Dia 27/10/2015
23:47
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A distância entre Marcos Paquetá e a Líbia não rompe a ligação que o treinador da seleção local tem com o país. Pelo contrário. Os laços se estreitam ainda mais, já que foi sob o comando dele que a seleção conseguiu, contra Moçambique, no sábado passado, a primeira vitória desde a queda do ditador Muammar Kadafi. E não foi uma vitória qualquer. A Líbia, de bandeira e hino nacional novos, ficou a um passo da Copa Africana-2012.

 Marcos Paquetá fala da vitória da Líbia após a queda de Khadafi



Em entrevista ao LANCE!, Paquetá, que por precaução convoca 30 jogadores, relata a emoção dos seus “soldados” e conta as aventuras que tem passado no comando da seleção desde que assumiu em julho de 2010.

– Só temos dificuldades. A Líbia é um livro de matemática: só tem problemas. E pior, sem gabarito atrás – comentou Paquetá, invicto no comando da seleção.

LANCE!: Como foi o clima antes e depois da vitória sobre Moçambique, a primeira pós-Kadafi?
- Foram várias situações emotivas. Mas a emoção poderia afetar negativamente e algum jogador acabaria perdendo a cabeça. Tínhamos que canalizar essa energia para jogar com vontade, sem perder a inteligência. O equilíbrio foi fundamental. Após a vitória,  foi uma emoção muito grande até para mim. Principalmente porque não estamos treinando. Por sorte, temos seis jogando fora da Líbia e isso ajudou. No final, os jogadores até me abraçaram e me beijaram.

LANCE: Que tipo de dificuldades você teve nas Eliminatórias?
- Montamos uma equipe que não estava preparada. Nosso primeiro jogo foi contra Moçambique, fora de casa, e em pleno Ramadã. Foram 12 horas de voo e nove horas de fuso horário. Os jogadores pararam de comer às 4h e só poderiam voltar a comer às 19h. A partida foi às 15h e com um sol de rachar. Uma loucura. Mas conseguimos o empate. Nós da comissão técnica poderíamos comer, mas em respeito e até como motivação preferimos o jejum.

LANCE: Parou por aí?
- No segundo jogo, contra Zâmbia, nós até treinamos. Mas o médico morreu no hotel em que o time estava, um dia antes do jogo. Conseguimos transformar isso em motivação e vencemos. E depois vieram a guerra e dois jogos contra Comores. Quase não tivemos jogadores. Tive que puxar oito da sub-20. Não esperava esse sucesso. Mas vejo o brilho nos olhos dos jogadores. Faz a diferença.

LANCE: Até que ponto a guerra influenciou no comportamento dos jogadores em campo?
- Fiz questão que eles focassem no jogo. Quando tomamos sufoco, o sentimento de tudo que eles tão passando entra em ação para segurarmos o resultado.

LANCE: Já mudou alguma coisa no comando da Federação local?
- Na Federação não saiu ninguém, mas houve troca interna de cargos. Eles me disseram que querem continuidade do trabalho. Estão vendo progresso. Antigamente jogador líbio não saia do país. Hoje tem seis. Isso faz parte do nosso projeto.

LANCE: Chegou a se encontrar com Kadafi e sofreu alguma pressão para convocar determinado jogador?
- Não. É impossível se encontrar com ele. Ele só fala por meio de representantes. Na Federação, quem falava comigo era o filho dele. Mas nunca sofri interferência no meu trabalho.

LANCE: Sofreu alguma rejeição após a queda do regime?
- Sabia que haveria uma resistência a mim, porque trabalhei quando havia outro regime. Mas o que facilitou foi que eles estavam motivados por si só. Tentei passar era que tínhamos que brigar pela seleção, independente de ideologia. Acho que eles entenderam bem.

LANCE: O que ainda te prende no comando da Líbia?
- O fato de ver no olho dos jogadores que estão gostando do trabalho. Eu tenho um nome na região e para eles é importante isso. Quando ficaram sabendo da possibilidade de eu sair, houve uma mobilização. Além disso, tenho um projeto que quero cumprir lá.

LANCE: Como tem sido a negociação com sua família?
- A família está em primeiro lugar. Saí do país por causa deles. Só retorno depois de pacificar. E vou antes para ver como está. Minha esposa e filha chegaram a pedir para sair e elas ainda não querem voltar para lá. Mas tenho um projeto que não posso largar.

LANCE: Com esse time da para sonhar com Copa do Mundo?
- Nas Eliminatórias da Copa do Mundo tivemos a infelicidade de cair na zona de Costa do Marfim, mas vamos lá. Ganhamos de Zâmbia, que só não foi pra Copa porque perdeu nos pênaltis para Gana. E vencia por 2 a 1 até o finalzinho do jogo. A estratégia é chamar jogadores com passaporte líbio na Europa e mesclando com jogadores jovens, em uma renovação que saiu na marra. Vamos ver se esse sonho se concretiza. Mas sempre com o pé no chão.

Paquetá na Líbia

Chegada
Marcos Paquetá assumiu a seleção da Líbia em julho de 2010, ainda sob o regime de Muammar Kadafi.

Tensão e retirada
Os protestos que resultaram na queda do ditador começaram em 15 de fevereiro. Diante da insegurança na capital Trípoli, Paquetá e sua
família deixaram o país no dia 21, no último dia em que o espaço aéreo líbio esteve aberto.

Vitórias à distância
Depois de uma vitória e um empate à frente da seleção da, ainda nos tempos de paz, Paquetá teve dificuldades para convocar a equipe, que precisou mandar os jogos fora do país por conta da falta de segurança.

Quase lá
Paquetá conquistou 11 pontos em 15 e está a uma vitória de se garantir na Copa Africana-2012. O último adversário será a Zâmbia, líder do
grupo C. Se perder, ainda torcerá por combinações de resultados.

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