A tarde já estava pela metade quando Dana White, enfim, pôde almoçar. Em uma sala reservada no Hotel Copacabana Palace, na Zona Sul do Rio, dispensou mesa e, sentado numa cadeira, traçou em tranquilas garfadas o conteúdo do pote de plástico – preocupado com o peso, carrega para onde vai a própria comida. Alguns goles d'água depois, estava pronto para atender a reportagem. Simpático, narrou sua maratona nos dias anteriores e elogiou a cidade. Tamanha simplicidade pode, equivocadamente, dar a ideia de que Dana tem planos modestos para o UFC, evento de MMA que preside. A ambição pulsa fortemente na veia do dirigente. Em entrevista exclusiva ao LANCENET!, o chefão falou sobre o UFC Rio, que acontecerá no próximo sábado, e seus planos. O mais ousado impressiona: transformar o UFC no maior acontecimento esportivo do mundo.

Dana White revela o que espera do UFC Rio

LANCENET!: Você é diferente dos dirigentes a que estamos acostumados a ver. Não pelo fato de não usar terno e gravata, mas pela estreita relação que possui com os fãs. Você não é intocável, tem um videoblog, uma conta no Twitter, está sempre em contato com eles. Você se vê como pioneiro de um novo modelo de dirigentes?
DANA WHITE: Não sei. Só faço as coisas do jeito que quero. Vestir um terno não deixa ninguém mais inteligente. Não há nada de errado em se conectar com os fãs. Não entendo porque essas pessoas não querem se conectar com os fãs. O que eu amo nas redes sociais é que posso falar diretamente com os fãs. E mais: isso é bom não apenas para ouvir o que eles têm a dizer, mas para, nos dias de eventos, saber o que há de errado. Saber se compraram ingressos falsos, se em algum lugar caiu o sinal da TV a cabo... Coisas que, normalmente, você saberia apenas na segunda-feira. Essa é a forma como deveria ser. Por isso não me sinto como um pioneiro. Todos deveriam fazer assim, ouvir seus consumidores.

Momentos chave para o UFC

O início
Em 1993, o brasileiro Rorion
Gracie organizou o primeiro
UFC. Na época, lutava-se sem    
luvas e tempo limite.

Regras
Em novembro de 2000, a
Comissão Atlética de Nova
Jersey criou regras unificadas
para o MMA – fundamental
para regulamentar o esporte.

Chegada de Dana
Os irmãos Lorenzo e Frank
Ferttita compraram o
UFC em 2001. Dana, na
época agente, foi chamado
para presidir o evento.

Arrancada
Dana considera a criação do
reality show ‘The Ultimate
Fighter’, em 2005, o ponto
decisivo para consolidar o
UFC. A final da primeira
edição é tida como ele como
a luta mais importante da
História do evento.

Nova jogada
Na semana passada, o UFC
assinou contrato milionário
com a emissora americana
Fox. O acordo faz com que o
evento deixe de lado o pay-
per-view para ser transmitido
na TV aberta nos EUA.

LNET!: E como você vê essa relação também próxima que os lutadores possuem com os fãs?
Sinto a mesma coisa. Há essa estranha falta de conexão entre atletas e fãs em outros esportes. A impressão é de que, quando você vai a um evento esportivo, aquelas pessoas que você apoia não querem vê-lo. Não é o caso no UFC. Em um evento do UFC, além da qualidade do show em si, você encontrará seu lutador favorito, terá a chance de pegar um autógrafo. É assim que as coisas deveriam ser. Não é algo único. É senso comum (risos).

LNET!: Você considera esse contato importante para ajudar a derrubar a resistência contra o UFC e o MMA que ainda há em alguns lugares?
Entendemos que haverá um processo de educação em todos os lugares que vamos. Há esse estigma, pensam que o UFC é muito violento. Deixe-me dizer: tivemos um evento em Vancouver em junho e não poderia ter sido melhor. Foi um grande evento, todos se divertiram, não houve problemas. Depois da final da NHL (liga americana de hóquei no gelo), dias depois, também em Vancouver, pessoas queimaram carros, ficaram insanas. Se você vai a um jogo entre (Boston) Red Sox e (New York) Yankees, é assustador. Assustador. Todos se odeiam. Não é assim no UFC e todos verão isso no UFC Rio. Todos terão uma grande experiência. Será o melhor evento esportivo a que todos terão ido.

LNET!: O que falta para o UFC acabar de vez com essa resistência?
Isso eventualmente acontecerá. Esse estigma vem de pessoas não educadas sobre o esporte, que não sabem nada a respeito disso. Entre nossos fãs há mulheres, crianças... Não é um evento em que se pergunta: "é assustador, devo ou não ir?" Levará tempo, mas todos entenderão do que se trata o esporte.

LNET!: Chael Sonnen ofendeu o povo brasileiro recentemente através do Twitter. Na sua visão, declarações desse tipo não são mais agressivas do que uma luta em si?
Há caras que falam demais. Acredite: se as coisas tivessem acontecido da maneira certa, Chael Sonnen estaria lutando aqui no Rio. Isso chamaria muita atenção. Todas as TVs estariam ligadas para ver Anderson Silva chutando a cabeça dele para outro planeta (risos). Ele é um desses caras que gosta de falar. Esse diz algumas coisas loucas às vezes, mas o que se pode fazer? Aparentemente, ele não é um fã do Brasil (risos).

LNET!: Quando você assumiu a frente do UFC, que outros negócios esportivos você teve como modelo?
Tiramos um pouco de cada coisa. É claro que, quando nos envolvemos no esporte, éramos grandes fãs de boxe. E havia muitas coisas no boxe de que não gostávamos e que queríamos mudar. Então, fizemos isso com o UFC. Mas olhamos todos os outros esportes que estão lá fora, como a NFL, a Major League Baseball e até o WWE (de luta livre). Vimos coisas que eram boas e coisas que eram ruins. As que eram boas, seguimos. As ruim, mudamos.



LNET!: Naquela época, você achava que o UFC poderia alcançar a grandeza que possui hoje?
Acreditávamos que havia potencial. Sempre acreditamos no esporte e na marca UFC. Você nunca sabe se o timing será favorável, se as coisas acontecerão da forma que se espera. Mas eu estaria mentindo se dissesse que acreditava que as coisas aconteceriam tão rapidamente assim. Agora mesmo, estamos em cerca de 145 países e territórios, chegando a 180 milhões de lares em todo o mundo. Então, é algo incrível para dez anos.

LNET!: O que outros esportes e dirigentes podem aprender ou tomar como lição com o UFC?
As pessoas me perguntam isso o tempo todo. Acho que os outros esportes estão indo bem. Não acho que NFL, MLB ou Fifa necessitam de conselhos nossos. Eles fazem as coisas do jeito deles. Nós, do nosso. Sabe, o que eu mudaria é fazer com que alguns atletas interagissem mais com os fãs, mas quem sou eu para dizer a eles o que fazer? O negócio é deles, e não meu.

LNET!: Você troca ideias e experiências com dirigentes de outros esportes?
Não, nunca. Já estive numa reunião da cúpula da Microsoft e conversei com outros empresários sobre como cada um conduzia seu negócio. Muitas pessoas estavam interessadas em saber o que estávamos fazendo e como estávamos fazendo. Mas nunca converso com outros dirigentes esportivos.

LNET!: O UFC pode ter, um dia, a proporção dos maiores eventos esportivos da atualidade, como a Copa do Mundo e a Olimpíada?
Como falamos há dez anos: acreditamos nessa coisa e definitivamente acreditamos que seremos o maior esporte do mundo. E não estamos lá fora batendo no peito e dizendo que somos isso ou aquilo. Estamos de cabeça baixa, trabalhando duramente para isso acontecer.

LNET!: Você acredita que pode mesmo montar uma Copa do Mundo do UFC, com vencedores de vários países das edições locais do reality show "The Ultimate Fighter"?
Esse é o meu sonho: ter o "The Ultimate Fighter" em países de todo o mundo e fazer com que os vencedores de cada local se enfrentassem, como uma Copa do Mundo.

LNET!: E qual seria a importância disso para que o UFC atinja aquele patamar desejado?
Seria enorme. Nós chegaremos a esse ponto. Não sabemos ainda quanto tempo levará, mas chegaremos a ter um único campeão reunindo vencedores de todo o mundo. E também teremos uma estrela de cada país participando. É algo muito viável. Trata-se apenas de alinhar tudo para fazermos.

LNET!: Qual o próximo passo para o UFC continuar crescendo como esporte e negócio?
Apenas continuar o que já fazemos. Temos de seguir entrando em novos mercados. Após o evento do Rio, você verá o quão rápido o esporte se espalhará. Vamos começar a fazer eventos distintos em várias cidades do Brasil. E isso acontecerá em todo o mundo.

LNET!: O UFC é praticamente um monopólio, já que vocês compraram quase todos os eventos rivais de grande porte. Não seria bom ter um concorrente à altura? A competição estimula o mercado...
A realidade é que há toneladas de promotores lá fora. Há lutas acontecendo a cada fim de semana em todo o mundo. Nos Estados Unidos, Canadá, Brasil... Diga o nome de um país e lá haverá uma luta. Então, há competição acontecendo. E nós precisamos disso. Precisamos desses caras jovens e talentosos que, quem sabe um dia, estarão no UFC. Mas as pessoas falam que eles não são concorrentes... O que acontece é que somos os melhores no que fazemos. Somos os maiores e melhores, mas há muita gente competindo conosco lá fora.

LNET!: Se houvesse grandes concorrentes, os lutadores poderiam brigar por melhores condições...
Vou dizer uma coisa: há muitos lá fora que se dizem nossos grandes competidores, mas é no UFC que os lutadores ganham muito mais. Acabamos de comprar o Strikeforce. Muitos dos lutadores de lá estão chegando agora e ganharão muito mais dinheiro no UFC.

LNET!: Na sua opinião, a luta entre Anderson Silva e Vitor Belfort, no início do ano, foi o momento da virada do UFC no Brasil, ganhando espaço na grande mídia e atraindo a atenção do público?
Foi uma grande luta para o Brasil, sem dúvidas. Mas acho que o fato responsável por isso será o UFC Rio. Haverá uma grande atenção em torno do evento. Será a primeira vez que o UFC estará ao vivo em um canal aberto de TV. Este será o evento que incendiará o país.

LNET!: Anderson Silva pode chegar a ser reconhecimento mundialmente como uma lenda, no mesmo nível de nomes como os de Michael Jordan e Pelé, por exemplo?
Claro. E ele já é assim. Ele conseguiu coisas que nenhum outro conseguiu no UFC. Ele fez coisas que ninguém conseguirá repetir no futuro.

LNET!: Qual a importância do Brasil no seu plano de negócios?
Muito importante. Sempre acreditamos que o Brasil é a casa do MMA. Foi aqui que tudo começou, com Royce Gracie. Planejamos muitas coisas para cá.

LNET!: Hoje, muitos ex-atletas olímpicos de esportes como o judô e a luta greco-romana estão indo para o UFC por dinheiro. Acha que o mesmo poderá acontecer com atletas de outros esportes?
Sim. Agora, há muito mais dinheiro no MMA. Há caras que jogaram futebol ou basquete, por exemplo, e agora tentam ser campeões mundiais de MMA. É ótimo acertar a bola com um taco, fazê-la atravessar um aro ou chutá-la em uma rede. Mas qualquer cara – qualquer um – tem essa ideia dentro dele de ser campeão mundial.

LNET!: Você considera, então, o MMA o esporte mais universal que há?
Absolutamente. Não importa de qual cor você é, qual língua fala, de qual país você veio... Você quer ser campeão do mundo. Querer ser um lutador é algo universal.

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