Declarou-se emocionado com o palco de Brasil x Chile na semana que passou.
A CBF correu e lançou uma campanha para “aproximar a seleção do povo”. Na verdade, a “nova CBF”, como está sendo vendida, e vou me poupar disso. Ao menos por agora.
Desbotado em três décadas de desmandos, corrupção e toda sorte de escroqueria da cartolagem que andou na entidade nos últimos anos (ou para ser mais exato desde sempre), e vítima de uma apropriação indevida na política, o amarelo canarinho implora uma transfusão de sangue para reviver seus tempos de glória. Dentro e fora do campo. O gigante treinador imaginou que seria naquela noite.
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Não tem culpa do cenário que encontrou. Muito longe do estádio mítico imaginado, capaz de empurrar 11 cabos de vassoura vestidos com a camisa de um time. Elegante, não abordou o tema após a partida. Um melancólico espetáculo de frieza e selfies nas arquibancadas. Uma farsa quando se pensa no ambiente daquele que um dia foi o “maior do mundo”.
O símbolo maior da afirmação de um Brasil que deixava de ser um país rural no fim dos anos 40 e usava aquele colosso para mostrar ao mundo sua capacidade empreendedora, em realizar e ser protagonista, é agora um monstro sem dentes que não assusta mais ninguém. Um acanhado ginásio.
Tão distante do coliseu onde a multidão fazia o campo sentir seu bafo. Do grito que batia e voltava da cobertura que até Niemeyer, em sua imensa modéstia, invejou: “não seria capaz de fazer aquilo, solto no espaço, sem sustentação aparente, de beleza única”.
Nenhuma cidade do mundo amou tanto um estádio como o Rio amou o Maracanã.
Não se trata de nostalgia
Mas não se afobem não, almofadinhas e janotas. Esse debate não é um choro de nostalgia. Ainda que fosse legítimo.
Falar de Maracanã, o Maracanã que Ancelotti imaginou existir, e o Maracanã de hoje, é, antes de tudo, estabelecer um marco inicial para o debate: não é sobre novo e moderno, não é sobre negócios ou sentimento.
É sobre um crime. Um crime de lesa-pátria.
O assassinato que conseguiu o impossível: cometer a violação que superou o recorde anterior. Quando, como sempre em nome da modernidade, se botou abaixo o Morro do Castelo. Barbaridade com outro ponto em comum: no fim de tudo, a intenção era mesmo favorecer o empreiteiro e garantir a porcentagem.
Aqui não há qualquer espaço para dúvidas: o “Novo Maracanã” é, antes de qualquer coisa, a existência de um crime continuado.
Quem debate sem levar isso em conta comete a leviandade dos indignos.
Porque a destruição do Maracanã para a Copa de 2014 foi, é preciso dar a correta definição, exatamente isso: um ato criminoso.
Um crime continuado
Não é uma opinião. Está na “Ata da 68ª Reunião do Conselho Consultivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)”, de 30 de agosto de 2011.
Ao redor da mesa, estavam alguns dos maiores engenheiros, arquitetos e urbanistas do Brasil e do mundo. Qualquer decisão teria que levar em conta o parecer deles. E assim está escrito: “Destruir obras tombadas é crime e todos aqueles que participam disso são responsáveis criminalmente. Pode haver processo, pode não haver processo; mas é crime”. O tombamento do Maracanã estava inscrito no Livro de Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico. Numa ginástica semântica venal, a brecha que
forçaram: a alegação de que o Maracanã sido tombado por seu valor etnográfico, não pela arquitetura. Que, portanto, poderia ser alterada.
Numa artimanha sem qualquer pudor, imoral, o governo de Sérgio Cabral passou por cima disso e botou abaixo o velho estádio. Contra a lei, na calada da noite, arrumou um barnabé para assinar o que não tinha competência. Um pobre diabo se prestando a ser laranja de um crime. Já nem falemos aqui dos 5% que sumiram em algum paraíso fiscal.
Foram além: criaram um dos maiores factoides da história ao dizer que “era exigência da FIFA”. A imprensa, em boa parte sempre disposta à genuflexão ao poder, acatou e não duvidou. Muito ao contrário: difundiu a farsa seguidamente. Era mentira. O caderno de encargos nunca teve essa exigência. Nunca teve.
Provavelmente, discreta e silenciosamente, Ancelotti agora entende que o Maracanã que pediu não existe mais. Vítima de um crime. O crime continuado que segue ali. O maior crime da história contra o patrimônio do Rio de Janeiro.
Coluna do Lúcio de Castro
Lúcio de Castro escreve sua coluna no Lance! todas as sextas-feiras.