O Flamengo apresentou à CBF um conjunto de propostas para a criação do Sistema de Sustentabilidade do Futebol (SSF), modelo brasileiro de fair play financeiro que está sendo discutido por uma comissão formada pela entidade. O clube enviou um documento com sugestões voltadas ao aprimoramento da governança e da responsabilidade fiscal no futebol nacional e afirmou que continuará participando do processo de elaboração e execução do sistema.
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Presidente rubro-negro, Luiz Eduardo Baptista afirmou que o debate sobre o tema é um passo essencial para o fortalecimento do futebol brasileiro.
— Eu entendo que seja providencial e digno de elogios essa decisão da CBF de finalmente tratar de um assunto tão importante para o futebol brasileiro. Nós, que somos amantes do futebol, temos percebido que o Brasil tem ficado para trás nos últimos anos — dentro e fora de campo. E nunca é apenas por um motivo — disse.
O dirigente ressaltou que o desempenho esportivo está diretamente ligado à gestão fora das quatro linhas.
— Para quem acha que tudo se decide apenas dentro das quatro linhas, não é assim. Os atletas precisam se preparar muito mais, mas os dirigentes também. Parte fundamental desse movimento europeu foi o programa de responsabilidade fiscal, técnica e financeira — o chamado Fair Play Financeiro. Vejo com muito bons olhos o fato de estarmos tratando esse tema de forma séria agora no Brasil — completou.
Modelo europeu e adaptação ao Brasil
Segundo Bap, o modelo europeu deve servir de inspiração, mas precisa ser ajustado à realidade brasileira. O dirigente mencionou diferenças estruturais entre os contextos, como a existência das SAFs e clubes em recuperação judicial.
— A inspiração no modelo europeu é fundamental. Não faz sentido reinventar a roda, já que eles têm 15 ou 20 anos de experiência aperfeiçoando o Fair Play. Inspirar-se é o caminho certo, mas copiar exatamente o modelo europeu e aplicar no Brasil dificilmente daria certo. A espinha dorsal deve ser mantida, mas é preciso considerar as características do nosso país — afirmou.
— Aqui temos SAFs, clubes em recuperação judicial, contextos muito diferentes da Europa. Há clubes que viraram SAF para repactuar dívidas e assumir responsabilidades do passado. Mas, se no meio disso você permite recuperação judicial, quebra-se a lógica do modelo. Então, sim, devemos nos inspirar na Europa, mas com o tempero da experiência brasileira — completou.
Sugestões apresentadas pelo Flamengo
Entre as propostas apresentadas, o Flamengo defende restrições a clubes em recuperação judicial, controle total dos custos, bloqueio de brechas contábeis, criação de indicadores de caixa mínimo, limitação de transações entre partes relacionadas, adoção de ratings de governança e sanções esportivas eficazes, como perda de pontos e restrição de janelas de transferência.
O presidente explicou que o clube montou um grupo interno para tratar do tema, coordenado por Marcos Motta, e destacou dois eixos centrais: padronização das regras e punições imediatas para quem não cumpri-las.
— Apresentamos várias sugestões. O primeiro ponto é criar um arcabouço comum a todos os clubes. Hoje, cada um está em um estágio diferente, é como se um estivesse no Enem, outro no ensino fundamental e outro no primário. O segundo ponto é que deve haver consequências imediatas para quem não cumprir as regras. Se não dá para punir o jogador, que é um trabalhador, então o clube precisa ser punido de forma imediata. Com perda de pontos, suspensões, até rebaixamento em caso de reincidência. No futebol, não deve ser diferente — afirmou.
O Flamengo também propõe a criação de um "Teste de Proprietários e Dirigentes", com critérios de idoneidade e capacidade financeira, e a proibição do uso de gramados artificiais em torneios profissionais, argumentando que o custo desigual de manutenção e os impactos físicos sobre os atletas geram desequilíbrio.
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O exemplo do Flamengo
Luiz Eduardo Baptista citou a trajetória recente do Flamengo como exemplo de reestruturação financeira e de boa governança.
— Houve um tempo em que o clube era o problema: não cumpria compromissos trabalhistas, sociais nem comerciais. Em 2012, o Flamengo devia três vezes e meia o seu faturamento anual — faturava R$ 200 milhões e devia R$ 750 milhões. O clube se reestruturou, parou de contratar, abriu mão de investimentos e seguiu um plano consistente de longo prazo. Hoje todo mundo quer ser o Flamengo, mas poucos querem pagar o preço que o Flamengo pagou — disse.
— Recuperar reputação é um processo lento. O Flamengo levou cinco, seis anos de muito trabalho para se reconstruir. Fizemos ajustes internos, corrigimos falhas, reformamos o estatuto, e hoje ele prevê sanções para atos de irresponsabilidade fiscal — completou.
Transição, punição e fiscalização
O presidente também reforçou a necessidade de que o sistema seja aplicado com mecanismos de transição e punições durante a temporada.
— Esse movimento da CBF é muito bem-vindo, mas precisa ter dois elementos: transição e punição imediata. Os clubes não podem ser 'reprovados' apenas no fim do ano. Devem ser avaliados ao longo da temporada, com mecanismos de checagem e penalidades progressivas, como perda de pontos, que façam refletir. Há o campeonato do ano, mas existe um campeonato mais importante: o do futebol brasileiro como produto — declarou.
O custo da reestruturação
Segundo Bap, a mudança estrutural tem um preço alto, mas é o caminho necessário para o fortalecimento do esporte.
— O Flamengo pagou cerca de R$ 4,5 bilhões em 13 anos de obrigações, sem correção. Atualizado, esse valor chega perto de R$ 5,8 bilhões. Agora imagine se o Flamengo tivesse sido só '50% correto' e usado metade desse valor para contratar jogadores. Seria justo com os outros clubes? — questionou.
— O que vai fortalecer o futebol brasileiro é mais clubes fazendo o mesmo: se organizando, pagando dívidas, sendo sustentáveis. Temos qualidade técnica de sobra, e com estrutura o campeonato ficará ainda mais equilibrado e emocionante — completou.
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Faturamento e resultado
O presidente rubro-negro encerrou destacando o momento financeiro do clube e a importância de equilibrar resultados esportivos e gestão responsável.
— Estamos muito perto do maior faturamento da história do clube. Mas o futebol é caprichoso: ainda temos muita coisa pela frente: Brasileiro, Libertadores, tudo em disputa. Se me perguntassem se eu trocaria R$ 200 ou R$ 300 milhões por esses títulos, eu diria que sim, na hora. Mas o resultado financeiro também é importante, porque mostra que é possível cumprir todas as obrigações e ainda assim investir no time — disse.
O Flamengo reafirmou que continuará participando das discussões sobre o Sistema de Sustentabilidade do Futebol e elogiou a CBF pela iniciativa de estabelecer um modelo nacional de Fair Play Financeiro. Confira a nota do clube na íntegra.
Nota do Flamengo
"O Clube de Regatas do Flamengo vem participando ativamente das discussões sobre o Sistema de Sustentabilidade do Futebol (SSF), um modelo brasileiro de Fair Play Financeiro, conduzidas pela comissão instituída pela CBF.
Com o intuito de contribuir para o aprimoramento das práticas de governança e sustentabilidade no futebol brasileiro, o Flamengo enviou, por escrito, sua posição detalhada à comissão responsável. O compromisso do Flamengo transcende os números, dedicando-se ao esporte, à competição justa e a um Fair Play que represente os verdadeiros princípios do futebol.
Algumas propostas apresentadas pelo Clube:
• Tratamento de clubes em RJ/REJ: impedir que clubes utilizem o período de não pagamento de dívidas (entre a decretação da RJ/REJ e a homologação do acordo) como vantagem competitiva, bloqueando o registro de novos atletas neste período e perda de pontos.
• Definição ampla de custos: controlar não apenas a "folha salarial" (CLT), mas também o custo total do elenco, incluindo direitos de imagem, luvas, bônus, comissões de agentes e impostos.
• Bloqueio de brechas contábeis: impedir que custos do futebol profissional masculino sejam "maquiados" como investimentos em categorias de base ou em futebol feminino por meio de rateios fictícios.
• Controle de caixa mínimo: Implementar indicadores antecedentes, como a necessidade de capital de giro saudável, para prevenir crises de liquidez.
• Transações com partes relacionadas: desconsiderar ou limitar transações entre partes relacionadas (ex.: clube e empresa do mesmo dono) que possam inflar as receitas ou ocultar os custos. Aportes de capitais, por exemplo, não devem ser contabilizados como receita recorrente.
• Uso de ratings: adotar um sistema de classificação (como o utilizado por consultorias especializadas), no qual clubes com melhor gestão (classificação elevada) tenham mais margem de manobra, criando um incentivo à boa governança.
• Sanções eficazes: focar as sanções na restrição de janelas de transferência, e que estas sejam cumpridas integralmente, mesmo que a causa da punição seja sanada, para desestimular a procrastinação.
• Implementação do "Teste de Proprietários e Dirigentes": criação de uma avaliação composta por regras e critérios para determinar se os novos (ou potenciais) proprietários e dirigentes de um clube são aptos para o cargo. O objetivo é proteger a imagem e a integridade da competição e dos clubes, assegurando que os indivíduos que gerenciam ou adquiriram clubes sejam confiáveis e tenham capacidade financeira comprovada.
• Exequibilidade Efetiva do Sistema: implementar uma governança aparelhada para executar punições automáticas, com base em dados factuais e financeiros, incluindo a aplicação de punições e restrições.
• Proibição de Gramados Artificiais: os gramados de plástico devem ser eliminados imediatamente de todos os torneios nacionais profissionais. A discrepância nos custos de manutenção entre gramados naturais e artificiais provoca desequilíbrios financeiros entre os clubes e prejudica a saúde física de jogadores e atletas.
O Clube de Regatas do Flamengo continuará participando da elaboração e execução do Sistema de Sustentabilidade do Futebol (SSF), conforme a proposta da Confederação Brasileira de Futebol, e já cumprimenta a entidade pela louvável iniciativa."
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