A Copa do Mundo deixou em evidência a mobilização de povos por uma causa. Na vitória da Tunísia sobre a França, por 1 a 0, na última quarta-feira (30), um homem enrolado em uma bandeira da Palestina invadiu o gramado. Nas arquibancadas do Qatar, grupos de torcedores de outros países têm mostrado apoio pelo reconhecimento da Palestina como nação.
De acordo com o "GE", torcedores de Marrocos, Arábia Saudita, Qatar, Síria, Jordânia e Argélia também têm carregado bandeiras palestinas. Além disso, há cachecóis e bandeiras que trazem as cores da nação e estampam a frase "Free Palestina" ("Libertem a Palestina").
Professor do Departamento de Relações Internacionais da Uerj, Mauricio Santoro detalhou.
- A causa palestina é muito popular em todos os países árabes, por conta da proximidade cultural e do desejo desses povos em recuperar Jerusalém, que é uma cidade sagrada também para os muçulmanos. Esta causa também é forte entre outras partes do mundo, como no norte da África, Ásia e, no caso da América Latina é, sobretudo, entre grupos de esquerda. Mas é particularmente intensa entre os árabes - disse ao LANCE!.
Já de acordo com a Agência France Presse, o governo de Israel recomendou não levar a bandeira do país para o Qatar. Símbolos judeus ou israelenses também não são recomendados pelo governo. Por mais que a Fifa planeje um ato simbólico de paz, ainda há cicatrizes neste encontro entre nações na arquibancada.
A PARTILHA NÃO SAI DO PAPEL
Durante séculos, o Estado da Palestina ficou sob o poder de impérios que tinham origem muçulmana. O último deles foi o Império Otomano, que entrou em declínio com o fim da Primeira Guerra Mundial.
A migração judia começou no século XIX e se acentuou durante a Primeira Guerra. No pós-Guerra, a Palestina estava sob controle de outro país: a Inglaterra.
Porém, no decorrer da Segunda Guerra Mundial, o fluxo aumentou intensamente, diante dos milhões de judeus que fugiam da perseguição dos nazistas. Os ingleses tomaram uma decisão mais forte.
- Durante a Segunda Guerra Mundial, os britânicos propuseram dividir a região em um estado judeu e outro árabe. Essa sugestão, embora aprovada na ONU (em 29 de novembro de 1947, em Assembleia Geral das Nações Unidas), nunca foi implementada - contou o professor Mauricio Santoro.
INDEPENDÊNCIA DE ISRAEL E SUCESSÃO DE CONFLITOS
Baseado na decisão tomada no ano anterior na ONU pelos ingleses, Israel declarou sua independência.
- Israel passou a existir como um estado independente em 1948. Desde então, suas fronteiras têm sido definidas por uma mistura de batalhas e complexas negociações diplomáticas - recordou Maurício Santoro.
No dia seguinte à independência, começou a Primeira Guerra Árabe-Israelense. Soldados do Líbano, Egito, Síria, Transjordânia e Iraque se juntaram aos palestinos e iniciaram uma ofensiva ao território de Israel. Contudo, os israelenses conseguiram se impor e forçaram milhares de palestinos a saírem de suas casas.
Houve divergências em relação à versão sobre a saída dos habitantes (700 mil palestinos, segundo a ONU). As pessoas que moravam na Palestina afirmaram que foram expulsas e, mais tarde, impedidas de regressar ao local no qual moravam. Já Israel descartou que tenha expulsado palestinos e atribuiu os excessos a casos isolados e a iniciativas de agentes do estado ou paramilitares.
Os nascidos na Palestina definiram este dia como "Al-Nakba" ("catástrofe"), por todos os desdobramentos que causaram aos moradores da região. Esta guerra chegou ao fim em 1949, com os israelenses ampliando seu território. Jerusalém passou a ser dividida entre Israel e Cisjordânia.
GUERRA DOS SEIS DIAS E DE MUITAS CONSEQUÊNCIAS
Posteriomente, houve novo conflito que envolveu israelenses e palestinos. Em 1959, houve a criação do movimento Fatah, pela instituição do Estado Palestino. Cinco anos depois, surgiu a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), que originalmente exigia a criação da Palestina e não aceitava a solução de uma divisão de território com Israel.
O temor de ataque de adversários levou os israelenses a dominarem territórios próximos em uma guerra que durou pouco tempo.
- Em 1967, na Guerra dos Seis Dias, Israel conquistou Jerusalém e uma série de outros territórios, como a Cisjordânia, a Faixa de Gaza, a Penísula do Sinai e as Colinas de Golã - destacou o professor Maurício Santoro.
Meses após o fim da guerra, a Resolução de Cartum (capital do Sudão) estabeleceu alguns pontos. Um deles foi o "Discurso dos Três Nãos": "não será declarada paz a Israel, não será reconhecido o estado de Israel, não haverá negociações com Israel".
A luta dos direitos do povo palestino entrou em pauta na reunião que teve representantes do Egito, Síria, Jordânia, Líbano, Iraque, Argélia, Kuwait e Sudão. Outros aspectos levados em consideração foram o boicote ao petróleo árabe ocorrido durante a Guerra dos Seis Dias, o fim da Guerra Civil do Norte do Iêmen e a assistência econômica à Jordânia e ao Egito.
Em 1973, houve uma resposta de exércitos sírios e egípcios contra os israelenses na Guerra do Yom Kippur. O conflito (planejado para o feriado judaico) durou cerca de 20 dias e o saldo foi a Crise de Petróleo daquele ano. Houve boicote dos países árabes produtores de petróleo e membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) aos países que apoiaram Israel. Estados Unidos, Canadá, Japão, Reino Unido e Holanda foram alguns dos "punidos". Cada barril chegou a subir 400%.
- Não é de se estranhar que países que compõem o Oriente Médio para além, inclusive, do território árabe tenham a causa palestina como política central. É uma forma de protestar contra o que eles consideram abusos imperialistas de Israel. Sobretudo nos territorios ocupados. Este imperialismo é visto também indiretamente da parte dos Estados Unidos - disse Paulo Velasco, professor de Relações Internacionais da Uerj.
'INTIFADAS' E TENTATIVA DE PAZ
A irritação de palestinos ficou ainda mais nítida a partir de 1987. Houve a primeira intifada, um movimento armado com paus e pedras em reação à política de Israel. Nesta mesma época, surgiu uma ala mais radical entre os palestinos: o Hamas.
- O objetivo dos principais grupos políticos da Palestina é consolidar sua posição como estado independente, embora existam divergências entre eles sobre qual deve ser a natureza desse Estado, sobretudo o papel da religião nele. Há grupos que querem que ela seja dominante, como o Hamas e outros mais flexíveis nesse aspecto, no caso da Fatah. E, claro, há diferenças sobre como lidar com Israel - explicou Maurício Santoro, destacando:
- Fatah é o grupo que domina a Palestina, sobretudo na Cisjordânia, e basicamente aceitou negociar com Israel. O Hamas e grupos semelhantes, como Jihad Islâmica, são mais fortes em Gaza e têm uma política de confronto com os isralenses, de tentar vencê-los pela força, com ataques e atentados - complementou.
Houve uma tentativa de um diálogo maior com os Acordos de Oslo. O professor do Departamento de Relações Internacionais da Uerj, Maurício Santoro, apontou que a situaçao ainda é bastante delicada.
- Foi finalmente criado um Estado da Palestina, com territórios na Cisjordânia e em Gaza, mas não há reconhecimento sobre Jerusalém Oriental. O controle efetivo dessas regiões, porém, é frágil e complicado, depende de muitas negociações - disse.
O caminho para um acordo também não foi bem visto em Israel na época.
- Os acordos de paz com os palestinos são muito controversos em Israel. O primeiro-ministro que os assinou, Yitzhak Rabin, foi assassinado por um fanático oposto às negociações. Muitos israelenses acreditam que a devolução de territórios na Cisjordânia e em Gaza não resultou na paz e no aumento da segurança, e sim que teria piorado a situação do país - e frisou:
- Israel é um país que se tornou mais conservador e nacionalista nos últimos anos, com eleitores mais críticos a acordos de paz com os palestinos. E continuam pendentes as grandes questões de Jerusalém e do retorno dos refugiados - completou.
Em 2000, houve nova intifada marcada por violência. A região continua a alternar momentos de cessar-fogo com atritos. O primeiro-ministro anterior de Israel, Yair Lapid, chegou a cogitar em encontro na ONU que israelenses e Palestina tivessem direito a seus respectivos estados. Só que a esperança durou pouco.
Benjamin Netanyahu conseguiu a maioria de votos em eleição recente e retomará seu posto de premiê. Sua eleição indica uma condução mais rígida sobre o caso e, diante disto, a continuação do imbróglio.
Ainda há muitas coisas indefinidas nas regiões tomadas por Israel. Paulo Velasco, professor de Relações Internacionais da Uerj, aponta o que tem trazido estas incertezas.
- Há ainda questões em relação a territórios ocupados desde a Guerra dos Seis Dias e que Israel mantêm até hoje. Jerusalém Oriental, a Faixa de Gaza, toda a parte da Cisjordânia... Inclusive, o território sírio que eles anexaram, que é o das Colinas de Golã. São muitos territórios ocupados que mantêm até hoje. É uma postura imperialista - e acrescentou:
- Os tratamentos dados aos palestinos nestes territórios da Cisjordânia e da Faixa de Gaza é um tratamento que muitos enxergam como discriminatório. É semelhante ao que se viu com os negros na África do Sul durante o "apartheid", há muitos paralelos neste sentido. Há acusações de racismo e imperialismo que pesam contra Israel. Por isto uma bandeira mobilizada muitas vezes pela esquerda mundo afora do povo palestina, de um direito do Estado Palestino. Muitos países reconhecem a Palestina como estado, inclusive o Brasil, que reconhece desde 2010 - finalizou.
SELEÇÃO DA PALESTINA?
Por mais que o impasse em torno do seu território continue a causar tantas controvérsias e mobilizações, a Palestina já está nos gramados. A seleção participa de Eliminatórias da Copa do Mundo desde 2002.
Ainda não chegou a ter campanhas expressivas na disputa da competição. Em sua mais recente participação, chegou à segunda fase, mas foi eliminada no Grupo D das Eliminatórias da Ásia. Também disputou a Copa Árabe. O mistério será definir qual o melhor caminho para driblar tantos obstáculos fora dos gramados.