Com mais de 40 anos de carreira, o técnico Hélio dos Anjos acumula experiência nas três principais divisões do futebol brasileiro, com mais de 300 jogos na Série A e passagens significativas na Série B e Série C. Além do sucesso nacional, o treinador também atuou internacionalmente, com trabalhos em clubes da Arábia Saudita e na seleção saudita.
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Aos 67 anos, Hélio é um dos três técnicos com mais títulos estaduais na história do país e segue em busca de conquistas, como o acesso com o Náutico à Série B do Brasileirão. A experiência acumulada ao longo da carreira também o leva a opiniões incisivas, nem sempre bem recebidas.
Em conversa exclusiva com o LANCE!, o treinador, ao lado de Guilherme dos Anjos, filho e seu auxiliar, não fugiu de temas polêmicos, incluindo a presença de técnicos estrangeiros no Brasil, a valorização de divisões inferiores , a idolatria no futebol e até mesmo Neymar, oferecendo um olhar crítico e direto sobre o cenário nacional.
Sucesso no náutico
Em 2025, Hélio dos Anjos comandou o Náutico em 25 partidas, conquistando 11 vitórias, oito empates e seis derrotas, com aproveitamento de 55%. Sob seu comando, a equipe marcou 31 gols, uma média de 1,2 por jogo, e sofreu 17, mantendo uma média defensiva de 0,7 gol por partida, mostrando equilíbrio entre ataque e defesa ao longo da temporada.
No geral, ao longo de 112 jogos à frente do Náutico, Hélio registrou 49 vitórias, 34 empates e 29 derrotas, com aproveitamento de 54%. O time marcou 152 gols, média de 1,4 por partida, e sofreu 113, com média defensiva de 1,0, demonstrando consistência e competitividade nas diferentes campanhas que liderou. Apesar do bom retrospecto, Hélio evita falar em idolatria.
— Eu acho que essa questão de idolatria não é uma realidade, principalmente se tratando de treinador. Eu acredito que os trabalhos feitos no Náutico sempre surtiram grande efeito. Desde 1993, com a passagem de 2006, com a recuperação da equipe na Série B de 2019/20, até o título conquistado em cima de um grande adversário, o Sport, depois de quase 50 anos sem conseguir esse título e esse acesso. Acredito que são números significativos para a história do Náutico e que vão, naturalmente, dar uma representatividade muito boa para mim perante a instituição. Mas, para mim, ídolos são outros, principalmente treinadores, como foi o caso do Duque há muito tempo, ou do Muricy, que também é um ídolo do clube. Eu acredito que estou contribuindo muito bem para a história do Náutico, mas não me sinto esse ídolo todo — disse Hélio.
Guilherme dos Anjos definiu o trabalho à frente do Náutico em 2025 como um resgate. Para o treinador, o mérito não está apenas na forma como encontrou o grupo ou nas circunstâncias externas, marcadas por críticas e uma atmosfera negativa, mas também no aspecto histórico da campanha.
— Foi um trabalho de resgate, sem dúvida alguma. Eu não digo isso apenas pela forma como encontramos o grupo ou pelas circunstâncias em que a opinião pública considerava esse grupo, ou pela atmosfera extremamente negativa. Digo também por um aspecto histórico dentro da competição: o Náutico, desde que passou a jogar a Série C, não se classificava entre os oito melhores. Quando conseguimos entrar no G8 e permanecer por uma rodada, já fazia 431 dias que o Náutico não atingia essa posição e permanecia — aponta.
O auxiliar também fez um alerta para a necessidade de investimento externo para que clubes consigam figurar entre os dez primeiros colocados. Segundo o treinador, a permanência em posições de destaque exige muito trabalho, análises de mercado e decisões estratégicas, diante de um cenário de grandes mudanças econômicas no futebol.
— Precisamos ter atenção, porque hoje é necessário investimento externo para competir entre os dez primeiros colocados. Essa é nossa visão e já foi passada ao clube. Para lutar pela permanência, será preciso trabalhar muito, com análises de mercado e decisões assertivas, mas não é simples. Houve uma mudança muito grande no mercado, e cabe aos clubes se adaptarem, buscar recursos para desenvolver suas estruturas e alavancar resultados. A ideia, com a entrada de uma liga ou SAF, é injetar dinheiro inicialmente, alavancar e, posteriormente, gerar receitas maiores — segue Guilherme dos Anjos.
A presença dos técnicos estrangeiros no Brasil
O futebol brasileiro passou por uma verdadeira avalanche de técnicos estrangeiros. Após o sucesso de Jorge Jesus, no Flamengo, e de Sampaoli, no Santos, em 2019, a presença de treinadores de outras nacionalidades se intensificou. O caso de maior destaque é Abel Ferreira, no Palmeiras, que conquistou títulos importantes e se consolidou no cenário nacional.
Hélio dos Anjos avaliou que o período de “modismo” com treinadores estrangeiros no Brasil já passou e que, naturalmente, permanecem no mercado apenas aqueles com competência, independentemente da nacionalidade. Segundo ele, a tendência inicial trouxe profissionais sem tanta experiência ou currículo, que se destacaram mais pelo efeito da moda do que pela qualidade técnica, mas que aos poucos foram sendo substituídos por estrangeiros capacitados, capazes de entregar resultados consistentes.
— Sinceramente, eu acho que o pior já passou, porque naturalmente permanece quem tem competência, independentemente da nacionalidade, e quem não tem, sai. O modismo relacionado ao treinador estrangeiro acabou abrindo um leque de profissionais sem tanta capacidade ou currículo, que apareceram aqui simplesmente por causa da moda no futebol brasileiro. Aos poucos, foram sendo selecionados os bons profissionais estrangeiros que se mantêm no mercado e fazem um grande trabalho — disse Hélio.
— O caso do Abel é excepcional em relação às virtudes do seu trabalho e aos resultados positivos que o Palmeiras alcança com ele. Recentemente, surgiu o Jardim, que tecnicamente tem feito um ótimo trabalho, mas que sempre repete que não quer trabalhar por muito tempo no futebol brasileiro. Eu acho isso um pouco falta de educação: “estou aqui, mas quero ir embora”, “o futebol brasileiro tem muita viagem”. Apesar disso, gostaria que ele continuasse no Brasil, porque é importante para o nosso futebol — apontou.
— Não tenho tanta preocupação com isso porque também já fui estrangeiro em outro país. Minha preocupação maior é com a nossa filosofia de jogo. Estamos perdendo parte da identidade, e isso não é apenas culpa dos treinadores, mas também do excesso de estrangeiros em cada equipe. Ter nove ou dez estrangeiros em cada time é muito preocupante, primeiro por causa do mercado de trabalho para os jogadores brasileiros. Muitos estão desempregados desde agosto. A médio e longo prazo, isso prejudica o futebol do país. Para os dirigentes não é problema pois os salários são mais abaixo dos brasileiros de ponta — completou.
O diferencial dos treinadores mais maduros
A questão da idade dos treinadores tem se tornado um tema cada vez mais presente no debate sobre o futebol brasileiro. Nomes que fizeram sucesso no país, como Vanderlei Luxemburgo e Oswaldo de Oliveira, têm apontado a dificuldade de conseguir oportunidades no mercado atual, apesar da experiência e do histórico de títulos.
— Eu bato muito nisso e sinto muito por esses treinadores. Tenho o meu nível de clube e estou trabalhando constantemente. Hoje, sendo sincero, se eu quisesse escolher outra equipe para 2026, eu escolheria e não negociaria com o Náutico. Mas há muitos colegas tão competentes quanto eu ou até mais, que não têm oportunidade simplesmente por terem 65 ou 70 anos. Será que um Oswaldo de Oliveira ou um Vanderlei Luxemburgo não teria muito a acrescentar ao futebol brasileiro? Claro que teria. Puxo vários exemplos, não só esses dois — explica Hélio.
Hélio argumenta que técnicos mais experientes se destacam pela clareza no comando e pela segurança nas decisões, um diferencial que nem sempre é observado em profissionais mais jovens, que frequentemente delegam escolhas cruciais a membros da comissão técnica.
— Um dos pontos fortes desses treinadores mais experientes é o poder de decisão. Eles comandam de fato, não transfere responsabilidade. Os treinadores mais jovens, muitas vezes, deixam decisões para a equipe ao redor, como fisiologista, nutricionista, fisioterapeuta, médico, que são profissionais fundamentais. Mas a decisão final deve caber exclusivamente ao treinador — segue.
Guilherme dos Anjos aproveitou para elogiar o trabalho do pai, destacando sua trajetória de sucesso. Além do Náutico, Hélio passou por clubes como Sport, Fortaleza, Vasco da Gama e Vitória, e também teve experiências internacionais em equipes sauditas, incluindo Najran SC, Al-Faisaly e Al-Qadsiah.
— O professor é o treinador mais velho em todas as divisões, com 67 anos, e nos últimos nove anos tem entregado resultados consistentes por onde passou. Todas as equipes desde nossa volta ao Brasil, depois da experiência na Arábia, receberam resultados concretos. Esse é o ponto principal — destacou.
Neymar e o futuro na seleção brasileira
Guilherme dos Anjos ressalta que a situação de Neymar na seleção brasileira sempre gera grande atenção, não apenas pela sua habilidade técnica, mas também pelas questões físicas que têm marcado sua carreira.
— A fala do Ancelotti não poderia ter sido melhor, baseada na experiência que ele tem em lidar com esse tipo de atleta. Neymar é indiscutível, a partir do momento em que estiver em boas condições. Vejo da mesma forma: para jogar em alto rendimento, é preciso trabalhar em alto rendimento, o que é difícil. Imagino que ele esteja sofrendo muito com a questão da lesão, principalmente porque não é fácil retornar de uma lesão como a que ele teve. Está sujeito a um número maior de lesões musculares — comenta.
➡️Hélio dos Anjos não garante permanência no Náutico e avalia futuro
Segundo Guilherme dos Anjos, para atletas de elite, voltar de lesões graves exige um cuidado extremo e dedicação ao treinamento físico. O equilíbrio entre forma física e performance técnica é essencial, especialmente quando se trata de jogadores que carregam a responsabilidade de liderar a equipe em grandes torneios. Nesse contexto, a experiência de Neymar se torna ainda mais relevante para o futuro da seleção.
— Espero que ele consiga voltar ao alto nível, principalmente físico, porque tecnicamente é indiscutível. Jogadores com esse nível de experiência, em momentos difíceis, são fundamentais para quem quer conquistar uma Copa e atingir grandes objetivos. Esperamos muito dele e acredito que ele fará o possível para representar o Brasil da forma que merece, como já fez tão bem — explica.
Hélio dos Anjos avalia que, neste momento, Neymar não atua no nível necessário para ser o ponto de desequilíbrio dentro do conjunto da seleção, especialmente com foco na Copa do Mundo. Para o treinador, ser imprescindível na equipe exige que o atacante esteja em altíssimo nível, muito acima do que vem apresentando atualmente.
— No momento, Neymar não está atuando no nível necessário para ser o ponto de desequilíbrio dentro do conjunto da seleção, especialmente pensando na Copa do Mundo. Ele representa um pouco o momento atual do futebol brasileiro em relação à seleção. Os compromissos profissionais fora de campo também impactam seu desempenho. A contusão, especialmente o LCA, complicou muito: o retorno de uma lesão desse tipo traz pequenos problemas musculares — disse.
— Para ser imprescindível, Neymar precisa estar em altíssimo nível, muito superior ao que apresenta hoje. Já foi esse jogador em outras épocas, mas, agora, para desempenhar o papel que dele se espera, precisa recuperar o desempenho físico e técnico de forma plena — conclui.