!: Alguns clubes brasileiros estão se associando a lutadores. Como você vê esse tipo de parceria?
LORENZO FERTITTA: Só ajuda a divulgar os lutadores, já que o futebol é o esporte mais popular do Brasil. Então, acho que essa associação acaba nos ajudando.
LNET!: Há alguma possibilidade de uma parceria do UFC com clubes?
Não, não temos nada disso em mente. Cada vez mais aprendo sobre o futebol brasileiro e o que escuto é sobre as rivalidades. Queremos permanecer neutros. Somos a Suíça do futebol brasileiro (risos).
LNET!: A rivalidade entre clubes brasileiros pode prejudicar o UFC, em virtude dessas parcerias?
Espero que não. Você pode ser um torcedor do Flamengo, do Corinthians ou de qualquer outro clube, mas, no fim das contas, deve apoiar o lutador brasileiro. São heróis nacionais, independentemente do time que torçam ou estejam ligados. O país deveria estar unido, como na Olimpíada ou na Copa do Mundo.
LNET!: O que o UFC pode aprender com outros esportes?
Já aprendemos muito. A ideia do UFC é de um esporte de combate individual. E o desafio era dar uma marca a isso, criar uma estrutura. Nunca houve uma marca ligada ao boxe. Cada um lutava por si. Então, tiramos o que havia de bem-sucedido numa marca como NFL, NBA ou Fifa. E fizemos essa marca se tornar o guarda-chuva de todo o esporte. Naturalmente, buscamos ideias em como outras ligas se estruturam.
LNET!: E o que os outros esportes podem aprender com o UFC?
Uma das vantagens que temos é que na NFL ou na NBA há 32 times com donos diferentes e um comissário. É muito difícil fazer as coisas acontecerem e tomar decisões. O UFC pode tomar decisões muito rapidamente. Tudo passa por mim, meu irmão Frank e Dana White. Sentamos numa sala e, se quisermos fazer uma luta no Brasil em janeiro, fazemos e pronto. Não dependemos de donos descontentes ou franquias. A habilidade de tomar decisões rapidamente permite dirigir a companhia de uma forma muito dinâmica, quase como uma empresa de internet.
LNET!: Qual o próximo passo para o UFC enquanto negócio?
Uma das coisas em que estamos focados é seguir crescendo globalmente. Então, faremos nosso primeiro evento desde que assumimos a empresa (em 2001) na Ásia. Será no Japão. Estamos muito voltados para o mercado chinês, assim como o indiano. Vamos continuar aumentando o número de eventos e buscando melhores contratos de TV. Aqui no Brasil, temos um exemplo disso. Fechamos com a Globo e chegamos a um nível mais alto de exposição. Vamos seguir a estratégia que utilizamos para os Estados Unidos com o "The Ultimate Fighter": produzir talentos, ganhar exposição e chegar a uma grande plataforma, como foi a Fox. Fizemos basicamente a mesma coisa para o Brasil. Precisamos mantê-la para outras partes da Europa, da Ásia e da própria América do Sul.
LNET!: Depois do UFC Rio, o próprio Dana White disse que a HSBC Arena ficou pequena para o UFC. Por que a decisão de voltar para lá?
Agora, há opções muito limitadas de lugares para realizarmos nossos eventos. As instalações estão sendo renovadas para a Olimpíada e para a Copa do Mundo ou ainda estão em construção. Achamos que seria importante voltarmos já para o Brasil. E também falamos em como seria ter José Aldo aqui. Ele é um dos lutadores mais talentosos do mundo e achamos que seria uma ótima oportunidade de expor Aldo no mercado brasileiro, para que o povo brasileiro soubesse o quão grande é. Queríamos voltar de imediato. Dito isso, procuramos várias instalações diferentes, como o Morumbi. Sabemos que há grandes arenas na Amazônia. Fomos a Brasília. Procuramos onde seria a próxima oportunidade. Eventualmente, nos próximos anos iremos a todos esses lugares. Vocês sabem melhor do que eu que o Brasil é muito vasto.
LNET!: Você criticou o trânsito do Rio no Twitter. Acredita que a cidade está pronta para receber grandes eventos?
Tenho certeza de que há gente muito mais inteligente do que eu que estudou essa questão. Aparentemente, o Rio é uma das cidades mais emergentes do mundo, pois foi selecionada para dois dos maiores eventos do mundo, a Olimpíada e a Copa.
LNET!: Você tem conversado com políticos de diversas regiões do país. A prefeitura do Rio é patrocinadora do evento. Esse tipo de aliança é benéfico para o UFC?
Acreditamos que podemos levar grande benefício às cidades por onde passamos. No UFC Rio, tivemos um impacto de mais de US$ 40 milhões para a cidade. Se fizéssemos um evento em São Paulo para 100 mil pessoas, o impacto, provavelmente, triplicaria. Não são apenas locais que vão ao evento. Pessoas de todo o mundo comparecem gastando dinheiro em hotéis, restaurantes... E a transmissão atinge milhões de lares em todo o mundo. Mostra o Rio como ele é, encoraja as pessoas a virem aqui. No passado, as pessoas se perguntavam se era um lugar seguro. Isso mostra que, sim, é. É parte do benefício que trazemos.
LNET!: Sobre Manaus, o plano é mesmo fazer um evento no Sambódromo, para mais de 100 mil pessoas?
Sim, é lá que queremos fazer. Mas estamos atrás de uma estação mais seca, com menos chuva, o que tem sido difícil (risos)...
LNET!: Por que o UFC demorou tanto para voltar ao Brasil com importantes eventos?
Nosso primeiro foco foi estabelecer nosso negócio nos Estados Unidos. É onde estamos baseados, em Las Vegas, a capital mundial das lutas. E conseguimos isso. Chegamos ao ponto em que sair e expandir internacionalmente fazia sentido. O Brasil sempre foi um mercado importante para nós. Na história, teve grandes lutadores. Era apenas uma questão de tempo, de infraestrutura e de capacidade para voltarmos e executarmos. Uma das coisas que fazemos é manter um padrão de alto nível. Quando vamos a algum lugar, não economizamos nenhuma despesa. Tudo o que você viu no UFC Rio, desde o sistema de som até os telões, veio de Las Vegas. Fazer isso demanda muito tempo e planejamento. Por isso levamos tanto tempo para voltar.
LNET!: A África também faz parte dos seus planos?
Estamos construindo lentamente nossa rede de parceiros de TV na África. É um mercado muito complexo por possuir muitos países. Mas é algo em que estamos trabalhando. Temos uma popularidade enorme na África do Sul e sequer estamos na TV lá. É o último lugar do mundo que temos de conquistar.
LNET!: A TV, então, é o primeiro passo para isso?
Primeiro, você precisa estar na TV. As pessoas precisam entender o esporte, quem são os lutadores. Você precisa se estabilizar na TV para passar a um evento ao vivo. É um passo para crescer no mercado.
LNET!: Anderson Silva, George Saint-Pierre e Jon Jones parecem não ter mais adversários em suas categorias. Não chegou a hora de eles se enfrentarem entre si? Anderson contra GSP ou Jones...
Há alguns negócios não resolvidos antes. GSP ficará sem lutar por cerca de nove meses devido a uma cirurgia. Acho que a luta que todos querem ver nessa divisão é contra Nick Díaz. Sobre Jon Jones, ele vai lutar com o vencedor de Rashad Evans e Phil Davis. Rashad e Jones eram colegas de equipe e poderão se enfrentar. Seria um rival melhor. E, sobre Anderson, ele limpou sua categoria, mas as pessoas precisam se lembrar da luta contra Chael Sonnen. Chael venceu quatro rounds e três quartos do último, até que Anderson conseguiu derrotá-lo. Acho que os fãs querem ver uma revanche. O que posso dizer é que, se seguirem vencendo, provavelmente Anderson enfrentará Jon Jones antes de enfrentar GSP. Faz mais sentido.
LNET!: Por que é possível acreditar que o UFC será o maior esporte do mundo?
Não há dúvida na nossa cabeça de que será. Esportes podem ser populares em um país, mas não em todos. Quando falávamos que o UFC seria o esporte mais popular do mundo, as pessoas diziam que estávamos loucos. O que as pessoas esquecem é que o futebol americano só é popular nos EUA. O único esporte que é popular no mundo todo é o futebol. Mas não é popular no maior mercado do mundo, os Estados Unidos. Temos a habilidade de ser popular em cada país do mundo. Estamos nos tornando, verdadeiramente, o único esporte global.