O atacante Ricardo Oliveira, de 35 anos, vive uma das grandes fases de sua longa trajetória profissional: craque, artilheiro e campeão do Campeonato Paulista e atual goleador também do Brasileirão com a camisa do Santos. Isso tudo na primeira temporada após o retorno ao Brasil, feito que surpreendeu e o faz ser grande esperança da equipe neste domingo, às 16h, diante do Flamengo, no desafio de reagir em 2015.
O homem Ricardo de Oliveira, porém, admite que a única coisa que ainda consegue movê-lo atualmente é a paixão pelo esporte, nada mais. Firme, direto e articulado, ele reconhece nesta entrevista ao LANCE! que o nível do futebol brasileiro não é mais o mesmo. A razão? Política.
– Não há pessoas direitas comandando o futebol, e isso me entristece – conta o camisa 9 do Santos, que se vê em condições de chegar à Seleção Brasileira mesmo aos 35 anos, cobra mais posicionamento político de outros boleiros, cita suas referências e relata até mesmo aquilo que pretende fazer após pendurar as chuteiras. Porque enquanto a hora de parar não chegar... os gols não faltarão!
VEJA A ENTREVISTA COMPLETA COM RICARDO OLIVEIRA:
Você acredita que exista algum camisa 9 em mais boa fase que você no Brasil atualmente?
Nunca gostei de avaliar e opinar acerca de outros da minha posição, porque sei da dificuldade. Mas não me coloco melhor ou pior que alguém, as comparações ficam para as pessoas que trabalham com isso. Estou em um nível pelo qual batalhei muito e não me coloco acima de outro jogador.
Esse nível é de Seleção hoje?
Eu acho que sim. Opinião minha. Acho porque isso me motiva, não é achismo individual, mas sim avaliar as condições. Do jeito que estou, eu acho, mas isso não significa que quem está lá não seja melhor que eu. Acredito que tenho nível de Seleção. Agora jogar a Copa está distante, não gosto de pensar assim. Acredito que, se formar uma base para chegar à Copa, não me encaixo por causa da idade. Mas para ser convocado me encontro fisicamente e tecnicamente muito bem. Seleção motiva muito, então sempre estou aberto e esperançoso.
No Santos, hoje, te elogiam muito pela disposição e por conversar com os mais jovens. Também pode ser um diferencial, não?
Eu falo com eles sobre o que me questionam, situações de treino, como melhorar, como entendo, meu ponto de vista sobre algumas coisas. Mas o assunto é sempre voltado para o futebol. Mas eu também ouço o que me falam, não detenho total conhecimento do território por ser mais velho. Eles me acrescentam.
E como você vê o perfil dos jovens no futebol hoje em dia?
O jogador talentoso para jogar, para se expor, teria que ser inserido de forma mais cuidadosa. Há um problema na forma como aqueles que estão chegando ao profissional são preparados. Não é porque está no Santos que vai ser o Neymar. Pode ser, ou até ser melhor, mas a forma de preparação é que é importante. Lá dentro, ele tem que mostrar que merece, que treina para caramba, se preocupa em aprimorar. O futebol de hoje tem algumas facilidades, e tem gente chegando no profissional que ouviu ‘você é o cara’. Aí se prepara um garoto como superstar, que não é. No profissional tem que fazer melhor do que fez na base. O futebol é um sonho, eu de fato nunca imaginei chegar onde cheguei, e daqui a pouco esse sonho acaba. Para muitos, se tornou pesadelo, porque venderam coisas , mas não os prepararam para a vida.
Essa coisa de se preparar para a vida passa por se interessar mais por aspectos fora de campo?
Para alguns pode não ter muita importância, mas para quem vive o futebol no sentido de conhecimento do esporte, tem um peso grande. Nesse escândalo de corrupção na Fifa, por exemplo, você acaba vendo que o futebol passou de ser aquele negócio apaixonante, bacana de se viver. Isso acontece quando o dinheiro fica acima da paixão e as pessoas perdem foco.
E isso repercute entre vocês?
Repercute pela forma com que estamos vendo. Essa é a razão do futebol brasileiro estar passando pela difícil situação que está, a nível financeiro e de safra, pois aqui é um terreno produtivo. Se houvesse boa gestão, mais paixão, a cada ano ou dois teríamos jogadores acima da média. Não só um, muitos. Isso é o que de fato me entristece bastante, porque atesta que nós perdemos, temos estádios vazios... Porque não há pessoas direitas comandando futebol.
E isso passa por uma mudança de postura dos jogadores também. Ou você acha que não?
Nós somos as principais estrelas do futebol. É a gente que veste a camisa, está dentro do campo... Então compete muito aos atletas, sim. Existe um grande número de jogadores que estudaram futebol e estão contribuindo para a melhora, que é o Bom Senso, e sou favorável a ele.
Difícil ver um jogador falando de política no futebol... E sobre política diária, acha que sua classe deveria se posicionar?
Acho que sim. Se questionado a respeito, eu acho. Sou cidadão, pago imposto, devo explicações ao governo, presto contas. Agora tenho que exercer, é democracia. Vou votar? Mas em quem? Sabe aquela coisa de um amigo que te fala para votar em fulano? Você não sabe nem quem é. Mas muitos jogadores não têm conhecimento mesmo. Por isso tem histórias de jogadores famosos no passado que estão em extrema dificuldade financeira. Ninguém abriu novos espaços até por despreparo.
Acha que falta mais interesse até mesmo no próprio futebol?
Na minha casa é até chato para a minha família, mas eu vivo futebol. Assisto na televisão, vejo programas esportivos porque gosto e quero aprender, é obrigação minha, é importante para mim. Acredito que essas pessoas, nós atletas, se iniciarmos um movimento de forma amigável para que haja cuidado com o futebol, não é que queremos dinheiro, queremos o bem do futebol. As pessoas de cima precisam receber isso de forma amigável e falar ‘Opa, espera aí, vamos melhorar o futebol’. Isso que precisa. Senão, temo que o futebol acabe um dia. Se não houver mudança, a tendência é só piorar.
Então o 7 a 1 na Copa do Mundo não foi o nosso fundo do poço?
Não vou pegar isso como parâmetro, mas essa seleção que ganhou de sete, sabe há quanto tempo jogam juntos? Não mudam. Têm organização, projeto. É como se montássemos um projeto para ganhar a Libertadores daqui a quatro anos. Aqui no Brasil não tem isso. Se perdeu, vai embora todo mundo. Como melhorar assim? Vamos ser fiéis ao projeto. Pode haver mudanças? Pode, mas não brusca, sem choque. Na Europa funciona diferente, por isso admiro os europeus, pela fidelidade ao projeto.
Diante de tudo isso, o que te move a jogar futebol é a paixão?
Para mim, sim. Depois que passei a estudar o futebol, saber o que ele gera... Me incomodava ser chamado de mercenário, então fui estudar se isso era verdade. Vi que o futebol gera milhões, e as pessoas não têm noção. Não se pode confundir respeito com a chance de melhorar seus ingressos para sua família, tem que reconhecer que o jogador é tratado como produto. Isso é o futebol, e saber facilitou minha carreira, passei a ver de outra maneira. Mas a paixão é a mesma.
E você vai seguir no futebol depois de deixar os gramados?
Obviamente gosto de fazer planos, não a longo prazo, a curto, vivendo cada dia, mas estou pensando lá na frente. Em algum momento vou falar ‘obrigado, estou encerrando’, mas a vida segue fora dos gramados e aí entraria nessa possibilidade de trabalhar como dirigente, conselheiro, ou mais próximo dos atletas. Só não me vejo como treinador, não seduz.
Qual o melhor com quem trabalhou até hoje na carreira?
Seria injusto dizer. Tive experiência de anos jogando e adquiri muito com grandes treinadores. O Rafael Benítez me colocou para chutar bola na parede lá no Valencia. Eu tinha 23 anos, fui artilheiro da Libertadores pelo Santos, já era uma realidade. Chego lá, fico dentro de uma jaula, um campinho onde a bola não sai, para ficar chutando bola na parede. Não entendia nada! Jogava pouco, ficava irritado. Aí ele chamou o Pablo Aimar e falou: ‘Senta aqui, explica pro Ricardo como foi seu primeiro ano’. O Aimar é ídolo lá e passou pelas mesmas coisas. O Benítez ensinou a ele posicionamento, domínio de bola, finalização, tudo isso. Não era castigo, era adaptação. Ele estava me preparando para isso no futebol europeu. Então aprendi muito com ele, com o Abel, com o Muricy...
Qual seu ídolo no futebol?
Quando eu fui criança vi vários jogadores. Eu vi o Viola, na minha comunidade. Disseram que ele estava em um mercado próximo de onde eu morava, aí eu saí correndo com um papelzinho na mão. Ele estava mesmo. Não me atrevi a chegar perto, não tinha caneta, mas me arrumaram uma e ele me deu o autógrafo. Não tinha telefone com câmera, eu morava na favela, mas teve o autógrafo. Na Seleção, na Argentina, conheci o Maradona, conheci o Pelé, Ronaldo, Zidane. Mas quando criança o cara que eu gostava mesmo era o Viola.
E hoje, aos 35 anos, você já consegue se ver como ídolo?
Na minha igreja mesmo recebi uma carta de uma mãe que dizia ter um filho que era excluído na escola. E essa mãe pediu alguma ideia para animar esse menino. Isso me motiva muito. Sei que essas pessoas se espelham em mim e não abro mão disso. Vivo cada dia como se fosse o último, dou meu melhor, mas formar e gerar esperança em uma criança, em um jovem, é fantástico. Investir em pessoas é o melhor investimento.