Cacá Bueno tem a maturidade e autoridade de um tricampeão da Stock Car para traçar um perfeito cenário do quão problemática é a situação da segurança nas pistas brasileiras. Após a morte de Gustavo Sondermann, os pilotos se uniram para cobrar melhorias ante as autoridades que pouco fizeram nos últimos anos. E o mais importante piloto de turismo do Brasil na atualidade falou com firmeza e, em alguns momentos, emoção, sobre temas que voltaram à tona após a perda de outro amigo nas pistas.
PARTE 2: Para Cacá Bueno, formação dos pilotos é deficiente
PARTE 3: Em algumas pistas, Cacá não se sente 100% seguro
PARTE 4: Cacá Bueno 'sem estômago' para ser dirigente
Leia abaixo a primeira parte da entrevista exclusiva de Cacá Bueno ao LANCENET!
LANCENET!: Cacá, há uma semana tivemos mais uma tragédia, com a morte de Gustavo Sondermann e vocês pilotos reiniciaram um movimento pela melhoria da segurança, não só na Stock Car, como em outras categorias. Que lições vocês tiraram desse episódio?
CACÁ BUENO: Bem, o primeiro de tudo, e mais importante, é prestar solidariedade e carinho com a família do Gustavo. Estar junto com eles e saber que o automobilismo não vai parar e que vamos sempre pensarneles, mas temos de tirar lições disso. Nunca faltou união aos pilotos, como muita gente acha. O que a gente aprende é que a gente tem de formatar melhor as ideias e se unir cada vez mais, trabalhar com todos no diálogo. A gente não quer afrontar ninguém, não é essa a nossa intenção e nunca foi. Mas a gente sabe o quanto importante é a segurança no esporte. É vital ter mais segurança para a gente praticar o nosso esporte, por nós mesmos, pelas nossas famílias, pelos nossos amigos, por quem torce pela gente, por quem gosta de automobilismo. É um momento de a gente se unir, pensar, trocar ideias. E não só mais pedir, apesar de parecer um pouco sério demais, mas exigir da confederação, do produtor e do construtor do carro que sejam melhorados ainda mais alguns pontos que a gente já sabia, outros que nem nós nem eles tínhamos ideia.
LNET!: Vocês tiveram uma primeira reunião e o que já conseguiram formatar para melhorar a segurança?
CB: Eram cerca de dez pilotos, nos reunimos em São Paulo. Eu moro no Rio e fui para lá, outros que moram em outros estados também saíram de suas casas e a gente sentou durante algumas horas. Batemos em muitos pontos dos quais todos nós concordávamos, e muitos dos quais pedimos há muito tempo e não fomos atendidos, outros pontos em que não havia unanimidade de ideias, mas, a gente trocando ideia, ainda existem pontos que podem ser melhorados. Vale ressaltar que não é a primeira vez que isso acontece no automobilismo. A própria Fórmula 1 após o fim de semana trágico do Ayrton teve inúmeras mudanças de regulamento, carros, autódromos. Então, é lógico que a gente senta para pensar exclusivamente em segurança durante algumas horas surgem ideias novas que não foram apresentadas ainda à confederação. Dessa reunião saíram vários itens que são urgentes, alguns itens que sabemos que vão levar tempo para serem feitos, uns mais para o futuro, médio prazo. Sabemos que não é fácil mudar curvas em autódromos, áreas de escape em outros. Mas a gente conseguiu se unir, decidir que a gente vai criar uma associação. Não queremos tirar poder de ninguém, repetindo, mas mostrar de uma maneira mais organizada e profissional os pontos que a gente, que está sentado no carro, sabe de pontos críticos de determinados autódromos e situações. Com isso, a gente vai evoluir bem.
LNET!: Que medidas são essas mais urgentes?
CB: Muitas já foram debatidas, como a área de escape na Curva do Café. Num primeiro momento, são 15 itens envolvendo regulamento, carro, organização e autódromo. Também houve uma discussão entre orespeito de pilotos, de a gente se cobrar mais, entender que nós estamos competindo, mas deve haver respeito. Houve uma combinação de, num primeiro momento, a gente não bater muito em alguns itensespecíficos antes que haja uma resposta oficial da confederação, do organizador e do fabricante do carro. Então, alguns deles já foram debatidos em público, como a Curva do Café, o sistema de largada e a visibilidade no carro. Esses três pontos, todos sabem. Alguns pilotos não conseguem ver o sinal e nem todos os autódromos oferecem uma segurança de largada para que todo mundo saiba quando largar ao mesmo tempo e minimize a possibilidade de um acidente. Sabemos que uma batida numa largada faz o carro rodar e ser acertado por outros. A visibilidade na chuva já foi alertada por todos os pilotos antes do acidente. Na última etapa do ano passado, em Curitiba, o líder do campeonato e que acabou conquistando o título, Max Wilson, disputando o título, parou nos boxes para limpar o vidro porque não enxergava nada e vários outros casos aconteceram. São pontos importantes e que fazem parte desta lista. Da primeira lista, de 15 itens. Estamos buscando apresentar um esporte melhor, Ninguém está reivindicando regra de dinheiro, de prêmio, de pontuação, de bonificação, de merchandising, de mídia. Nessa conversa ficou claro também que não vamos nos limitar aos pilotos de Stock Car. A gente sabe que tem mais força por causa da categoria, mas estamos abertos. Havia um piloto na reunião que não está correndo na Stock Car e a gente vai estar sempre de portas abertas para outros pilotos e para interceder com os autódromos e a confederação. Há um acordo nosso para que essa semana ainda a confederação e a Vicar serem comunicadas e, com todo o respeito que temos, eles terão o tempo necessário para essas mudanças. Não é ameaça, mas uma constatação de que se esses itens não forem adotados ou não houver planejamento, aí sim vamos passar os itens para vocês saberem.
LNET!: Houve em algum momento ameaça de greve?
CB: Cogitaram, mas não greve. Cogitou-se algum tipo de atitude, caso não fôssemos atendidos, o que pode beirar uma greve, não entrar na pista. Mas tenho a plena confiança de que a CBA, a Vicar, a JL tomarão as atitudes. Sentimento pessoal: agora eles vão escutar a gente. Mas que não apareça ninguém dizendo que sempre fomos escutados. Agora as coisas vão mudar.
LNET!: Você citou o caso da Fórmula 1 em 1994, e naquela época houve diversas mudanças imediatas. Como fazer com que a CBA consiga algo rápido?
CB: Qualquer tipo de burocracia e política, ou demonstração de força por parte de quem quer que seja não vale uma vida. A gente não se interessa por isso e quer que as mudanças sejam feitas o mais rapidamentepossível, independentemente de problemas pessoais ou políticos, seja da CBA ou da organizadora, a Vicar. A gente há anos corre com eles e não tem problema. A gente confia neles, mas, o acidente evidencia isso,a gente tem espaço para melhorias e, por que não, escutar os pilotos? Essa é a nossa grande crítica. Se você olhar as declarações que saíram na última semana, quase todos são unânimes. Existem pontos que nada têm a ver com o acidente, mas que continuam sendo perigosos e já reclamamos há um, dois, três, quatro anos. A gente solenemente é ignorado. Vale ressaltar que sempre tivemos espaço para falar, mas nunca fomos atendidos. Então, se temos espaço para falar mas não somos atendidos, é a mesma coisa que não ter voz. Não adianta nada reunir no autódromo e ficar a mesma coisa. O que a gente faz agora é uma organização para ter mais voz ativa.