Todos os dias no período da tarde, Ronaldinho treinava no CT Cristal, onde funciona a escolinha do Grêmio. Duas vezes por semana, ele jogava futsal em um time de Porto Alegre. E entre janeiro e fevereiro, quando ganhava férias, o atacante disputava um torneio de futebol de praia nos finais de semana, em Tramandaí, cerca de duas horas de Porto Alegre.
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A rotina entre o campo, a quadra e a areia durou entre os 9 e 14 anos, pouco antes de ele subir para o juvenil e treinar no CT do Eldorado, que abriga a base gremista.
O técnico do rubro-negro no New Kids, como era o nome da equipe de praia do atacante, dizia, na época, que o jogador tinha sangue azul.
– Isso significa que ele já era boleirão. No nosso time os caras não falavam de estudar... Era só a bola – explicou Augusto Bandeira.
Foram cinco títulos na praia e exibições plásticas nas quadras. E houve quem deixasse Ronaldinho no banco no primeiro jogo no salão. O responsável foi Cleon Espinosa, irmão do técnico Valdir Espinosa.
– Ele treinava no mirim e eu era técnico da categoria acima. Ele, então, foi convidado a treinar comigo. Não o tinha visto jogar ainda. Ele entrou no segundo tempo e no primeiro lance deu três balões no mesmo jogador – contou Espinosa.
Atuar com garotos mais velhos não foi uma novidade para o atacante. Na montagem da primeira equipe de base do Grêmio, ainda na escolinha, Ronaldinho pulou uma etapa, mas o supervisor da época não tinha dúvidas sobre a escolha feita.
– Ele é de 80 e foi jogar com os meninos de 79. Ouvir falar sobre ele e vi, depois, que era brilhante como viram – contou Paulo Estigarribia.
O acaso da camisa 10 do Brasil na vida de R10
A criação do New Kids, nome do dado ao time de futebol de praia alusivo a banda americana de garotos que fez sucesso nos anos 80, aconteceu há poucos dias antes do início do primeiro torneio na praia de Tramandaí.
O técnico, Augusto Bandeira, depois de escolher os garotos, foi à procura do uniforme para o time. Ele sabia que o 10 seria Ronaldinho, mas não tinha ideia de como iria conseguir o material.
– Fui em uma casa de pesca que vendia produtos de esportes e disse que precisava de uniforme para nosso time. O vendedor disse que não havia, mas me falou que havia sobras de camisas da Seleção, acho que da Copa de 90, que não tinham sido vendidas. Comprei na hora – contou Augusto.
Mesmo sendo da Seleção, os garotos questionaram por que jogariam com a camisa amarela. Sem titubear, Augusto disse:
– Falei com os meninos que tinha a certeza de que eles jogariam na Seleção no futuro. E olha que não deu certo? – brincou.
As variações do futebol na infância de Ronaldinho
Ronaldinho levanta troféu de melhor jogador estadual no futsal/Foto: Arquivo Pessoal
Futsal
Treinava duas vezes por semana no período da noite em um time da cidade. Os treinamentos aconteciam em quadras diferentes de Porto Alegre. Ele chegou a disputar torneios municipal e estadual. Jogava na categoria acima da qual começou, que era a mirim. Era o camisa 10 do time de Cleon.
Ronaldinho com parte do time de base do Grêmio. Porta retrato foi retirado da sala da diretoria do CT Cristal
Campo
Foi matriculado na escolinha do Grêmio aos sete anos e era isento do pagamento de mensalidade. Aos 11 anos passou a integrar o primeiro time de base do clube, jogando com meninos nascidos um ano antes do atacante. Aos 14, foi integrado ao infantil. Jogou até o juvenil antes de subir para o time de cima aos 17.
Ronaldinho com os companheiros do New Kids. Ele vestia a 10/ Foto: Capa do Caderno especial da Copa de 2006 do jornal "Zero Hora"
Praia
Disputou torneio de futebol de praia, em Tramandaí, durante cinco anos nos meses de janeiro e fevereiro, que coincidiam com as férias no Grêmio. O New Kids, como era chamada a equipe, foi campeã nas cinco ocasiões e Ronaldinho era o camisa 10. Ali ele já mostrava predileção pela praia e futebol. No futuro, o futevôlei se tornaria a paixão do jogador nos momentos de folga.
Companheiro de R10 não vingou
Seja no campo, na quadra ou no futebol de areia, Marcos Plínio Vieira Almeida teve a oportunidade de atuar com Ronaldinho. Meia-esquerda no time de futebol do Grêmio, ele acompanhou toda a trajetória do atacante do Flamengo até a chegada ao profissional do Tricolor gaúcho.
- Eu fui para São Paulo quando ele começou a jogar no time de cima. Desde novo mostrava muito talento e já chamava a atenção de todos. Eu jogava pelo lado esquerdo e ele caindo mais pela direita. Às vezes, o técnico deixava Ronaldinho mais avançado e eu com a armação - contou Almeida.
Depois de tantos anos de convivência, os contatos, agora, são praticamente inexistentes:
- Há muito tempo não falo com ele. Acabamos perdendo o contato. E não irei ao jogo, domingo.
Ao contrário do camisa 10, porém, Marcos não teve as mesmas oportunidades que o amigo. Depois de tentar a sorte no futebol uruguaio e de uma viagem para a Nova Zelândia ele retornou a Porto Alegre no fim de 2009.
- Tive na Portuguesa e no São Paulo. Cheguei a pegar Ricardo Oliveira e, no São Paulo, treinava uma categoria acima do Kaká - contou.
Marcos exibe camisa usada por Ronaldinho no time de salão na quadra em que eles jogavam/ Foto: Eduardo Mendes
Bate-bola
Cleon Espinosa
Técnico de Ronaldinho no futsal e irmão de valdir espinosa
Como surgiu o time de futsal?
Ele já estava começando na seleção do Grêmio e os melhores de lá jogavam para nosso time. Utilizamos o nome da Procerg (Companhia de Processamento de Dados do Estado do Rio Grande do Sul) na camisa e os pais ajudavam. O Grêmio sabia disso e até tinha interesse em deixá-los jogar lá para que os meninos mantivessem uma atividade e não jogassem em outros clubes da cidade. Disputamos o campeonato municipal para depois ir para o Estadual.
E como era o Ronaldinho na quadra? Tinha a mesma desenvoltura?
A habilidade ele já tinha. Isso era notório. Ele sempre jogava em uma categoria acima. Todos tinham medo de encará-lo com a bola. Ele chegou a jogar com garotos três anos acima de sua idade. E o salão o ajudou muito também.
Gremistas treinam no CT Cristal. Foi ali que Ronaldinho começou na escolinha do Grêmio/ Foto: Eduardo Mendes
Com a palavra
Paulo Estigarribia
Supervisor da base do Grêmio na época em Ronaldinho estava lá
Quando Ronaldinho estava para ir para o infantil, um empresário famoso, que prefiro não dizer o nome, chegou a me oferecer R$ 20 mil para que o levasse até a casa da mãe do jogador. Comentei com um amigo que trabalhava ano Grêmio e disse para ele avisar a dona Miguelina (mãe de Ronaldinho) que o pessoal iria para cima. Foi então que o Grêmio passou a dar uma ajuda de custo para o jogador ainda no infantil. Isso só acontecia quando os jogadores eram da categoria juvenil. Apesar disso e do fato de todos ficarem em cima, Ronaldinho nunca teve privilégios no clube por causa do irmão. O senhor acredita que a pressão da torcida do Grêmio, amanhã, poderá influenciar no rendimento do jogador em campo?
De jeito nenhum. Desde garoto está acostumado com isso. Eram todos em cima dele, ginásios lotados e ninguém dava moleza. Ele gosta de jogar futebol e será isso que ele irá fazer em campo.